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terça-feira, 31 de julho de 2018

Dano Moral por Desvio Produtivo II - Decisões STJ

Em 2014, tratamos aqui no Blog sobre a teoria do Dano Moral por Desvio Produtivo, recém formulada na época. Em síntese, trata-se do direito que o consumidor tem de ser indenizado pelo fornecedor de produtos e serviços naquelas ocasiões em que for obrigado a despender considerável tempo útil para resolver um problema a que não deu causa, incidindo a norma contida nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002.

Criador da teoria, Marcos Dessaune escreveu a obra "Teoria aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor - O prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada", cuja sinopse, abaixo transcrita, assim nos revela:


"Nas relações de consumo, todo fornecedor tem a grande missão implícita de liberar os recursos produtivos do consumidor – fornecendo-lhe produtos e serviços de qualidade que lhe deem condições de empregar o seu tempo e as suas competências nas atividades de sua livre escolha e preferência. Ocorre que incontáveis fornecedores, em vez de cumprir seus deveres legais e atender o consumidor com qualidade, corriqueiramente violam a lei e não realizam sua missão – criando problemas de consumo potencial ou efetivamente danosos que ensejam a sua responsabilidade civil de saná-los ou indenizar o consumidor. Além disso, muitos desses fornecedores ainda se valem das mais variadas justificativas ou artifícios para não resolver o problema criado em prazo compatível com a real necessidade do consumidor, com a utilidade do produto ou com a característica do serviço. Esse comportamento faltoso do fornecedor, que é uma prática abusiva vedada pelo CDC, induz o consumidor em estado de carência e condição de vulnerabilidade a despender o seu tempo vital, a adiar ou suprimir algumas de suas atividades geralmente existenciais, a desviar suas competências dessas atividades e, muitas vezes, a assumir deveres e custos do fornecedor – seja para satisfazer determinada carência, seja para evitar um prejuízo, seja para reparar algum dano. Essa série de condutas caracteriza o 'desvio produtivo do consumidor', que é o evento danoso que se consuma quando o consumidor, sentindo-se prejudicado, gasta o seu tempo vital e se desvia das suas atividades fundamentais. Como o tempo é o suporte implícito da vida, que dura certo tempo e nele se desenvolve; como a vida constitui-se das próprias atividades existenciais, que nela se sucedem; como a existência digna é tanto um bem jurídico quanto um interesse tutelado no âmbito do direito fundamental à vida, que por sua vez é sustentado pelo valor supremo da dignidade humana; como o tempo vital tem valor inestimável – por ser um bem econômico escasso que não pode ser acumulado nem recuperado ao longo da vida; e como as atividades existenciais não admitem adiamentos nem supressões indesejados – por serem interesses suscetíveis de prejuízo inevitável quando deslocados no tempo, conclui-se que um evento de desvio produtivo acarreta lesão ao tempo existencial e à vida digna da pessoa consumidora, que assim sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de natureza existencial, que é indenizável in re ipsa. Nos eventos de desvio produtivo, o consumidor também pode sofrer danos materiais, que são ressarcíveis em face de sua comprovação. Logo está equivocada a jurisprudência que afirma que a via crucis percorrida pelo consumidor, ao enfrentar problemas de consumo criados pelos próprios fornecedores, representa 'mero dissabor ou aborrecimento'."


Passados 04 (quatro) anos, hoje vemos o reconhecimento desta teoria nos julgados do STJ (Superior Tribunal de Justiça), conforme decisões que seguem colacionadas:


"(...) Recalcitrância injustificada da casa bancária em cobrar encargos bancários resultantes de sua própria desídia, pois não procedeu ao débito das parcelas na conta corrente da autora, nas datas dos vencimentos, exigindo, posteriormente, de forma abusiva, os encargos resultantes do pagamento com atraso. Decurso de mais de três anos sem solução da pendência pela instituição financeira.
Necessidade de ajuizamento de duas ações judiciais pela autora.
Adoção, no caso, da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, tendo em vista que a autora foi privada de tempo relevante para dedicar-se ao exercício de atividades que melhor lhe aprouvesse, submetendo-se, em função do episódio em cotejo, a intermináveis percalços para a solução de problemas oriundos de má prestação do serviço bancário. Danos morais indenizáveis configurados. Preservação da indenização arbitrada, com moderação, em cinco mil reais. (...)"
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.260.458-SP, 3.ª Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2018).


"(...) - Frustração em desfavor do consumidor, aquisição de veículo com vício 'sério', cujo reparo não torna indene o périplo anterior ao saneamento - violação de elemento integrante da moral humana, constituindo dano indenizável - desvio produtivo do consumidor que não merece passar impune - inteligência dos artigos 186 e 927 do Código Civil. 'Quantum' arbitrado de acordo com a extensão do dano e dos paradigmas jurisprudenciais - artigo 944, do Código Civil - R$15.000,00; (...)"
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.241.259-SP, 4.ª Turma, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, julgado em 07/03/2018).


