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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

VACINAÇÃO: Poder Diretivo do Empregador x Liberdade do Empregado

Retornamos às postagens do BLoG após o recesso forense em meio a um interessante e polêmico debate que vem sendo travado entre os operadores do Direito, o qual diz respeito às relações de emprego: dentro de seu poder diretivo, pode o empregador exigir que seus funcionários se submetam à vacinação contra a Covid-19?

Em dezembro passado, após a fixação de teses pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema, por ocasião do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587 e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, publicamos artigo sobre a VACINA: Opção Individual ou Obrigação Coletiva? (clique no link para ler a matéria). Conforme entendimento da maioria dos Ministros, o Estado pode determinar a obrigatoriedade da imunização de toda a população, inclusive contra a Covid-19. Todavia, não pode fazer uso da força para tanto, mas apenas e tão somente lançar mão de medidas indiretas, como a aplicação de multa, restrição da presença em certos lugares ou o exercício de determinadas atividades àqueles cidadãos que se recusarem a serem vacinados.

No âmbito do Direito Laboral, importa dizer que o contrato de trabalho firmado entre empregador e empregado pressupõe a existência de direitos e deveres mútuos, pautados pela boa-fé que deve reger todas as relações humanas. Conforme dispõe a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

O ato de dirigir/ coordenar a prestação de serviço constitui o poder diretivo do empregador, o qual pode impor regras aos funcionários e cujo descumprimento é apto a ensejar a aplicação de penalidades disciplinares, que vão desde a advertência verbal até a despedida por justa causa (cuja ordem gradativa e hierarquizada depende da gravidade da falta cometida pelo empregado).

Embora muitas situações envolvendo as relações de emprego já tenham sido levadas à apreciação dos Tribunais pátrios e atualmente contem com jurisprudência a respeito, a pandemia do coronavírus é questão recente e inédita, para a qual não há previsão legal, tampouco decisões judiciais proferidas em situações análogas, de modo a servirem como base ou fundamento.

Se de um lado temos o poder diretivo do empregador e sua obrigação legal de assegurar um ambiente de trabalho seguro e sadio, com a prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, bem como a proteção individual e coletiva de seus funcionários, de outro temos o direito do empregado a ter respeitados os seus direitos à liberdade e à dignidade humana, além da garantia fundamental prevista no artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal, segundo a qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", também conhecida como princípio da legalidade.

O artigo 158, parágrafo único, alínea "b" da CLT assim determina: 

Art. 158 - Cabe aos empregados:                   
Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:  
(...)
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa. 

Se utilizarmos a norma supracitada como analogia à recusa injustificada à vacinação contra a Covid-19, em tese, a empresa poderá exigir de seus funcionários a imunização compulsória e o empregado que não se submeter ao procedimento poderá ter contra si aplicadas sanções disciplinares em razão do ato faltoso.

Aspecto importante a ser levado em conta se refere à recusa justificada em não se submeter à imunização, tendo em vista a situação pessoal do empregado - como no caso de possuir restrições médicas devidamente comprovadas (caso das gestantes, lactantes, portadores de doenças autoimunes e alérgicos a algum dos componentes da vacina). Neste caso, cabe ao empregador promover a adequação da prestação do labor, seja através do trabalho em home office ou, sendo necessária a presença na empresa, o fornecimento de máscara e álcool em gel (EPI's) e promoção do distanciamento social em relação aos demais colaboradores.

Levando-se em conta a escassez de vacinas em terrae brasilis, bem como a adoção de critérios para imunização que, em um primeiro momento, abrange somente profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate à pandemia, idosos internados em instituições de longa permanência e indígenas que vivem em aldeias; e em segundo momento, o grupo de idosos não institucionalizados, pessoas com comorbidades e outros profissionais da saúde; levará ainda considerável tempo até que a grande maioria da população brasileira seja submetida à vacinação.

Por certo que a discussão a respeito do tópico será aprofundada e amadurecida até que a situação efetivamente se concretize. Há de se ter em conta SEMPRE a necessária aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e do bom senso na observância dos direitos individuais e coletivos - afinal, qual deverá preponderar?