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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Direito à Saúde / Direito & Pandemia

2021 foi um ano de muita troca de conhecimentos e intenso aprendizado. Participei de diversos eventos online (como espectadora, apresentadora e debatedora), bem como fiz parte de grupos de estudos em Direito Médico & da Saúde e Direito Constitucional. Por meio desses canais, conheci pessoas incríveis e com elas cresci muito, tanto pessoal quanto profissionalmente. 

Além de proporcionar experiências engrandecedoras, essas conexões me permitiram compartilhar pontos de vista sobre temas objeto de meus estudos, em duas publicações (e-books) recentemente lançados: "Direito à Saúde" (a convite de uma das organizadoras, Dra. Mariana Diefenthäler, presidente da Comissão Especial da Saúde da OAB/RS e coordenadora do Grupo de Estudos em Direito e Saúde da ESA OAB/RS) e "Direito & Pandemia: Novos desafios à racionalidade jurídica (organizado por Dailor dos Santos, presidente da Comissão e coordenador do Grupo de Estudos em Direito Constitucional da OAB Subseção de Novo Hamburgo). 

Os livros contendo os artigos "Medicamento de alto custo para doença genética rara: Quanto vale a vida de um bebê?""Entre o público e o privado: as perspectivas da imunização coletiva", podem ser baixados gratuitamente nos seguintes sites:

 "Direito à Saúde": 

https://esars.org.br/ebook

"Direito & Pandemia": 

https://www.editorafi.org/351pandemia (com a opção de compra/ encomenda da versão impressa)

É com gratidão que me despeço desse ano tão rico e produtivo intelectualmente, com especial agradecimento aos colegas/ amigos que me concederam a honra de participar dos e-books por eles organizados. Quem acompanha o ::BLoG:: sabe o apreço que tenho pela escrita e participar dessas obras me deixa muito feliz e realizada.

BOAS FESTAS! ABENÇOADO NATAL E ILUMINADO 2022! 







segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Estelionato Sentimental

Em tempos de relacionamentos afetivos online (namoros virtuais), que aumentaram exponencialmente neste período de pandemia, em razão das limitações à vida social presencial, uma nova modalidade de crime acabou se destacando: o estelionato sentimental, também conhecido como "Golpe do Don Juan".

Através de perfis falsos nas redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter) bem como em aplicativos de relacionamento (Tinder, Happn, Inner Circle), homens (e mulheres) de má-fé passaram a se aproximar das vítimas prometendo romance, casamento & amor eterno, quando, na realidade, tinham como único objetivo extorquir o dinheiro da pessoa (que acreditava estar sendo) amada.

Nos termos do artigo 171 do Código Penal, estelionato é conceituado como "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:"

Uma vez descoberta a farsa, as vítimas podem ajuizar ação de indenização por danos materiais (para fins de recuperar os valores e/ou bens que foram entregues ao estelionatário) e também morais (em razão dos sentimentos de dor, angústia, humilhação, tristeza e decepção ocasionados).

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul possui dois julgamentos recentes acerca da matéria. Vejamos:


APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ESTELIONATO MATERIAL E SENTIMENTAL. GOLPE DO 'DON JUAN'. DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDAMENTE COMPROVADOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS MODIFICADOS. 1. A prova carreada aos autos é suficiente para comprovar que o réu, mediante ardil, aproximou-se da autora e com ela estabeleceu relacionamento afetivo com o único intuito de lesá-la financeiramente. Golpe que aplicou simultaneamente em diversas outras mulheres. O fato de ter nascido uma filha deste relacionamento não afasta a conclusão de que os valores tomados diretamente da autora, ou por intermédio desta (no caso do empréstimo bancário) foram utilizados exclusivamente pelo demandado, em proveito próprio, em nada aproveitando ao casal ou à família. Logo, deve ser mantida a condenação do réu à devolução dos valores (R$ 26.830,87), devidamente acrescidos dos consectários legais. 2. Igualmente, a prova carreada aos autos é suficiente para comprovar o dano moral sofrido pela requerente. Poucas dores podem ser tão profundas e causar um abalo tão imenso na vida de certas pessoas quanto uma decepção amorosa. Relações afetivas - ainda mais quando se têm filhos envolvidos - são construídas/alicerçadas na confiança e no respeito mútuo. Quando um dos parceiros trai a confiança do outro, provoca no "enganado" um turbilhão de sentimentos ruins (de raiva, culpa, menos valia, etc). No caso dos autos, a autora foi traída duplamente: foi enganada quanto à pessoa que o réu dizia ser, e foi traída com outras relacionamentos paralelos, com lesão aos seus direitos de personalidade, pela forma como os fatos ocorreram e por ter percebido que desde o início fora vítima de um estelionatário ardiloso. 3. Quantum fixado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) na origem, e que vai mantido, pois suficiente para compensar satisfatoriamente os danos presumidos da autora (princípio compensatório: todo o dano deve ser reparado), ao mesmo tempo em que evita o enriquecimento sem causa (princípio indenitário: nada mais do que o dano deve ser reparado), e pune o demandado (princípio punitivo-dissuasório). 4. Consectários legais, contudo, que comportam readequação, devendo ser adotada a taxa Selic, nos termos da fundamentação. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50014361920198210086, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em: 28-10-2021).


AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRÉSTIMOS INADIMPLIDOS. ESTELIONATO SENTIMENTAL. DEMONSTRADO INTUITO LESIVO DO REQUERIDO. PREJUÍZO MATERIAL E MORAL. RESSARCIMENTO DEVIDO. - Caso em que o demandado auferiu vantagens patrimoniais a partir de promessas, pelas quais convencera a autora a lhe fornecer bens e valores. Partes que se conheceram via rede social e iniciaram relacionamento a distância. - Ausente qualquer demonstração de que as importâncias alcançadas se tratavam de presentes ou doações ao apelante. Ao contrário disso, comprovado o intuito ardiloso do recorrente em verdadeiro estelionato sentimental, aproveitando-se da condição de carência e solidão de pessoa idosa. - Dano moral devidamente evidenciado nos autos. Situação capaz de caracterizar ofensa a direitos da personalidade da requerente. Circunstância que ultrapassa o mero dissabor. Angústia à parte por ter sido ludibriada, a partir de promessas vazias do réu com intuito de auferir vantagem indevida de pessoa idosa e solitária. A fixação do montante indenizatório ao prejuízo extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz, observada a equidade, a moderação e o princípio da proporcionalidade. Ponderação quanto à gravidade do ocorrido, bem como da condição das partes. Quantum fixado na sentença que vai mantido. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50002569220198210077, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 27-09-2021).

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

VIVER Plena Mente

Hoje, às 22h30min, estarei no programa VIVER Plena Mente da ValeTV (Canal 14 da NET Novo Hamburgo) conversando com a Aline de Negri sobre duas importantes datas comemorativas no mês de Dezembro: Dia da Justiça (08) e Dia da Mulher Advogada (15). Além disso, contarei um pouco sobre a minha trajetória como advogada e também sobre o ::BLoG:: e a escolha dos temas. Aguardo vocês! 

