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domingo, 13 de dezembro de 2015

Tratamento Médico Convencional x Esperança de Cura Divina

Já nos debruçamos aqui sobre o tema Testemunhas de Jeová x Transfusão de Sangue, em que o exercício do direito fundamental à liberdade religiosa por parte dos seguidores desta religião se sobrepõe ao direito à vida, por ocasião da negativa em se submeter ao procedimento de transfusão de sangue (considerado pecado).

A realidade é que a cada um cabe viver de acordo com as suas crenças e pautar sua vida conforme a sua fé. Ocorre que por vezes religião e ciência (Medicina) se desencontram e os resultados podem ser bastante indesejáveis, e até mesmo catastróficos.

Há alguns meses foi noticiada a condenação da Igreja Universal do Reino de Deus em demanda judicial cujo teor é bastante emblemático:  com base na crença de que somente por meio da fé religiosa obteria a cura de seus males, um frequentador da igreja, portador do vírus HIV, foi convencido por um dos pastores da entidade a abandonar completamente seu tratamento médico, bem como a manter relações sexuais com sua esposa sem o uso de preservativos.

Ocorre que, no caso, a fé do homem não foi suficientemente apta nem para curá-lo da AIDS nem para evitar a transmissão do vírus à sua companheira, razão pela qual houve posterior ajuizamento de ação de reparação civil em face da entidade religiosa.

Com base na prova testemunhal e documental produzida nos autos (laudos médicos, psicológicos e matérias jornalísticas, consubstanciadas em vídeos e postagens em redes sociais), restou demonstrado que as condições do Autor da ação foram agravadas após a ida a cultos e sessões de aconselhamento com o pastor. Assim, verificou-se que, devido à baixa imunidade, o homem foi acometido por uma broncopneumonia que lhe deixou hospitalizado e o fez perder 50% do peso, razão pela qual a indenização por danos morais foi arbitrada no valor de R$ 35 mil.

Em sede de recurso, decisão da 9.ª Câmara Cível do TJRS foi no sentido de majorar o valor deferido em sentença, condenando a igreja ao pagamento de R$ 300 mil, com base no abuso de confiança com a intenção de obter vantagens materiais perpetrado em relação a pessoa em estado crítico de saúde, apresentando-se frágil e vulnerável. 

A ementa do acórdão exarado pelo TJRS segue parcialmente transcrita:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS. COAÇÃO MORAL. RESPONSABILIDADE POR INFLUENCIAR NEGATIVAMENTE CONDUTA ALHEIA.  PROVA CIRCUNSTANCIAL CONVINCENTE DE CONDUTA IMPUTÁVEL À RÉ ENQUANTO INSTITUIÇÃO COMO CAUSA PARA A INTERRUPÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO. DANOS VERIFICADOS. RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA POR CONSELHOS OU RECOMENDAÇÕES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA RÉ DESPROVIDO. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DO AUTOR PARA MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO.
1 . ILEGITIMIDADE PASSIVA. (...) 2. NULIDADE DA SENTENÇA. (...) 3. PRESCRIÇÃO. (...) 4. AGRAVOS RETIDOS. (...)
5. MÉRITO. A responsabilidade civil tem como pressupostos/requisitos/elementos a conduta (comissiva ou omissiva) de alguém, o dano, o nexo de causalidade entre um e outro, além do nexo de imputação (que será a culpa, em se tratando de responsabilidade subjetiva, ou o risco ou a idéia de garantia, quando se tratar de responsabilidade objetiva). Na hipótese, há prova suficiente da conduta imputada à ré, por seus prepostos, como causadora dos danos narrados pelo autor, motivo por que procede a pretensão indenizatória.
6. Culpa dos prepostos da ré evidenciada por terem se aproveitado da extrema fragilidade em que se encontrava o autor, a fim de induzi-lo a interromper o tratamento médico a que se submetia para debelar/controlar doença grave e potencialmente letal, sob alegação de que deveria dar provas de sua confiança na providência divina. Diante da interrupção do tratamento prescrito, o autor teve suas defesas imunológicas drasticamente reduzidas, contraiu broncopneumonia, padeceu de risco de morte, sofreu choque séptico, insuficiência renal aguda, permaneceu dois meses e meio hospitalizado, dos quais cerca de quarenta dias em coma, traqueostomizado, perdendo metade de seu peso corporal.
7. O Direito contemporâneo admite a responsabilização de alguém por abusar da confiança alheia, dando-lhe conselhos ou recomendações, sabendo ou devendo saber que, no seu estado de fragilidade, essa pessoa tenderá a seguir tal orientação. Isso faz com que a pessoa ou a instituição que tem conhecimento de sua influência na vida de pessoas que a tem em alta consideração, deva sopesar com extrema cautela as orientações que passa àqueles que provavelmente as seguirão.
8. Quando tais orientações se chocam contra o conhecimento científico atual, quem orienta pessoas a agirem em contrariedade aos cânones científicos, assume o risco de vir a responder pelos danos sofridos pelos crédulos.
9. Diante de todas as nefastas consequências que a conduta da ré, através de seus prepostos, teve na vida do autor, deve ser provido o recurso do autor para majorar o valor da indenização para R$300.000,00, levando-se em conta também o fator pedagógico associado à compensação por danos morais, especialmente no caso presente.
 PRELIMINARES REJEITADAS, AGRAVOS RETIDOS DESPROVIDOS E APELO DA RÉ DESPROVIDO, E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DO AUTOR. (Apelação Cível Nº 70064055668, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 26/08/2015). GRIFOS NOSSOS.

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