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terça-feira, 27 de setembro de 2022

Vazamento de Dados do Prontuário Médico

O prontuário médico - que possui caráter científico, legal e sigiloso - é um documento que contém todo o histórico de saúde e tratamento do paciente, ou seja, onde se encontram registradas todas as informações relacionadas àquele indivíduo. 

Conforme informações contidas no site do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul - CREMERS, prontuário médico é o documento elaborado pelo médico com os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina. Todo registro de saúde, inclusive em emergências, é considerado prontuário médico. Ele serve para facilitar a comunicação entre os diferentes profissionais da saúde, assegurar a assistência ao paciente e a continuidade do atendimento e do tratamento, tanto durante uma internação como no período entre as consultas de ambulatório. É utilizado como documento probatório para fins previdenciários, bem como para qualquer demanda, seja judiciária ou ética.

Nos termos do artigo 88 do Código de Ética Médica, o médico tem o dever de possibilitar o acesso do paciente (ou, em caso de impossibilidade, de seu representante legal) a seu prontuário, fornecendo-lhe cópia sempre que solicitado, além de dar todas as explicações necessárias para a sua exata compreensão. exceto quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros. 

Isso porque os documentos médicos (prontuários, atestados, declarações, boletins, solicitações e resultados de exames, relatórios e laudos periciais elaborados em processos judiciais) pertencem ao paciente, estando sob a guarda do profissional médico ou da instituição de saúde que o assiste, seja pública ou privada. 

A quebra de sigilo atribuída ao prontuário médico somente poderá ser efetuada nas seguintes situações: a) autorização expressa do paciente; b) existência de justo motivo; c) dever legal; d) decisão judicial; e) requisição dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina. 

Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - Lei n.º 13.709/18, a saúde restou classificada como dado pessoal sensível, conforme segue: 

Art. 5.º Para os fins desta Lei, considera-se:

(...)

II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;

Assim, consoante a nova lei, há de se ter especial cuidado por ocasião da entrega/ envio dos documentos médicos aos pacientes (cópia física, pen drive, e-mail), de modo a resguardar o dever de sigilo e evitar problemas de segurança, respeitados os direitos e garantias constitucionais dos titulares dos dados.

Recentemente, foi noticiado o vazamento de informações do prontuário médico de uma famosa atriz brasileira, a qual foi vítima da insensibilidade e mau-caratismo de uma profissional de saúde vinculada à instituição de saúde na qual estava internada. Vítima de estupro, a jovem manteve a gestação e, por ocasião do parto, entendeu por entregar a criança à adoção logo após o nascimento. Por motivos que fogem ao nosso entendimento, a enfermeira repassou essa notícia a um colunista conhecido no mundo sensacionalista que não tardou em publicar a fofoca maldosa nas redes sociais.

Trata-se de uma crueldade sem tamanho a exposição de um ser humano em um momento de tamanha vulnerabilidade. Além de ter que lidar com a incomensurável dor suportada pela violência contra si cometida, a paciente se viu exposta na mídia, sendo julgada e condenada pelo tribunal da internet. Importante lembrar que, em caso de gravidez decorrente de abuso sexual, a mulher possui o direito legal à interrupção da gestação a qualquer momento, ou de entregar o bebê à adoção. Independentemente da decisão tomada, ou das crenças e opiniões subjetivas de cada um, cabe a todos, sem distinção, acolher e respeitar a escolha individual da mulher

Para além de uma grave falha na segurança dos dados dos pacientes, sobre os quais as instituições de saúde possuem inequívoco dever de sigilo e proteção (assim como todos os trabalhadores que lá atuam, em observância ao necessário regimento interno/ código de conduta a ser estabelecido), a exposição do paciente trata-se de crime, além da possibilidade de ajuizamento de ação indenizatória pelos danos morais causados. Quanto à "profissional" de saúde, esta poderá ser ré em ação criminal, ser despedida com justa causa do trabalho, além de sofrer processo ético perante seu conselho de classe, sendo possível a perda de seu direito de exercer a profissão.  

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Pirâmides Financeiras

De tempos em tempos, surge um grupo organizado que, por meio de uma estrutura montada com o intuito de ganhar dinheiro, acaba lesando dezenas (ou centenas) de incautos. Conhecida popularmente como pirâmide financeira, essa prática beneficia unicamente os seus idealizadores - empresários que estão no topo da "cadeia alimentar" e que efetivamente recebem numerário, ostentando contas bancárias milionárias, viagens paradisíacas, mansões de luxo e carros importados.