Assista pelo YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=OSyDrbxMLi8




sábado, 11 de dezembro de 2021

Regras de Condomínio x Locação via AirBnb

As normas aplicáveis aos proprietários de unidades autônomas residenciais em condomínios edilícios devem constar expressamente de sua convenção e/ou regulamento interno. Inclusive, já tratamos anteriormente aqui no ::BLoG:: Sobre Regras de Condomínio em geral, e mais especificamente sobre Alteração de Fachada em Prédio Residencial (clique nos links para ler).

Recentemente, a possibilidade de locação de apartamento realizada através de plataformas digitais - caso do AirBnb - foi levada a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça. Cabe aqui um esclarecimento: este mercado de acomodação e hospedagem pode ser tanto de casa ou apartamento, seja de todo imóvel ou apenas de um quarto em residência familiar, por temporada ou somente um final de semana. Algumas situações, inclusive, podem configurar um verdadeiro hostel (aluguel de quarto em ambiente compartilhado e prestação de serviços de café da manhã e lavanderia).

Ao STJ coube dizer acerca da possibilidade do condomínio edilício proibir, através de cláusula constante de sua convenção, a locação de unidade residencial por curto período de tempo. A discussão aqui diz respeito à destinação do apartamento para fins de residência x possibilidade de exploração econômica pelo proprietário da unidade (através da oferta de alojamento).

Importante consignar que o artigo 48 da Lei de Locações (Lei n.º 8.245/91) informa que "considera - se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel."

Por ocasião do julgamento do REsp 1.884.483, a Corte Superior entendeu que é prerrogativa do condomínio edilício definir se é possível a locação da unidade autônoma por curto (ou curtíssimo) período de tempo, sendo que eventual restrição não se mostra ilegal, tampouco desarrazoada.

Uma vez que a propriedade é direito fundamental expressamente previsto no artigo 5.º da Constituição Federal, e levando-se em conta o princípio da função social, essa questão deverá ser analisada, debatida e julgada pelo Supremo Tribunal Federal.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Filhos Abandonados x Dever de Alimentos aos Pais

 Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre Obrigação Alimentar dos Avós e Prestação de Alimentos ao Ex-Cônjuge ou Companheiro (clique nos links para ler os artigos), deveres estes decorrentes da solidariedade que permeia as relações familiares. 

Isso porque o Código Civil de 2002 prevê expressamente em seu artigo 1.694 que "podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação." Já o artigo 1.696 dispõe que "o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros."

Por seu turno, a Constituição Federal de 1988 determina que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". (Artigo 229).

Mas e nos casos em que, por qualquer motivo, o(a) genitor(a) abandonou o(s) filho(s) na infância e, quando idoso, encontra-se doente e com renda que não lhe assegura a subsistência... é possível que este demande judicialmente em face dos filhos, postulando auxílio material? O princípio da solidariedade se aplica também nesta situação? De acordo com recente decisão exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a resposta pode ser NÃO.

Pelo que se depreende da ementa do acórdão (abaixo transcrita), ao analisar o caso concreto, os Julgadores verificaram que nunca existiu AFETO entre pai e filhos, em razão do abandono material e afetivo havido na tenra infância. Inclusive, já escrevemos sobre o tema no artigo Faculdade de Amar x Dever de Cuidado , ao tratar sobre as ações judiciais movidas por filhos em face de seus genitores requerendo indenização pelos danos morais causados à sua personalidade em virtude da ausência de carinho paterno e/ou materno em sua criação.

Assim, inexistindo afeto, bem como tendo sido sonegados os deveres de cuidado, atenção, zelo, sustento e proteção aos filhos, inocorrente também o dever de solidariedade, eis que o conceito de FAMÍLIA não se configura na situação posta.


Leia também:

Maioridade Civil e Pensão Alimentícia

Alimentos Gravídicos

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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PRELIMINAR REJEITADA. PEDIDO DE ALIMENTOS DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE. FILHOS ABANDONADOS AFETIVA E MATERIALMENTE PELO PAI. AUSÊNCIA DE SOLIDARIEDADE FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DO DEVER ALIMENTAR. 1. Tratando-se de sentença que condena a pagar alimentos, seus efeitos são produzidos imediatamente após sua publicação, nos termos do art. 1.012, § 1º, II, do CPC. Inteligência do art. 1.012, §§ 3º e 4º, do CPC. Preliminar rejeitada. 2. A sentença obedece às determinações dos artigos 11 e 489 do CPC e do artigo 93, IX da CF. Preliminar rejeitada. 3. Na espécie, não há que se cogitar de falta de interesse recursal do apelante, porquanto a sentença foi de parcial procedência, experimentando decaimento em seu pedido inicial, já que apenas uma filha foi condenada a prestar-lhe verba alimentar. Preliminar de não conhecimento rejeitada. 4. Podem os parentes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com sua condição social (art. 1.694 do CC), direito que é recíproco entre pais e filhos (arts. 229 da CF e 1.696 do CC). 5. No caso, porém, nunca existiu afeto, jamais houve solidariedade familiar, já que o pai autor abandonou seus filhos em tenra idade, quando do falecimento da primeira esposa, relegando-os à própria sorte. 6. A inexistência de afeto impossibilita cogitar-se de família ou de solidariedade familiar, causa jurídica que embasa o dever de mútua assistência. 7. A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória, com o que a indignidade perpetrada pelo autor contra seus filhos impede que deles possa exigir a ajuda material em comento. 8. Os fatos de estar comprovado que o apelante é idoso, que está acometido de doenças e que recebe benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não justificam o êxito do pleito, visto estar amplamente comprovado que, em momento algum, exerceu o poder familiar em relação a seus filhos do primeiro casamento, inexistindo vínculo afetivo e/ou material recíproco. 9. Manutenção da sentença que condenou apenas a filha do segundo casamento do autor ao pagamento de pensão alimentícia, que concorda em prestar-lhe auxílio financeiro. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70083212431, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em: 23-04-2020). Grifo nosso

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Estatuto da Pessoa com Câncer

Em 22 de novembro passado, entrou em vigor a Lei n.º 14.238/21, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Câncer, o qual, segundo dispõe o artigo 1.º, é "destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o acesso ao tratamento adequado e o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com câncer, com vistas a garantir o respeito à dignidade, à cidadania e à sua inclusão social". 

Conforme definição constante do § 1.º do artigo 4.º, "(...) considera-se pessoa com câncer aquela que tenha o regular diagnóstico, nos termos de relatório elaborado por médico devidamente inscrito no conselho profissional, acompanhado pelos laudos e exames diagnósticos complementares necessários para a correta caracterização da doença."

