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segunda-feira, 8 de abril de 2024

Condomínio e Animais de Estimação

Anteriormente, no artigo Sobre Regras de Condomínio (clique no link para ler), já tratamos brevemente acerca da impossibilidade de proibição de animais domésticos em apartamentos ou unidades autônomas situadas em condomínios, ainda que haja previsão expressa na convenção ou regimento interno nesse sentido.

Inclusive, por ocasião do julgamento do REsp n.º 1.783.076, ainda em 2019, o Superior Tribunal de Justiça decidiu no seguinte sentido:

Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964.

Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade.

Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio.

Os artigos referidos possuem a seguinte redação: 

Art. 1.336. São deveres do condômino:
(...) IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.

Logo, respeitadas algumas regras de convivência e bom senso, não há que se cogitar a proibição dos animais domésticos em condomínios: não podem fazer barulho excessivo e/ou incessante (sob pena de advertência e multa), devem ser vacinados, devem usar coleira (se forem de médio e grande porte), não devem fazer as necessidades em áreas comuns, nem sujar, devem estar sob os cuidados do tutor quando eventualmente tiverem que circular no edifício, usar focinheira (a depender da raça do cachorro), e também é possível a limitação do número de animais por questões de higiene e bem-estar dos próprios pets (não se mostra razoável, por exemplo, ter 20 gatos em um apartamento pequeno). 

Mas e quando o pet é um animal diferente, como uma cobra. Pode?

PODE. Embora seja um animal de estimação não convencional, é possível criar uma serpente (jiboia) não peçonhenta (ou seja, que não produza veneno) em apartamento, desde que ela tenha sido obtida em criadouro certificado pelo IBAMA (com nota fiscal), e não retirada da natureza - o que configura tráfico de animais, ou seja, crime. Até porque essa cobra terá instalado um microchip de rastreamento para que tanto o órgão ambiental quanto o dono possam monitorá-la. Já para importar uma cobra exótica, é obrigatório ter uma autorização especial. 

A regra se aplica a aranhas (tarântulas), pássaros e pequenos mamíferos. É aceitável a sua presença no condomínio desde que não perturbe o sossego, tampouco ofereça riscos/ perigo à vizinhança. Caso contrário, o animal poderá ser apreendido e encaminhado a um zoológico/santuário, e aplicada multa ao proprietário.

 

quarta-feira, 20 de março de 2024

Dever de Informação em Procedimentos Cirúrgicos

Anteriormente, já tratamos aqui no ::BLoG:: acerca do Direito Médico e o Consentimento InformadoAssistência à Saúde: Humanização das RelaçõesTestemunhas de Jeová x Transfusão de Sangue (clique para ler os artigos).

Nas questões relacionadas à saúde, o dever de informação se mostra imprescindível, tendo em vista que, conforme já aduzido em prévio artigo, o profissional médico deve prestar todas as informações necessárias ao paciente, de forma clara, objetiva, verdadeira e precisa, de modo a que este tenha plana ciência de todos os benefícios e riscos/ implicações que poderão advir da terapêutica recomendada (tanto no presente quanto no futuro) bem como de alternativas viáveis (e disponíveis) àquele procedimento. 

Além disso, o princípio da autonomia da vontade (oriundo do Direito Civil) diz respeito à possibilidade do indivíduo estipular livremente, e decidir de acordo com seus interesses. E para que seja exercido de forma plena pelo paciente, há de ser cumprido o dever de informação pelo médico, de modo mais completo possível. Assim, o termo de consentimento do paciente somente terá validade quando este receber todas as informações necessárias (de forma compreensível, sem termos técnicos) para que possa expressar - com convicção, segurança e consciência - a sua vontade.

Sobre o tema, recentemente a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o descumprimento do dever de informação tem implicações distintas, conforme o procedimento cirúrgico seja eletivo (não urgente, programada pelo paciente) ou não eletivo (caso de urgência ou emergência).

Conforme entendimento da Corte Superior, nas situações que denotem gravidade, a prestação de informações prévias ao paciente terá menos influência na decisão a ser tomada pela própria pessoa ou por seus familiares do que naquela que poderá ser objeto de reflexão e ponderação (não urgente).

