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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Comissão de Corretagem

Há alguns dias, um cliente surgiu com uma dúvida: a partir de que momento passa a ser devida a comissão ao corretor que intermediou a compra e venda de um imóvel? Na hipótese de não se concretizar o negócio ou o mesmo ser desfeito, ainda assim é necessário efetuar esse pagamento?

Vejamos: o corretor de imóveis, profissional habilitado a intermediar o negócio jurídico compra e venda, tem como função primordial aproximar as partes - a que pretende alienar  e a que pretende adquirir um bem. Assim, a comissão de corretagem nada mais é do que a remuneração por esse trabalho prestado.

Nos termos do artigo 723 do Código Civil de 2002, "o corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio."

Quando da contratação dos serviços, as partes geralmente assinam um contrato (de arras ou promessa de compra e venda) em que consta cláusula especial e expressa acerca da comissão de corretagem, prevista no artigo 725 da lei civil: "a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes."

Mesmo nos casos em que as partes venham a contratar tempos depois, em sendo decorrência do trabalho do corretor, será igualmente devido o pagamento da remuneração. Nesse sentido dispõe o artigo 727 do CC/02: "se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida; igual solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor."

Ainda que a compra e venda não se perfectibilize - seja pela desistência/ arrependimento de uma ou ambas as partes, seja pelo insucesso de um financiamento/ obtenção de crédito, obstaculizando assim a possibilidade de aquisição por insuficiência de numerário para pagamento do preço - e até mesmo em havendo rescisão do contrato em momento posterior, ainda assim o valor previamente combinado deverá ser adimplido pelo promitente comprador.

Isso porque, como já dito anteriormente, o corretor de imóveis se empenhou para fechar o negócio (apresentando as partes, intermediando a conversação, mostrando a propriedade, discutindo valores e forma de pagamento), e eventual frustração da compra e venda póstuma não se relaciona com o trabalho realizado, ou seja, o pagamento é devido independentemente do resultado da mediação operada.

As decisões emanadas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul são uníssonas no sentido de que o pagamento da comissão de corretagem é devido e não pode ser objeto de devolução. Nesse sentido:


Ação de rescisão de contrato de compra e venda e restituição do valor pago. Comissão de corretagem. Intermediação de compra e venda de imóvel. Financiamento não obtido. A aproximação feita pelo corretor deimóveis que resulta na realização da concretização da compra e venda mediante a realização e assinatura do instrumento particular de compra e venda, gera o direito à comissão de corretagem, mesmo que se frustre a obtenção do financiamento para pagamento contratual do preço. O instrumento contratual dispôs sobre acomissão de corretagem e obriga o adquirente, conforme a cláusula especial e expressa. (Apelação Cível Nº 70055379002, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 14/08/2013).


APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE PAGO PELO AUTOR. COMISSÃO DE CORRETAGEM. Comprovação de que os únicos valores pagos pelo adquirente foram destinados ao pagamento de corretor. Indevida a devolução, pelo compromitente, das verbas pagas a terceiro, intermediador do negócio, a título de comissão de corretagem. Sentença reformada, no ponto. Sucumbência redimensionada. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70045325826, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 25/04/2013).


CORRETAGEM. EMBARGOS À EXECUÇÃO. COMISSÃO. COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. RESCISÃO DO CONTRATO. COMISSÃO DEVIDA. Logrando êxito o corretor em demonstrar a aproximação das partes, o que culminou na celebração de contrato de compra e venda do imóvel, inclusive em caráter irrevogável e irretratável, mostra-se devida a comissão de corretagem. O posterior distrato ou resilição do pacto de compra e venda de forma alguma interfere no direito de comissão do corretor, que laborou para tanto, cumprindo o seu mister. DESPROVERAM O APELO. (Apelação Cível Nº 70051665826, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 29/11/2012).
GRIFOS NOSSOS.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Greve dos Correios x Pagamento de Contas

Em greve desde o dia 30 de janeiro em vários estados da federação, os funcionários dos Correios ainda não têm previsão de retorno às suas atividades. Por certo que na atualidade muitos consumidores pagam suas contas via internet ou débito em conta, mas existem aqueles que recebem as faturas e os boletos mensalmente em suas residências. Assim, o que fazer quando os documentos simplesmente não chegam? Como evitar o atraso no pagamento das contas de água, luz, telefone, internet, celular e cartão de crédito, entre outras?

Inicialmente, importa dizer que configura dever do fornecedor disponibilizar outras formas de pagamento, seja através do recebimento dos valores na sede da empresa, via depósito bancário, código de barras, ou envio de uma segunda via da conta ao consumidor por meio da internet (através do site ou por e-mail), o que deve ser solicitado antes da data do vencimento, de modo a não ensejar discussões futuras.

Em não sendo possível nenhuma dessas alternativas, há de ser solicitada a prorrogação da data de vencimento, para fins de evitar a cobrança de encargos decorrentes da mora (juros e multas) e a própria cessação da prestação do serviço.

É de suma importância destacar que a greve dos Correios, por si só, não é justificativa para o atraso ou inadimplemento das dívidas, uma vez que o consumidor dispõe de outras formas (além do boleto enviado por correspondência) para efetuar o pagamento, além do fato de que as empresas credoras não são culpadas/ responsáveis pela paralisação dos serviços postais.