O caput do artigo 4.º da norma legal estabelece como direitos fundamentais da pessoa com câncer: a obtenção de diagnóstico precoce; o acesso a tratamento universal, equânime, adequado e menos nocivo; prioridade; acesso a informações transparentes e objetivas relativas à doença e ao seu tratamento; assistência social e jurídica; tratamento domiciliar priorizado; presença de acompanhante durante o atendimento e o período de tratamento; dentre outros.

Importante transcrever, na íntegra, o teor dos artigos 11 e 12, §§, a saber:

Art. 11. O direito à saúde da pessoa com câncer será assegurado mediante a efetivação de políticas sociais públicas, de modo a garantir seu bem-estar físico, psíquico, emocional e social com vistas à preservação ou à recuperação de sua saúde.

Art. 12. É obrigatório o atendimento integral à saúde da pessoa com câncer por intermédio do SUS, na forma de regulamento.

§ 1º Para efeitos desta Lei, entende-se por atendimento integral aquele realizado nos diversos níveis de complexidade e hierarquia, bem como nas diversas especialidades médicas, de acordo com as necessidades de saúde da pessoa com câncer, incluídos assistência médica e de fármacos, assistência psicológica, atendimentos especializados e, sempre que possível, atendimento e internação domiciliares.

§ 2º O atendimento integral deverá garantir, ainda, tratamento adequado da dor, atendimento multidisciplinar e cuidados paliativos.

Aspectos bastante positivos na nova lei dizem respeito à obrigatoriedade do atendimento integral ser prestado via Sistema Único de Saúde (SUS), bem como o direito ao fornecimento de tratamento home care pelo SUS ao paciente com câncer, direito este que não é de conhecimento de grande parte da população brasileira. 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Hipóteses de Exclusão de Herdeiro

"-EU VOU TE DESERDAR!" 

Quantas vezes já não ouvimos essa frase em tom de brincadeira (ou não) dos pais quando o(a) filho(a) faz ou diz algo que eles não aprovam? Mas será que basta uma simples discordância de ideias para que um herdeiro seja excluído da sucessão ou é necessária a prática de um ato grave, apto a configurar indignidade ou deserdação?

A resposta está no Direito das Sucessões - artigo 1.814 do Código Civil:


Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.


O direito à herança está expressamente previsto no artigo 5.º, inciso XXX da Constituição Federal de 1988 - trata-se, portanto, de garantia fundamental. Assim, para que o herdeiro ou legatário seja excluído da sucessão, é necessário o cometimento de crime grave ou ato reprovável, de desprezo/desrespeito por aquele que sucederia o(a) falecido(a), apto a ensejar o rompimento dos laços afetivos - amor, carinho, respeito, cumplicidade, solidariedade. E aqui cumpre dizer que a afetividade é o princípio central do Direito das Famílias, decorrente de outro importantíssimo: o da dignidade da pessoa humana. 

Importante ressaltar que a exclusão do herdeiro em quaisquer dos casos de indignidade acima mencionados será declarada por sentença judicial. O rol de comportamentos indignos é taxativo, ou seja, não admite extensão e/ou interpretação.

Mas será possível afastar um herdeiro ou legatário da sucessão por testamento? SIM, desde que a causa seja expressamente declarada no referido documento. Conforme artigo 1.961 e seguintes do Código Civil, que tratam sobre a sucessão testamentária:


Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.


Conforme elucidativo trecho constante da recente decisão exarada pelo Ministro Marco Buzzi nos autos do Recurso Especial n.º 1.921.946, no tocante à distinção entre indignidade e deserdação:

A exclusão da sucessão por indignidade, prevista nas hipóteses elencadas taxativamente no art. 1.814 do CC, não se confunde com a deserdação, regulada pelo art. 1.961 e seguintes do mesmo diploma legal, cujo ato é privativo do autor da herança, em testamento, com expressa declaração da causa (art.1.962 do CC).

3. Suscitada uma causa que autoriza a deserdação do descendente por ascendente, prevista no art. 1.962, IV, do CC, não se admite o pedido, sob o mesmo fundamento, de declaração de indignidade de herdeiro, cujas hipóteses estão previstas no rol taxativo e restritivo do art. 1.814 do CC.

Por fim, cabe uma reflexão. Aspecto que vem sendo alvo de debates diz respeito ao inciso IV do artigo 1.962 supracitado. Embora a norma legal trate do desamparo de pai/ mãe/ avós em alienação mental ou grave enfermidade, por vezes ocorrem situações de evidente desamparo material (dever de cuidado e assistência), afetivo e espiritual dos ascendentes. Estariam essas hipóteses de conduta lesiva (e por vezes desumana) excluídas ou são passíveis de arguição em casos de deserdação?


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Modalidades de Erro Médico

Erro médico, conforme definição do Conselho Federal de Medicina (CFM), é o dano provocado no paciente pela ação ou inação do médico, no exercício da profissão, e sem a intenção de cometê-lo. A complicação é um evento concernente aos procedimentos médicos e deve ser responsavelmente separada dos procedimentos em que advieram negligência, imperícia ou imprudência, que caracterizam o erro médico.

Podemos classificar o erro médico nas seguintes hipóteses:

1 - ERRO DE DIAGNÓSTICO:

Ocorre quando o profissional, ao prestar atendimento médico, não detecta corretamente a doença que acometeu o paciente. Para eventual responsabilização, será avaliado o proceder do médico na situação, ou seja, se ele adotou todas as condutas que lhe eram exigidas (escuta ativa durante a anamnese, realização de exames clínicos e exames complementares) para fins de investigar adequadamente os sintomas apresentados na busca pelo diagnóstico correto.   

2 - ERRO NO PROCEDIMENTO:

Quando há falha no agir do médico, ausência do cuidado objetivo exigível na prática da Medicina - é necessário atuar com zelo, atenção, cuidado e diligência. Aqui se enquadram os casos de negligência (desleixo, descuido), imperícia (falta de técnica/ habilidade) e imprudência (ausência de cautela).

3 - ERRO TERAPÊUTICO/ ERRO DE PROGNÓSTICO:

Embora corretamente diagnosticado, é possível que o paciente não receba o melhor e mais adequado tratamento para a enfermidade que o acometeu. Trata-se de situação bastante complexa, pois dependerá da análise de toda a situação, em que o médico precisará ponderar, com a devida prudência, qual a alternativa mais viável e favorável na busca da cura daquele enfermo.

É sempre bom lembrar que, por estarem lidando com indivíduos singulares, também os profissionais da saúde se deparam com o imponderável - situações imprevisíveis, como a reação do corpo humano daquela pessoa específica relativamente a determinados medicamentos e/ou intervenções cirúrgicas.

Nesse caso, estamos diante da IATROGENIA, que ocorre sempre que o profissional agiu de forma correta, utilizando-se da melhor técnica médica, necessária para o tratamento do paciente, porém a resposta do organismo não foi a esperada. Como exemplo de eventos adversos, podemos mencionar os efeitos colaterais, reações alérgicas e a resistência a medicamentos.