No caso concreto que foi a julgamento, a paciente foi a óbito depois de sofrer um choque anafilático decorrente de anestesia geral, quando estava sendo submetida a uma cirurgia para retirada das amígdalas e tratamento de adenoide.

O STJ confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que entendeu não ter sido caso de imprudência, imperícia ou negligência dos médicos que realizaram a cirurgia, sob o fundamento de que o risco existiria de qualquer maneira, independentemente da ciência e anuência prévia da paciente.

Para a Ministra Relatora Isabel Gallotti, no caso de cirurgias fundamentais para o restabelecimento da saúde, com necessidade premente face aos riscos envolvidos, é menos provável que o dever de informação acerca dos riscos da anestesia influencie na decisão acerca de submeter-se ao procedimento, uma vez que a preocupação maior é em salvar a vida do paciente. E no caso em tela, não havia como os médicos saberem de antemão sobre  possibilidade de risco agravado em sendo aplicada a anestesia - portanto, não se poderia reconhecer a negligência. Logo, na visão da Corte, não há fundamento para a a condenação dos profissionais por falha no dever de informação.

Segue abaixo a ementa do julgado na íntegra:


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO. CIRURGIA NECESSÁRIA PARA TRATAMENTO DE DOENÇA. REAÇÃO ADVERSA À ANESTESIA GERAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO, NA INICIAL, DE FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO POR PARTE DOS MÉDICOS. RISCOS DA ANESTESIA. FATO NOTÓRIO. DISSÍDIO. DISTINGUISHING NECESSÁRIO.

1. Em observância ao princípio da congruência, o julgador deve se limitar a julgar o que lhe foi demandado (artigos 128 e 460 antigo CPC e artigos 141 e art. 492 novo CPC), devendo haver correlação entre a causa de pedir e o julgado. A atribuição de culpa aos médicos, por motivos diversos daqueles alegados pela parte autora, acarretaria cerceamento de defesa dos réus e julgamento extra petita.

2. Em se tratando de cirurgias necessárias à cura de doenças, a informação a respeito dos riscos da anestesia não é o fator determinante para a decisão do paciente de se submeter ao procedimento ou não, sendo certo que, muitas das vezes, não realizá-lo não é opção.

3. É fato notório que a anestesia geral envolve riscos.

4. Considerando (i) que a autora não alegou falta de cumprimento de dever de informação na inicial; (ii) que a cirurgia da sua filha era necessária à cura da doença que a acometia; (iii) que não se alega prévio conhecimento de alergia a remédios ou outras substâncias que pudesse ter sido relatado aos médicos (IV) que o problema com a menor decorreu de reações adversas à anestesia; (iv) que não é possível prever, com exames prévios, choque anafilático em decorrência de anestesia; e (v) que a perícia judicial "não encontrou no procedimento anestésico qualquer fato que desabone a conduta dos profissionais", não há como responsabilizar os réus neste caso.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp n. 2.097.450/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 6/11/2023.)


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Benefício Assistencial para Crianças e Adolescentes

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) constante da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS - Lei n.º 8.742/93) trata-se de benefício assistencial que corresponde à garantia de 01 (um) salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade que comprovarem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988.

Aqui, a condição de deficiente diz respeito à incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo.

O intuito da norma legal é assegurar especial proteção para pessoas (e seu núcleo familiar) que se encontram em situação de vulnerabilidade social - estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo.  

O benefício assistencial de prestação continuada poderá ser concedido a crianças e adolescentes diagnosticados com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno opositivo e desafiador (TOD) e transtorno do espectro autista (TEA), por exemplo, desde que atendidos os requisitos legais - laudo/ exames/ receitas/ atestado médico comprovando a condição de saúde + quesito socioeconômico (risco social/ renda familiar baixa).

No caso dos infantes, não há que se falar em capacidade para o trabalho, sendo analisado o impacto de sua condição à limitação do desempenho de atividades diárias/ restrição da participação social, impedimentos estes de longa duração - pelo menos 02 (dois) anos -, compatíveis com a sua idade. 