Assim, da mesma forma que o consumidor não pode ser prejudicado, em sendo desatendido(s) seu(s) requerimento(s) junto ao credor para fins de viabilizar o pagamento (os quais geram um protocolo, o qual deverá ser anotado), a medida a ser tomada é a apresentação de reclamação junto ao órgão de defesa do consumidor mais próximo, oportunidade em que o(s) número(s) de protocolo deverá(ão) ser informado(s), por constituír(em) prova.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Direito à Saúde e Fornecimento de Bloqueador Solar

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, dispõe que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Já o artigo 241 da Carta Magna disciplina que "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos."

Assim, temos que o direito à saúde (decorrente do direito essencial à vida) é de responsabilidade solidária dos entes federativos - União, Estados e Municípios - e que, além de assegurar atendimento médico em postos de saúde, realização de exames e internações em hospitais, também engloba o fornecimento gratuito de remédios, ainda que não constantes das listas de medicamentos disponibilizadas pelo SUS - Sistema Único de Saúde.

Inclusive, por se tratar a saúde de direito social fundamental (constante no caput do artigo 6.º da CF/88), cabe ao indivíduo escolher de quem irá exigir o cumprimento da obrigação de entregar medicamentos, seja dos entes públicos em conjunto, seja separadamente.

No final de 2013, transitou em julgado decisão proferida pela 21.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que condenou o Poder Público (Estado do RS) a fornecer bloqueador solar - 02 (dois) frascos por mês - para uma portadora de câncer de pele que, por determinação médica, necessita utilizar o produto de forma contínua e não possui condições econômicas de adquiri-lo (Apelação Cível n.º 70055845507).

O acórdão traz em seu bojo importante decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, cuja ementa segue transcrita: 



“(...) DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) – (...). O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (...)”. GRIFOS NOSSOS.

(RE-AGR n.º 393.175/RS, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 12.12.2006)

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Responsabilidade Civil das Companhias de Energia Elétrica

No Rio Grande do Sul, o ano de 2014 chegou trazendo consigo uma onda de calor como jamais vista (ao menos por este blogueira). As altas temperaturas atualmente vigentes, cuja sensação térmica facilmente beira os 40ºC durante o dia, acarretam não apenas danos individuais à saúde das pessoas (cansaço, indisposição, dor de cabeça, dificuldade de raciocínio), como também ocasionam outro problema grave, que atinge a população como um todo: as freqüentes quedas de energia elétrica.

O aumento exponencial do uso de equipamentos hábeis a espantar o calor, como ventiladores e ar condicionados, não raro causam sobrecarga na rede, posto que o limite de capacidade das fornecedoras muitas vezes é ultrapassado. Ainda que se cogite a necessidade de reparos, manutenção e principalmente expansão da rede elétrica, nada justifica a interrupção prolongada do serviço.

Isso porque, uma vez considerado bem essencial para a vida em sociedade, o serviço de energia elétrica deve ser prestado de forma adequada, eficiente, segura e principalmente ininterrupta (princípio da continuidade), consoante dispõe o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor:


Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Dessa forma, em havendo rompimento desse dever, as concessionárias/ permissionárias respondem objetivamente pelos danos causados pela falha e/ou má-prestação do serviço público, nos termos do artigo 14 do CDC e artigo 37, § 6.º da Constituição Federal de 1988, aplicando-se ao caso a teoria do risco:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
 
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Neste sentido é o recente julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

(...) "In casu", descabe afastar o dever de indenizar da concessionária, tendo em vista que a ocorrência de intempéries climáticas não enseja o reconhecimento de caso fortuito, de modo a isentar a responsabilidade da concessionária ré, a qual, como responsável pelo fornecimento de energia elétrica, com o devido recebimento da contra-prestação por parte do Estado, deve manter suas instalações aptas a suportarem eventos da natureza, como temporais e vendavais, bem como deve possuir equipamentos para prever fenômenos climáticos e evitar danos a terceiros. Precedentes. Ademais, nenhuma prova a demandada trouxe aos autos para justificar a demora de mais de dezessete horas para armar a chave fusível do transformador que abastece a unidade da autora, não bastando para tanto os documentos juntados com a contestação, pois totalmente ilegíveis. A empresa autora permaneceu por mais de dezessete horas sem energia elétrica, ultrapassando, portanto, o prazo de quatro horas previsto no artigo 176, § 1º, da Resolução 414, de 2010, da ANEEL, para os casos de suspensão indevida. Assim, comprovada a falha na prestação do serviço e não demonstrada qualquer excludente de responsabilidade, deve a concessionária ré ser responsabilizada pelos prejuízos suportados pela empresa autora, impondo-se o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença no ponto. (AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70055742522, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 19/12/2013).

Desse modo, temos que o dever de indenizar (responsabilidade civil) se dá tanto em relação ao particular quanto à pessoa jurídica, desde que comprovados os danos, a autoria e o nexo causal. Por se tratar de responsabilidade objetiva, não há discussão acerca da culpa da companhia de energia elétrica, a qual somente afastará a obrigação de ressarcir os danos causados quando comprovar a inexistência de corte no fornecimento de energia ou a configuração de alguma excludente (caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva do consumidor).