Para melhor elucidar a questão, usamos como exemplo a penicilina, que pode causar o óbito: em havendo dosagem excessiva, estamos diante do erro terapêutico, sujeito a indenização; em ocorrendo choque anafilático (reação adversa do corpo), a princípio não se estaria diante de responsabilidade civil. Porém, como tudo no Direito, depende. Será necessário avaliar a conduta médica (observação do paciente, dever de cuidado) quando se ministrou o medicamento.

4 - NEGLIGÊNCIA AO INFORMAR:´

Ao médico caberá prestar todas as informações relacionadas ao estado de saúde do paciente, que tem o direito de ser mantido a par da situação atual (diagnóstico), bem como dos próximos passos (prognóstico) e/ou opções de tratamento (medicamentoso ou cirúrgico), devendo ter todas as suas dúvidas devidamente sanadas. 

Inclusive, a criação e manutenção de vínculo entre o profissional da área da saúde com o paciente permite uma maior interação e estabelecimento de rapport, dada a relação de confiança que se estabelece. Assim, o paciente poderá fornecer informações valiosas acerca da realidade que o cerca, seu comportamento, modo de vida e experiências que teve, as quais poderão ser fundamentais não apenas para compreender a origem da doença como também para escolher, em conjunto com o profissional da saúde, qual a melhor opção de tratamento para o seu caso, dentre as possibilidades que se apresentam, levando em conta suas características pessoais.


É sempre bom lembrar que, em regra, a obrigação do médico é de MEIO, cabendo ao paciente comprovar a existência de erro - responsabilidade subjetiva.

A exceção - obrigação de RESULTADO - se aplica às especialidades médicas de cirurgia plástica meramente estética, anestesia, análises clínicas e radiologia, quando a culpa do médico é presumida, sendo a responsabilidade objetiva. 

Veja o card anteriormente produzido sobre o assunto:

Responsabilidade Civil dos Profissionais da Saúde

Leia também o artigo:

Responsabilidade Penal do Profissional da Saúde


terça-feira, 9 de novembro de 2021

Responsabilidade Penal do Profissional da Saúde

A Medicina é a arte do cuidado, a qual foi muito reverenciada e admirada no decorrer da História. Até bem pouco tempo atrás, os diagnósticos, prognósticos e as possibilidades de tratamento informadas pelos médicos aos pacientes sequer eram objeto de maiores questionamentos – eis que os doutores eram estudiosos e detentores absolutos desse saber. Ocorre que, em tempos de Google, onde se encontram online as mais variadas noções sobre praticamente todos os assuntos, as pessoas passaram a efetuar pesquisas (por curiosidade) que vão desde os sintomas que lhes acometem (para descobrir se estão doentes para poderem se automedicar) até técnicas e tipos de procedimentos médicos. Todo esse conhecimento ao alcance de um click fez com que os pacientes (bem como familiares) passassem a realizar uma infinidade de perguntas nas consultas e até mesmo promover verdadeiros debates com os médicos acerca de terapêuticas e/ou medicamentos ministrados. 

Desse modo, a sociedade como um todo passou a exigir maior atenção e cuidado por parte dos profissionais da saúde em seu agir, tendo aumentado de forma exponencial as demandas judiciais que versam acerca da responsabilidade civil em casos de erro médico. Importa consignar que os médicos podem responder ainda nas esferas administrativa (perante o Conselho Regional de Medicina) e penal.

Como seres humanos falhos que somos, estamos todos sujeitos a cometer erros – e não seria diferente com os médicos e demais profissionais que atuam na área da saúde (odontólogos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, psicólogos, fisioterapeutas, farmacêuticos, etc.). Todavia, em sendo adotada a melhor técnica (prescrita pela literatura médica) e desde que observadas as devidas diligências e tomadas as necessárias precauções, se ainda assim sobrevier resultado adverso ao paciente, o risco de enquadramento na prática de crime diminui consideravelmente.      

Na seara penal, há de ser observado o disposto no artigo 5.º, inciso XXXIX da Constituição Federal de 1988, o qual determina textualmente que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Dito isso, temos que o profissional da saúde somente será responsabilizado por delitos previstos na legislação ao tempo em que praticados (seja no Código Penal, na Lei de Contravenções Penais ou outra lei esparsa). Mostra-se necessária ainda a existência de um fato típico, ilícito e culpável, além do nexo causal entre a ação/ omissão e o dano causado. O crime pode ser cometido na modalidade dolosa (com intenção de produzir o resultado ou quando o agente assume o risco de alcança-lo – dolo eventual) ou culposa (quando o dano é causado por imperícia, imprudência ou negligência no agir do profissional da saúde).

É de salientar que dificilmente haverá dolo direto ou dolo eventual no agir do profissional da saúde, podendo este ser responsabilizado pela morte do paciente, por exemplo, numa situação de completo descaso diante de um quadro grave, ou quando realizar tratamento evidentemente inadequado ao caso. Ainda em caso de aborto (salvo quando praticado para salvar a vida da gestante ou em caso de estupro), o auxílio ao suicídio, a omissão de socorro, a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo direto e iminente, bem como o constrangimento ilegal a tratamento ou cirurgia contra a vontade do paciente.

Por outro lado, a ocorrência de uma conduta culposa (homicídio ou lesão corporal) é mais plausível. Sendo assim, o ponto crucial para aferição da responsabilidade penal do profissional da saúde diz respeito à observância do dever de cuidado objetivo exigível, ou seja, a conduta há de ser adequada às normas de zelo, atenção, cuidado e diligência. Nestes casos, os médicos poderão sofrer a incidência de agravante e ter a pena aumentada em 1/3 se o delito resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Importante mencionar que, nos casos de crimes materiais (que deixam vestígios) a responsabilidade penal dos profissionais da saúde será apurada com base na realização de perícia técnica (exame de corpo de delito na própria vítima ou indiretamente via prova documental, como o prontuário médico).

Como exemplos de medidas de cautela a serem tomadas pelos profissionais que atuam na área da saúde, visando proteger-se de eventual futura responsabilização na seara criminal, podemos citar a escuta ativa do paciente (e de seus familiares) por ocasião da anamnese, de modo a colher o maior número de informações possíveis sobre o indivíduo em questão, o que irá auxiliar tanto no diagnóstico e prognóstico da enfermidade quanto embasar as futuras decisões em relação ao tratamento (medicamentoso ou cirúrgico); o correto preenchimento do prontuário médico do paciente (histórico), devendo ser incluídos todos os dados possíveis e necessários, de forma detalhada, clara, precisa e completa; buscar atualização constante em sua área de atuação/ especialização, diante dos avanços científicos e tecnológicos constantes, de modo a que possa, dentro das técnicas, tratamentos e drogas disponíveis no mercado, escolher o que efetivamente melhor se amoldará naquele caso específico.