O benefício é requerido junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) através de agendamento via sistema MEU INSS, aplicativo ou 135 (ligação), sendo que a criança e o adolescente serão avaliados por médico perito e assistente social. Em não sendo deferida a benesse pelas vias administrativas, é possível ingressar com ação judicial (perante a Justiça Federal) postulando o BPC/LOAS.


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Regime de Bens no Casamento após os 70 anos

 Ao tratar sobre o regime de bens entre os cônjuges, o Código Civil assim determina:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; 

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em tese de repercussão geral, que a separação de bens em casamento/ união estável em que uma das pessoas tenha acima de 70 anos não é obrigatória, podendo os cônjuges/ companheiros optarem por regime diferente (comunhão parcial, comunhão universal, participação final nos aquestos).

Isso porque, na visão dos Ministros, a lei civil fere a dignidade, desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas, bem como denota discriminação por idade. Afinal, se as pessoas com mais de 70 anos são capazes de praticar atos da vida civil e estão em pleno gozo de suas faculdades mentais, por que não podem dispor sobre seu patrimônio e escolher o regime de bens em seus relacionamentos?

A partir de agora, para afastar a obrigatoriedade legal, é necessário que o casal manifeste sua intenção através de escritura pública, assinada em Tabelionato. Para aqueles que já se encontram casados/ convivendo é possível alterar o regime de bens de modo a produzir efeitos para o futuro, a depender de autorização judicial (casamento) e de escritura pública (união estável). Essa modulação de efeitos ex nunc (daqui pra frente) visa manter hígido o princípio da segurança jurídica, de modo a não afetar processos (como os de inventário ou divisão de bens) que já estejam em andamento.  


STF. Tema 1.236. Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública.


quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Vendi o Carro e Levei Multa. E agora?

DEPENDE! De acordo com o artigo 134 da Lei n.º 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro):

Art. 134. No caso de transferência de propriedade, expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código sem que o novo proprietário tenha tomado as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo, o antigo proprietário deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de 60 (sessenta) dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação. 

Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando: 

I - for transferida a propriedade. (...)

§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.

Com relação ao imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), o artigo 6.º, inciso II, da Lei Estadual n.º 8.115/85 assim prevê:

Art. 6º São solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos: (...) 

II - o proprietário de veículo automotor que o alienar, a qualquer título, até o momento do registro da comunicação no órgão público de trânsito encarregado do registro e licenciamento, inscrição ou matricula; e

Quanto ao tópico, o STJ firmou o Tema Repetitivo n.º 1.118, a saber:

Tema 1.118. Somente mediante lei estadual/distrital específica poderá ser atribuída ao alienante responsabilidade solidária pelo pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA do veículo alienado, na hipótese de ausência de comunicação da venda do bem ao órgão de trânsito competente.

Assim, pela leitura literal das normas legais, caso a alienação não seja comunicada ao DETRAN, o vendedor responde solidariamente com o comprador pelas multas que o veículo eventualmente venha a receber, bem como pelo imposto do automóvel (IPVA).

Contudo, perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul o tema é controverso, eis que algumas Câmaras aplicam a lei em sua literalidade, e outras flexibilizam a norma, desde que haja alguma prova da transferência do veículo.

Nesse sentido são as seguintes decisões:


RECURSO INOMINADO. TURMA RECURSAL PROVISÓRIA DA FAZENDA PÚBLICA. DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN/RS. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÃO DE TRÂNSITO PRATICADA APÓS A VENDA DO VEÍCULO, COMPROVADA DOCUMENTALMENTE. POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA PONTUAÇÃO DO PRONTUÁRIO DA ALIENANTE DEVIDO AO CARÁTER PERSONALÍSSIMO DA PENALIDADE. NULIDADE DO AIT DERIVADO POR DIRIGIR SEM CNH. INSUBSISTÊNCIA ANTE A PRESUNÇÃO DE QUE A PROPRIETÁRIA QUE CONSTA NOS CADASTROS DE DETRAN NÃO ERA A CONDUTORA. DEVER DO ANTIGO PROPRIETÁRIO DE COMUNICAR A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE AO DETRAN, NOS TERMOS DO ART 134 DO CTB. SOLIDARIEDADE ENTRE ALIENANTE E ADQUIRENTE QUANTO AO PAGAMENTO DAS MULTAS. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE PEDIDO REFERENTE A OBRIGAÇÃO ENTRE PARTICULARES, EM SEDE DE JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA, EM RAZÃO DA DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA, NOS TERMOS DO ART. 5º, II, DA LEI 12.153. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. JULGADO PROCEDENTE EM PARTE O RECURSO.(Recurso Inominado, Nº 50177527420208210021, Primeira Turma Recursal Provisória Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Mirna Benedetti Rodrigues, Julgado em: 28-11-2023).


APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MULTA POR INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - IPVA. NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER INSCULPIDO NO ART. 134 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DO VEÍCULO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO. TEMA 1.118 DO STJ. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO REGISTRAL. 1. Caso em que da reunião dos documentos juntados pela parte autora com àqueles acostados pelos réus, o que se verifica é que, até a presente data, a parte demandante não cumpriu com o dever insculpido no art. 134 do CTB, somente tornando público ao órgão de trânsito a efetivação da alienação do veículo através desta ação. 2. A simples prova acerca da tradição do veículo, jamais comunicada ao órgão executivo estadual de trânsito, não afasta a responsabilidade administrativa do proprietário constante do cadastro registral pelas consequências impostas posteriormente e vinculadas ao veículo, quais sejam, pagamento de IPVA e multas de trânsito, bem como atribuição de pontos na CNH, consoante interpretação conjunta do art. 134 do CTB, do art. 6º, inciso II, da Lei Estadual nº 8.115/1985 e do Tema nº 1.118 do STJ. (...) APELAÇÕES PROVIDAS.(Apelação Cível, Nº 50016725020118210021, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 23-11-2023).


De outro lado, seguem acórdãos que preveem a exclusão da responsabilidade:


APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. (...) Tratando-se de transferência de propriedade de bem móvel, esta se perfectibiliza com a tradição do bem (art. 1267, cc). Comprovada a alienação do veículo, a falta de comunicação ao órgão de trânsito, na forma do artigo 134 do CTB, não gera, em princípio, responsabilidade do antigo proprietário. Antigo proprietário do veículo não pode ser responsabilizado pelos débitos e multas de trânsito posteriores à alienação do bem, ainda que não tenha sido comunicada a transferência ao DETRAN. Precedentes do STJ e deste Tribunal. (...) APELAÇÃO DO RÉU SÉRGIO DESPROVIDA. APELAÇÃO DO DETRAN PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50000764720128210069, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em: 11-12-2023).


AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO EM MOMENTO ANTERIOR À IMPUTAÇÃO DAS MULTAS DE TRÂNSITO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA. (...) Havendo prova da transmissão da propriedade do veículo, que no caso dos autos se deu por meio da tradição do bem móvel, na forma do artigo 1.267 do Código Civil, deve ser mitigada a regra do artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro, que estabelece a responsabilidade solidária do antigo proprietário pelas multas posteriormente aplicadas, caso não comunicada a alienação ao órgão de trânsito, sendo desarrazoado que a inobservância de mera formalidade administrativa tenha tal alcance. (...)  AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 52942070920238217000, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em: 29-11-2023).


De toda sorte, é possível afastar a pontuação da infração na CNH do vendedor, uma vez que esta penalidade é de caráter personalíssimo, ou seja, não pode ser imputada a quem não conduzia o veículo quando da aplicação da multa.

Na dúvida, para evitar dores de cabeça e discussões judiciais, ao alienar o veículo, o vendedor deverá comunicar a transferência de propriedade ao DETRAN, providência esta que é de sua responsabilidade, sob pena de assumir as consequências de responder por eventuais infrações futuras. 


sábado, 20 de janeiro de 2024

Bullying e Outros Crimes Contra Crianças e Adolescentes

Agora é lei: praticar bullying e cyberbullying passou a ser crime. 

A Lei n.º 14.811/24 tipificou a intimidação sistemática presencial e virtual através da inclusão do artigo 146-A e seu parágrafo único ao Código Penal:

Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:

Pena - multa, se a conduta não constituir crime mais grave. 

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:  

Pena - reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave. 