"(...) Finalismo aprofundado. Vício do serviço configurado.
Reparação de danos morais por danos à honra objetiva da autora
devida. Reparação por desvio produtivo, caracterizado pela falta de pronta solução ao vício do serviço noticiado, também devida, como forma de recompor os danos causados pelo afastamento da consumidora da sua seara de competência para tratar do assunto que deveria ter sido solucionado de pronto pela fornecedora.(...)" 
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.132.385-SP, 3.ª Turma, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/09/2017). 


"(...) À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo. 
6. À luz do princípio da boa-fé objetiva, se a inserção no mercado do produto com vício traz em si, inevitavelmente, um gasto adicional para a cadeia de consumo, esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade, e não pode, em nenhuma hipótese, ser suportado pelo consumidor. Incidência dos princípios que regem a política nacional das relações de consumo, em especial o da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, do CDC) e o da garantia de adequação, a cargo do fornecedor (art. 4º, V, do CDC), e observância do direito do consumidor de receber a efetiva reparação de danos patrimoniais sofridos por ele (art. 6º, VI, do CDC).
7. Como a defesa do consumidor foi erigida a princípio geral da atividade econômica pelo art. 170, V, da Constituição Federal, é ele – consumidor – quem deve escolher a alternativa que lhe parece menos onerosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter sanado o vício em 30 dias – levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante –, não cabendo ao fornecedor impor-lhe a opção que mais convém.  (...)"
(RECURSO ESPECIAL Nº 1.634.851-RJ, 3.ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 12/09/2017).

(GRIFOS NOSSOS).

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Link para adquirir o livro do escritor Marcos Dessaune:
http://www.marcosdessaune.com.br

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Revenge Porn e Lei Maria da Penha

Manifestada no mundo digital através das redes sociais, a "Revenge Porn" trata-se de divulgação não autorizada de fotos ou vídeos íntimos por ex parceiro(a) da vítima de exposição indevida.

Os tribunais brasileiros têm aplicado a Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) a estes casos, uma vez que a conduta desprezível e irresponsável do propagador configura evidente prática de violência moral. 

Ao buscarem proteção junto ao Poder Judiciário, as vítimas de pornografia de vingança postulam medidas protetivas de urgência visando a cessação da veiculação de sua imagem, bem como o afastamento do agressor tanto da vítima quanto de sua família, bem como indenização pelos danos morais sofridos.

O vazamento de fotos e vídeos íntimos tem sido visto como uma das formas mais cruéis de violência de gênero praticado contra a mulher na atualidade, uma vez que a coloca em situação de extrema vulnerabilidade, atingindo sua honra de forma drástica em diversos níveis (perante a família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho), em uma sociedade que persiste em sua cultura machista.

Importante ressaltar que a disseminação indevida do material por alguém com quem já manteve relacionamento amoroso, compartilhando intimidade e confiança, pode causar traumas, humilhações e prejuízos irreparáveis à vida da mulher, com efeitos que podem perdurar a vida inteira.

Salienta-se que o compartilhamento de fotos e vídeos por terceiros também é crime, sendo que há peritos forenses especializados na busca desse material na Internet, através de rastreamentos e quebra de sigilo.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que busca aumentar as penas para quem comete a propagação indevida de imagens íntimas. O PL 18/2017, caso aprovado, cominará pena de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de prisão ao agressor, além de multa. Hoje, a conduta é julgada como crime de menor potencial ofensivo, e geralmente transformada em pena pecuniária.

domingo, 1 de julho de 2018

"Stalkear" pode gerar Dano Moral

Em post anterior já tratamos sobre o Stalking, situação que ocorre quando uma pessoa impõe sua presença (inconveniente e indesejada) na vida de outra, através de ligações, envio de mensagens e e-mails, contato em redes sociais ou frequentando os mesmos ambientes em que a vítima costuma circular.

Recentemente um Juiz que atua no Paraná condenou um homem ao pagamento de uma indenização no montante de R$ 25 mil a uma mulher vítima de stalking, a título de danos morais. Isso porque, no entendimento do Magistrado, a prática de atos persecutórios atingem diretamente os direitos de personalidade da vítima, gerando o dever de reparação civil.

No caso específico, o homem iniciou o assédio por meio de mensagens no celular, que com o passar do tempo, evoluíram de educadas para textos com cunho sexual. Não satisfeito, o agressor passou a frequentar o local de trabalho da vítima. 

Embora a legislação pátria não criminalize expressamente a conduta, o Juiz paranaense buscou na norma estrangeira - Direito Italiano, onde stalkear é considerado um delito -, o embasamento para a condenação.

Nas palavras do Magistrado Rogerio de Vidal Cunha, "tanto o stalking como a intrusão relacional obsessiva são comportamentos insidiosos que buscam causar sofrimento às suas vítimas, são formas de constrangimento que ultrapassam qualquer senso de razoabilidade e de respeito, são, em essência, atos ilícitos que atingem o ser humano naquilo que lhe é mais caro, que é a sua tranquilidade de paz de espírito."