É de suma importância a elaboração de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), documento formal (com linguagem acessível) utilizado tanto em pesquisas com seres humanos quanto na prática clínica, no qual constarão informações claras sobre os riscos e implicações presentes e futuras para o paciente, além dos benefícios que poderão advir, além de alternativas viáveis, de modo a que este possa decidir, com integral autonomia, acerca de sua intenção em consentir ou não, sempre respeitada a sua privacidade e o sigilo médico.

Desse modo, a observância do cuidado necessário no agir do profissional da saúde certamente diminuirá a possibilidade de uma eventual futura responsabilização na seara penal – especialmente nos casos de imperícia, imprudência e negligência, que podem ocasionar desde lesões a sequelas graves, até mesmo acarretar o óbito do paciente.

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LEIA TAMBÉM OS SEGUINTES ARTIGOS CORRELATOS:

Condenação PENAL, Indenização CÍVEL

Responsabilidade Civil dos Profissionais da Saúde

A Responsabilidade Civil (?) do Médico do SUS


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Salão de Beleza e Contrato de Parceria

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por voto da maioria de seus Ministros, reconheceu a constitucionalidade do contrato de parceria firmado entre salões de beleza e colaboradores que prestam serviços em suas dependências - tema este que já foi tratado aqui no BLoG - Manicure e Salão de Beleza = Vínculo de Emprego? (clique no link para ler o artigo). Na ocasião, restou estabelecida a seguinte tese: 

É constitucional a celebração de contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei 13.352/2016. É nulo o contrato civil de parceria referido quando utilizado para dissimular relação de emprego de fato existente, a ser reconhecida sempre que se fizer presente seus elementos caracterizadores.

A Lei n.º 13.352/2016 , que prevê a possibilidade de realização de contrato de parceria entre salão de beleza e Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, consolidou uma prática recorrente no setor da beleza, estabelecendo regras para as relações que antes não possuíam regulamentação, e ficavam à beira da informalidade.

Importante dizer que a referida normal legal vale estritamente para os casos de PARCERIA PROFISSIONAL, em que o prestador de serviços é contratado por meio de CPNJ (o que trouxe críticas em razão do fenômeno da "pejotização" ou precarização, em que o profissional abre uma empresa e acaba perdendo direitos trabalhistas). 

Entretanto, em estando caracterizados os requisitos ensejadores da relação de emprego - pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade -, o contrato poderá ser declarado nulo e reconhecido o vínculo perante a Justiça Laboral. 


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Direito à Saúde x Remédios para emagrecer

Em julgamento realizado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nesta semana, por decisão de 7x3 dos Ministros, foi declarada inconstitucional a Lei n.º 13.454/2017, que autoriza a produção, venda e consumo (sob prescrição médica) de remédios para emagrecer (sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol). 

Isso porque a Constituição Federal de 1988 determina ser de competência da autoridade de vigilância sanitária o controle sobre medicamentos fabricados e vendidos no país - no Brasil, o órgão fiscalizador da segurança, qualidade e eficácia dos medicamentos é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). 

Assim, a referida lei foi declarada inconstitucional pela Corte Suprema por contrariar as decisões exaradas pela autoridade competente, a qual recomenda a proibição dos medicamentos anorexígenos no país (por terem seus efeitos colaterais e toxicidade no organismo humano desconhecidos). Importante salientar que, em momento anterior, foi proposta a retirada dos remédios acima mencionados do mercado de consumo em razão dos graves efeitos adversos que podiam apresentar, como ansiedade, taquicardia e hipertensão arterial, além de causar dependência física e psíquica.  

Cumpre mencionar que o STF já havia se debruçado anteriormente sobre tema semelhante, quando da declaração de inconstitucionalidade da Lei n.º 13.269/2016, que possibilitava a distribuição da fosfoetanolamina, medicamento não aprovado pela ANVISA que vinha sendo amplamente utilizado para tratamento do câncer.

__________________________


Constituição Federal de 1988 -

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;


Lei n.º 8.080/90 -

Art. 6.º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

(...)

§ 1.º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:

I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; 


quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Responsabilidade Civil dos Profissionais da Saúde

Cartilha por mim elaborada para a disciplina de "Responsabilidade Civil na Saúde e o Código de Defesa do Consumidor" do curso de Especialização em Direito Médico e da Saúde da ULBRA.



domingo, 26 de setembro de 2021

Planos de Saúde e Tratamento para Autismo

Nos termos da definição constante no artigo 1.º da Lei n.º 12.764/2012, a qual instituiu a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista (TEA), pode ser assim considerada aquela pessoa portadora de síndrome clínica caracterizada por:

I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

Além de consultas com médicos, psicólogos, psiquiatras, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, atualmente tem sido prescrito um tratamento psicoterápico comportamental intensivo pelo método ABA (do inglês Applied Behavior Analysis, análise do comportamento aplicada) - baseado em evidências - uma das terapias mais populares e eficazes para tratar o TEA em crianças, adolescentes e adultos.

Até recentemente, os planos de saúde restringiam (e muito) o acesso ao tratamento multiprofissional que se faz necessário para o pleno desenvolvimento das habilidades e promoção da interação social dos autistas - o qual compreende sessões com terapeuta ocupacional, treinamento parental, escolar, neuropsiquiátrico, acompanhamento em sala de aula assistido por auxiliar psicopedagogo, além de medicamentos. A negativa se dava com fundamento na asseverada ausência de previsão das terapias complementares no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Levada a questão ao Poder Judiciário, tem-se visto decisões no sentido de determinar o custeio e/ou disponibilização, pelos planos de saúde, do tratamento integral à pessoa autista, tendo em vista que a negativa é abusiva, uma vez que o rol de procedimentos da ANS é meramente exemplificativo. No mesmo sentido, não é possível a limitação a cobertura do número de sessões e consultas, eis que cabe ao médico/ profissional de saúde indicar o melhor tratamento/ terapia para seu paciente.