A ideia é simples: seduzidos pela promessa de lucro rápido e fácil, os inocentes indivíduos acreditam tratar-se de uma oportunidade única de ganhar muito dinheiro. Pura ilusão: os recrutados apenas despendem valores, seja investindo para poder fazer parte do "seleto" grupo de winners; angariando novos ingênuos participantes, ou pela obrigatória compra de produtos vinculados. Pura fraude: em dado momento, o negócio se mostra absolutamente insustentável. E assim a estrutura entra em colapso, arruinando os sonhos e projetos da grande maioria dos participantes.

Por ocasião do julgamento do conflito de competência - CC n.º 146.153 pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca assim explicitou:

"Como, a partir de determinado momento, mostra-se inviável manter o ingresso de investidores em proporção suficiente para que suas novas contribuições arquem com os lucros prometidos àqueles que ingressaram previamente, o sistema não tem como se alimentar de recursos e entra em colapso, prejudicando aqueles que aderiram por último, uma vez que não chegam a recuperar nem mesmo o montante investido". 

Há casos de recrutados que perdem casa, carro, poupança de toda uma vida para participar desse mal disfarçado engodo. Além dos valores irrecuperáveis, perdem a saúde, o casamento, a confiança nas pessoas, a vontade de viver. A boa-fé da grande maioria de indivíduos que investem tempo e dinheiro no sistema não é acompanhada por aqueles que estão gerindo a organização criminosa. 

A captação de recursos financeiros através de esquema de pirâmide é considerada crime contra a economia popular, nos termos do artigo 2.º, inciso IX, da Lei n.º 1.521/51 -  IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes). A promessa de rendimentos completamente fora da realidade (lucros de 50, 60% acima da média do mercado, do valor investido) é um  indicador evidente de que há algo muito errado no esquema proposto. 

Mas há outros sinais a serem observados:


sábado, 10 de setembro de 2022

Sexologia Forense

Dentre os diversos ramos da Medicina Legal, temos o da sexologia forense, que trata sobre as questões relacionadas ao comportamento sexual e suas implicações no âmbito jurídico quando as condutas praticadas configuram crime. Esta área também está conectada à psicologia e psiquiatria forense, no momento em que o perfil psicológico e/ou psiquiátrico do infrator sexual também passa a ser objeto de análise, com o intuito de esclarecer e, de certa forma, tentar compreender o comportamento desviante por ele adotado. 

A sexologia forense se divide em 03 (três) grandes grupos de estudo: 

1) Erotologia forense, que são as práticas libidinosas que extrapolam a sexualidade normal e adentram a seara da criminalidade, por atentarem contra a dignidade e liberdade sexual (estupro, violação sexual mediante fraude, importunação sexual, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, dentre outros); 

2) Obstetrícia forense, que analisa os aspectos médico-legais relacionados à fecundação, gravidez, parto e puerpério, além dos crimes de aborto e infanticídio; 

3) Himenologia forense, que analisa as questões relacionadas ao casamento, no que tange a impedimentos matrimoniais absolutos ou relativos (relação de parentesco, menoridade nupcial, moléstia grave, impotência masculina, etc.). 

O exame técnico realizado por peritos criminais e legistas nos casos acima mencionados tem por objetivo auxiliar/ embasar a investigação e, com base na prova da materialidade do delito, produzida através da análise dos vestígios e evidências deixados pelo ato sexual e/ou violência praticada, identificar o autor do delito e determinar o tipo penal cometido para fins de aplicação da sanção cabível, de acordo com a legislação pátria. Como exemplos de mostras/ provas podemos citar a ruptura do hímen, presença de espermatozóides na vagina ou ânus, gravidez, dor, hemorragia, lacerações, contaminação por DST, escoriações e equimoses, saliva ou manchas de sêmen nas roupas, lesões que evidenciem manobras abortivas e existência de respiração extra-uterina, no caso de infanticídio. 

Importante consignar que os delitos sexuais raramente deixam testemunhas, por serem cometidos na clandestinidade. Razão pela qual a palavra da vítima assume extrema relevância e elevado valor probatório, sempre que o relato for coerente e seguro, e estiver em consonância com os demais elementos de prova constantes no processo, como o laudo pericial firmado pelo Expert atestando a existência da crime. 

Leia também: Medicina Legal e Perícias Forenses