Referida norma legal também passou a prever um acréscimo de pena em caso de homicídio praticado contra menor de 14 (quatorze) anos em instituição de ensino, bem como em casos de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou automutilação:

Art. 121. Matar alguém: (...)

§ 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de:

III - 2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada. 

...

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:  (...)

§ 5º Aplica-se a pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável.   

No mesmo sentido, foi alterado o § 1.º do artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), com a inclusão dos incisos I e II, a saber:

Art. 240.  Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem:

I - agencia, facilita, recruta, coage ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena;     

II - exibe, transmite, auxilia ou facilita a exibição ou transmissão, em tempo real, pela internet, por aplicativos, por meio de dispositivo informático ou qualquer meio ou ambiente digital, de cena de sexo explícito ou pornográfica com a participação de criança ou adolescente.   

Por seu turno, o artigo 1.º da Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90) passou a contar com os seguintes incisos:

Art. 1.º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (...)

X - induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (art. 122, caput e § 4º);  

XI - sequestro e cárcere privado cometido contra menor de 18 (dezoito) anos (art. 148, § 1º, inciso IV);  

XII - tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente (art. 149-A, caput, incisos I a V, e § 1º, inciso II).  

Importante dizer que os crimes hediondos (assim como a prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas e terrorismo) são insuscetíveis de anistia, graça e indulto, tampouco de fiança, cuja pena é cumprida inicialmente em regime fechado.

Assim, temos que a Lei n.º 14.811/24, ao instituir uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, tem como objetivo coibir a prática de violência física, moral e psicológica, ampliando a punição de crimes cometidos contra o público infantojuvenil.

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Leia também (clique nos links):

Estatuto da Criança e do Adolescente - 30 Anos

Presente de Dia da Criança


quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Golpe do Falso Aluguel na Praia

Verão. Férias. Calor. PRAIA. Essa época do ano é aguardada por muitas pessoas que durante o ano inteiro idealizam sua viagem para aproveitar sol & mar & areia.

Todavia, para alguns o sonho se torna pesadelo quando, ao alugarem uma casa ou apartamento de veraneio, acabam caindo em golpes praticados por pessoas mal intencionadas que, apropriando-se de fotos e informações de imóveis que efetivamente estão disponíveis para locação, se fazem passar pelos proprietários e pior: aplicam o golpe do aluguel do mesmo imóvel para diversas pessoas. 

Portanto, para não ter frustrada sua temporada de férias, tampouco perder dinheiro, algumas medidas de proteção e cautela precisam ser tomadas: 

1. Sempre buscar um corretor de imóveis/ imobiliária confiáveis e conhecidos naquela localidade para intermediar a locação.

2. Em negócios realizados através de anúncios veiculados na Internet, verificar todos os dados do imóvel (proprietário, endereço, características/ ambientes da casa), se o valor cobrado é condizente com o de mercado na época (no verão os preços costumam subir) e as fotos postadas (analisar quantidade e qualidade das mesmas), de modo a checar se ele realmente existe. Em tempos de Google Maps, importante pesquisar o endereço no site e ver se o imóvel que aparece é o mesmo.

3. De preferência, ir até o imóvel pessoalmente antes de alugá-lo.

4. Quando fechar o negócio, é importante assinar um contrato de locação, onde constarão os dados do locador e locatário, bem como todas as informações pertinentes ao imóvel, tempo de permanência e valores/ forma de pagamento.  

5. Ao efetuar o depósito de quantias, exigir recibo do proprietário do imóvel e/ou realizar PIX diretamente a este, para evitar o risco de pagamento errôneo.

Caso a pessoa tenha sido vítima de golpe, a primeira medida a ser tomada é realizar um boletim de ocorrência (direto na delegacia de polícia ou virtualmente). Para tanto, devem ser apresentadas todas as provas existentes da suposta locação, como o nome e o telefone da pessoa com quem contratou, indicação da página na Internet e prints dos falsos anúncios nas redes sociais, conversas em WhatsApp, fotos do imóvel, comprovantes de pagamento, ou seja, tudo que possa auxiliar na investigação do crime de estelionato para fins de responsabilizar os criminosos.

Leia também:

Consumo no Verão e Direito à Informação