Nesse sentido é a recentíssima decisão exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a qual segue transcrita:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA. MENOR. AUTISMO. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. PSICOTERAPIA ATRAVÉS DA INTERVENÇÃO ABA, TERAPIA OCUPACIONAL DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL DE AYRES E TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA ESPECIALIZADA EM PECS. NEGATIVA DE COBERTURA. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SESSÕES. ATENDIMENTO EXCLUSIVO EM REDE CREDENCIADA. DESCABIMENTO. I. DE ACORDO COM A REDAÇÃO DO ART. 300, CAPUT, DO CPC, PARA A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA MOSTRA-SE NECESSÁRIA A PRESENÇA DOS SEGUINTES PRESSUPOSTOS: A PROBABILIDADE DO DIREITO E O PERIGO DE DANO OU O RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. II. INCIALMENET, CABE REFERIR QUE O EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA É PRESCINDÍVEL PARA O AJUIZAMENTO DA PRESENTE DEMANDA. NÃO HÁ EMBASAMENTO JURÍDICO QUE OBRIGUE A PARTE AUTORA A ENCERRAR A ESFERA ADMINISTRATIVA PARA, SOMENTE DEPOIS, INGRESSAR COM A AÇÃO JUDICIAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO LIVRE ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO, INSCULPIDO NO ART. 5º XXXV, DA CARTA MAGNA DE 1988. III. NO CASO CONCRETO, DEVE SER MANTIDO DEFERIMENTO PARCIAL DA TUTELA DE URGÊNCIA POSTULADA, POIS ENCONTRAM-SE PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS AUTORIZADORES. OCORRE QUE, O AUTOR, ORA AGRAVANTE, FOI DIAGNOSTICADO COM O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, NECESSITANDO REALIZAR TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR, COMPOSTO DE TERAPIA OCUPACIONAL, TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA, TERAPIA AQUÁTICA, ESTIMULAÇÃO PSICOTERÁPICA INDIVIDUAL E ACOMPANHANTE TERAPEUTICO. INCLUSIVE, O CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE ESTÁ SUBMETIDO ÀS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, NA FORMA DA SÚMULA 608, DO STJ, DEVENDO SER INTERPRETADO DE MANEIRA MAIS FAVORÁVEL À PARTE FRACA NA RELAÇÃO, NA FORMA ART. 47 DO ALUDIDO DIPLOMA. IV. DA MESMA FORMA, OS PLANOS DE SAÚDE APENAS PODEM ESTABELECER PARA QUAIS DOENÇAS OFERECERÃO COBERTURA, NÃO LHES CABENDO INTERFERIR NO TIPO DE TRATAMENTO QUE SERÁ PRESCRITO OU O NÚMERO DE SESSÕES, INCUMBÊNCIA ESSA QUE PERTENCE AO PROFISSIONAL DA MEDICINA QUE ASSISTE O PACIENTE, AINDA QUE NÃO HAJA PREVISÃO EM DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO OU NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS, QUE É MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. V. NESSE SENTIDO, O ART. 3º, CAPUT, III, “A” E “B”, DA LEIN° 12.764/20122, QUE INSTITUI A POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO E ESPECTRO AUTISTA, A PESSOA COM TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA TEM DIREITO AO DIAGNÓSTICO PRECOCE, AINDA QUE NÃO DEFINITIVO, E AO ATENDIMENTO MULTIPROFISSIONAL. VI. TAMBÉM, VALE DESTACAR NOTÍCIA VEICULADA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE NO SÍTIO DO GOVERNO FEDERAL NA INTERNET (HTTPS://WWW.GOV.BR), EM 12.07.2021, INFORMANDO QUE OS BENEFICIÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE PORTADORES DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA DE TODO O PAÍS PASSAM A TER DIREITO A NÚMERO ILIMITADO DE SESSÕES COM PSICÓLOGOS, TERAPEUTAS OCUPACIONAIS E FONOAUDIÓLOGOS PARA O TRATAMENTO DE AUTISMO, O QUE SE SOMA À COBERTURA ILIMITADA QUE JÁ ERA ASSEGURADA PARA AS SESSÕES COM FISIOTERAPEUTAS VII. POR FIM, E MAIS IMPORTANTE, VALE DIZER QUE NO CASO CONCRETO ESTÁ EM JOGO A SAÚDE, A QUALIDADE DE VIDA E O DESENVOLVIMENTO DE UMA CRIANÇA, NÃO PODENDO SER CEIFADA A OPORTUNIDADE DE SER TRATADA ADEQUADAMENTE DAS CONDIÇÕES MÉDICAS RELATADAS, O QUE PODE RETARDAR OU IMPEDIR O SEU PLENO DESENVOLVIMENTO, INCLUSIVE NO ÂMBITO SOCIAL. AGRAVO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50672340620208217000, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em: 25-08-2021).


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

A Responsabilidade Civil (?) do Médico do SUS

Diante do Julgamento do Tema 940 pelo Supremo Tribunal Federal – Recurso Extraordinário n.º 1.027.633, de Relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio Mello – que versava sobre a responsabilidade civil subjetiva do agente público por danos causados a terceiros, no exercício de atividade pública, restou consolidado o seguinte entendimento em sede de repercussão geral:

Tema 940 - A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, eventuais demandas indenizatórias que objetivam o ressarcimento de danos materiais e/ou indenização por danos morais oriundos de atendimento médico realizado em estabelecimento hospitalar que atende através do Sistema Único de Saúde (SUS) não deverão ser direcionadas ao profissional de saúde que desempenhou função/ prestou serviços na condição de agente público, uma vez que se mostra parte ilegítima a responder à demanda, conforme entendimento manifestado pelo STF.

Neste sentido são as decisões exaradas pelo Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a seguir transcritas:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO. ATENDIMENTO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). TEMA 940/STF. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MÉDICO. DECISÃO RECORRIDA QUE SE MANTÉM. AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50445366920218217000, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Thais Coutinho de Oliveira, Julgado em: 26-05-2021).


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SERVIÇO MÉDICO E HOSPITALAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MÉDICO. EM RELAÇÃO À LEGITIMATIO AD CAUSAM, COMO REGRA GERAL, DEVE ESTAR PRESENTE A CORRESPONDÊNCIA ENTRE AS PARTES DO PROCESSO, AUTOR E RÉU, E PESSOAS QUE INTEGRAM A RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL OBJETO DO LITÍGIO. EM PRINCÍPIO, O MÉDICO QUE ATENDEU O PACIENTE E REALIZOU O PROCEDIMENTO CURATIVO É PARTE LEGÍTIMA NA AÇÃO INDENIZATÓRIA. NA HIPÓTESE EM EXAME, O MÉDICO PRESTOU O SERVIÇO PELO SUS. LOGO, A AÇÃO DIRETA DEVE SER MOVIDA CONTRA A ENTIDADE QUE PRESTA O SERVIÇO PÚBLICO E NÃO CONTRA O MÉDICO, A TEOR DO TEMA 940, JULGADO PELO STF, EM INTERPRETAÇÃO AO ART. 37, § 6º, DA CF. VIÁVEL EM TESE O AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE REGRESSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50075589320218217000, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em: 26-05-2021). 


AGRAVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ATENDIMENTO MÉDICO CUSTEADO PELO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). - Pedido de reparação de danos por alegado erro médico. Atendimento pelo SUS. Demanda proposta contra o profissional e o hospital privado prestador do serviço público. Ilegitimidade passiva da pessoa física. Tema 940 - STF: A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, MODIFICADO O JULGAMENTO. (Agravo de Instrumento, Nº 70078891165, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 02-06-2020). GRIFOS NOSSOS.


De qualquer sorte, embora o médico seja considerado parte ilegítima a compor o polo passivo das demandas indenizatórias, em sendo verificada a existência de dolo ou culpa no agir do profissional de saúde, poderá o Estado ajuizar ação de regresso em face do mesmo, nos termos do § 6.º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 

Por fim, ressalta-se que as decisões em recurso extraordinário em repercussão geral proferidas pelo STF terão eficácia erga omnes e efeito vinculante (artigo 927 do CPC).

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Pacientes Internados e Videochamadas para Familiares

Sancionada no início deste mês, a Lei n.º 14.198/2021 prevê a possibilidade de realização de videochamadas entre pacientes internados em serviços de saúde (leitos situados em apartamentos, enfermarias e unidades de tratamento intensivo) e seus familiares, sempre que se encontrarem impossibilitados de receber visitas.

Assim, nos termos do artigo 2.º da norma, está prevista a efetivação de, no mínimo, 01(uma) videochamada por dia, a qual dependerá de prévia autorização do profissional responsável pelo acompanhamento do paciente e deverá respeitar os protocolos sanitários e de segurança. Em entendendo ser contraindicada a ligação por vídeo, o assistente deverá justificar esta decisão por escrito no prontuário do enfermo.

Importante dizer que as chamadas poderão ser realizadas mesmo no caso de pacientes que se encontram em estado de inconsciência, desde que tenham autorizado a medida enquanto possuíam a capacidade de se expressar de forma autônoma.

No tocante à proteção e confidencialidade dos dados e das imagens produzidas durante a videochamada, os pacientes, familiares e profissionais de saúde deverão assinar termo de responsabilidade em que se comprometem a não divulgar as imagens por qualquer meio que possa expor tanto os pacientes quanto o serviço de saúde - que é responsável pela operacionalização e apoio logístico ao cumprimento da referida lei.

Possibilitar ao paciente internado que se comunique (fale e visualize) com as pessoas de sua família representa um grande avanço em termos de Direito Médico e da Saúde. Isso porque permitir às pessoas que se encontram internadas em serviços de saúde - e impossibilitadas do contato pessoal/ presencial - que conversem com os seus queridos na modalidade virtual, faz com que a conexão da alma e do coração seja mantida, podendo inclusive auxiliar (e muito) no processo de cura do paciente.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Novas Regras de Publicidade para Advogados

Visando atualizar as regras de marketing, informação e publicidade para advogados, recentemente entrou em vigor o  Provimento n.º 205/2021 (o qual revogou o de n.º 94/2000), aprovado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil depois de quase 02 (dois) anos de audiências públicas e consultas a a advogados de todo país

Assim, nos termos do artigo 1.º, "é permitido o marketing jurídico, desde que exercido de forma compatível com os preceitos éticos e respeitadas as limitações impostas pelo Estatuto da Advocacia, Regulamento Geral, Código de Ética e Disciplina e por este Provimento."

A atualização desse regramento se mostrava extremamente urgente e necessária tendo em vista toda a gama de redes sociais e ferramentas tecnológicas atualmente à disposição dos advogados, as quais, por certo, deverão ser utilizadas com critério, bom senso e moderação, conceitos estes inerentes à nobre profissão.

PROVIMENTO N.º 205/2021 - na íntegra.

Segue o anexo único com as novas regras:




segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Alteração do Regime de Bens no Casamento

Ao dispor sobre o regime de bens entre os cônjuges, o Código Civil assim estabelece:

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.

§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. 

Disso, depreendemos que, uma vez escolhido o regime de bens (comunhão parcial, comunhão universal, participação final nos aquestos ou separação de bens), é possível proceder à sua modificação no decorrer da união matrimonial, desde que o pedido seja realizado judicialmente, tenha motivação e não traga prejuízos a terceiros.

Com relação aos efeitos dessa alteração no tempo, tem se entendido que os bens adquiridos e negócios realizados antes de proferida a sentença que autoriza a troca do regime de bens devem permanecer sob os ditames do regime anterior.

Por ocasião do recente julgamento do REsp n.º 1.904.498/SP, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:


RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CASAMENTO. REGIME D BENS. MODIFICAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. CONTROVÉRSIA ACERCA DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.639, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. EXIGÊNCIA DA APRESENTAÇÃO DE RELAÇÃO DISCRIMINADA DOS BENS DOS CÔNJUGES. INCOMPATIBILIDADE COM A HIPÓTESE ESPECÍFICA DOS AUTOS. AUSÊNCIA DE VERIFICAÇÃO DE INDÍCIOS DE PREJUÍZO AOS CONSORTES OU A TERCEIROS. PRESERVAÇÃO DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA.

(...) 

5. De acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, é possível a modificação do regime de bens escolhido pelo casal - autorizada pelo art. 1.639, § 2º, do CC/02 - ainda que o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil anterior, como na espécie. Para tanto, estabelece a norma precitada que ambos os cônjuges devem formular pedido motivado, cujas razões devem ter sua procedência apurada em juízo, resguardados os direitos de terceiros.

6. A melhor interpretação que se pode conferir ao § 2º do art. 1.639 do CC é aquela no sentido de não se exigir dos cônjuges justificativas ou provas exageradas, desconectadas da realidade que emerge dos autos, sobretudo diante do fato de a decisão que concede a modificação do regime de bens operar efeitos ex nunc. Precedente.

7. Isso porque, na sociedade conjugal contemporânea, estruturada de acordo com os ditames assentados na Constituição de 1988, devem ser observados - seja por particulares, seja pela coletividade, seja pelo Estado - os limites impostos para garantia da dignidade da pessoa humana, dos quais decorrem a proteção da vida privada e da intimidade, sob o risco de, em situações como a que ora se examina, tolher indevidamente a liberdade dos cônjuges no que concerne à faculdade de escolha da melhor forma de condução da vida em comum.

8. Destarte, no particular, considerando a presunção de boa-fé que beneficia os consortes e a proteção dos direitos de terceiros conferida pelo dispositivo legal em questão, bem como que os recorrentes apresentaram justificativa plausível à pretensão de mudança de regime de bens e acostaram aos autos farta documentação (certidões negativas das Justiças Estadual e Federal, certidões negativas de débitos tributários, certidões negativas da Justiça do Trabalho, certidões negativas de débitos trabalhistas, certidões negativas de protesto e certidões negativas de órgãos de proteção ao crédito), revela-se despicienda a juntada da relação pormenorizada de seus bens.

RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1904498/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 06/05/2021).


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica

Como medida de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, recentemente foi instituído o programa de cooperação Sinal Vermelho, inserido em nosso ordenamento jurídico através da Lei n.º 14.188/2021.

Nos termos do artigo 2.º do referido regramento, a mulher que está sofrendo violência doméstica deve escrever um X - preferencialmente vermelho e na palma da mão - e mostrá-lo pessoalmente em repartições públicas e entidades privadas de todo o País, de modo a viabilizar assistência e segurança à vítima, a partir do momento em que houver sido efetuada a denúncia por meio do código acima mencionado.

Para a promoção e realização deste importante programa de auxílio às mulheres, há de se proceder à integração entre os Poderes Executivo e Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e os órgãos de segurança pública, bem como estabelecer um canal de comunicação  imediata com as empresas e instituições privadas participantes.

No Código Penal, a nova lei inseriu uma qualificadora ao crime de lesão corporal simples (aumento de pena em razão da condição de mulher), bem como criou o tipo penal de violência psicológica (danos emocionais) contra a mulher. Assim:

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

(...)

§ 13.º  Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).

Violência psicológica contra a mulher

Art. 147-B.  Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.


Importante ressaltar que este crime pode ser cometido por homem ou mulher, contra mulher (incluindo a transgênero) de qualquer idade (desde criança até idosa). Inclusive, em 2021 já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre Mulher Trans e Lei Maria da Penha , Feminicídio e a Legítima(?) Defesa(?) da Honra(?) , e nos debruçamos quanto As Várias Faces da Violência Contra a Mulher (clique nos links para ler).


A recentíssima 
Lei n.º 14.188/2021 também alterou a redação do artigo 12-C da Lei n.º 11.340/06 (Lei Maria da Penha), a saber: 

Art. 12-C.  Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: (...)

_________________________________________

Mas afinal, o que é violência doméstica?

Lei Maria da Penha: 

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (...)       

Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

Código Penal:

Art. 121. Matar alguém: (...)

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido: (...)

Feminicídio       

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

§ 2.º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.  


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A Geolocalização como Estratégia de Investigação

A geolocalização (do inglês geofencing) consiste na localização de determinado aparelho eletrônico (smartphone, computador, notebook ou outro aparato com tecnologia compatível) em qualquer lugar do mundo, através da leitura das suas coordenadas geográficas. A tecnologia envolvida para estabelecer um perímetro virtual pode utilizar o sistema de posicionamento global através de satélites na órbita da Terra (GPS), rede WiFi (leitura da distância do aparelho em relação à origem do sinal), identificação de radiofrequência (emissão de ondas de rádio) ou GPS assistido (informações de conexões de dados, como o 3G e 4G).

Essa ferramenta está presente em várias situações do nosso dia-a-dia: no Uber que chamamos, no Waze ou Google Maps que consultamos, no iFood ou Rappi que demandamos. Todos, sem exceção, utilizam do serviço de geolocalização para rastrear o motorista mais próximo para nos transportar; indicar a melhor rota para chegar a determinado local; eleger o restaurante mais habilitado a entregar nosso alimento.

Da mesma forma, podemos compartilhar com amores, familiares e amigos nossa localização atual nos aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram, para que nos acompanhem em tempo real. Há de se mencionar que, alguns anos atrás, o game Pokemón GO fez um sucesso estrondoso no ramo do entretenimento ao oferecer tecnologia de realidade aumentada: os jogadores "capturavam monstrinhos" que estavam nas imediações do local em que se encontravam. 

Em termos de rastreamento, o sistema operacional de alguns smartphones também dispõe do serviço de informar a última localização do aparelho, o que é extremamente útil nos casos de furto ou roubo do celular.

Mas e quando a geolocalização passa a ser utilizada em investigações policiais? É admissível o emprego dessa ferramenta para identificar potenciais suspeitos do cometimento de um crime? Se mostra possível obter e utilizar dados pessoais com o objetivo de saber quem esteve em certo local durante determinado horário?

A resposta para as perguntas acima é SIM: o Judiciário tem aceito o uso do geofencing como estratégia de investigação. Visando elucidar o homicídio da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou ao Google que entregasse ao Ministério Público os dados de um grupo não identificado de pessoas que aleatoriamente transitaram em determinadas coordenadas geográficas do Rio de Janeiro em certo lapso de tempo (janeiro/2017 a fevereiro/2019)

Por dados, leia-se: fornecimento de um conjunto extremamente amplo de dados sigilosos, que não se restringiriam aos dados de identificação do usuário, mas também ao conteúdo de e-mails, backups, fotos e vídeos, bem como históricos de pesquisa, de localização e de navegação.

O Google interpôs recurso em mandado de segurança (RMS 64.941) invocando como tese de defesa a "violação do regime constitucional e legal de privacidade e proteção de dados pessoais; do princípio da legalidade; da exigência de fundamentação específica da ordem que quebra de sigilo telemático; e do princípio da proporcionalidade, em todas as suas vertentes (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito)."

Por ocasião do julgamento, em decisão monocrática o Ministro Relator Rogerio Schietti Cruz  negou provimento à irresignação do mecanismo de buscas na Internet, com base na teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. 

Nas palavras do Julgador,

"Trazendo essa doutrina para o exame do caso concreto – em que o direito à segurança pública e à preservação e restauração da ordem pública tem algum resvalo no direito ao sigilo de dados –, nota-se a realização da proporcionalidade em suas três diretrizes essenciais. Ela é adequada, na medida em que serve como meio auxiliar na elucidação do delito. É necessária, diante da gravidade e complexidade do caso e da inexistência de outros meios menos gravosos para se alcançar os legítimos fins investigativos. E, por fim, é proporcional em sentido estrito, porque a restrição aos direitos fundamentais que dela redundam não enseja gravame às pessoas afetadas, as quais não terão seu sigilo de dados registrais publicizados, certo, ainda, que, se não constatada sua conexão com o fato investigado, serão tais registros descartados.

Portanto, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto não impõe risco desmedido à privacidade e intimidade de todos os usuários possivelmente atingidos. A existência dessa delimitação por parâmetros e por lapso de tempo serve inclusive como limitador do alcance da medida."

Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre a hipótese de conflito entre 02 (dois) direitos fundamentais - Os Direitos Fundamentais – II (clique no link para ler).

A questão posta poderá ser vista sob dois aspectos: o de que a medida é arbitrária e viola a intimidade/ privacidade de indivíduos que não possuem nenhuma conexão com a investigação criminal que originou a decisão; ou de que a medida possui ares de legalidade e constitucionalidade, uma vez que utiliza a tecnologia a favor do descobrimento da verdade, permanecendo os dados dos usuários em sigilo.

O tema é objeto de Recurso Extraordinário interposto pelo Google perante o Supremo Tribunal Federal (STF) - referente ao Caso Marielle - e atualmente aguarda julgamento em sede de repercussão geral - RE 1.301.250. 


quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Condenação PENAL, Indenização CÍVEL

Nos termos do artigo 515 do Código de Processo Civil, a sentença condenatória proferida no juízo CRIMINAL vincula o CÍVEL - desde que transitada em julgado (ou seja, quando o assunto se torna indiscutível, e a decisão irrecorrível). Nestas circunstâncias, o provimento jurisdicional é tido como título executivo judicial. Assim:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:

(...) VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;

Ocorre que, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 1.829.682/SP, de Relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, mesmo sem o trânsito em julgado, a condenação penal pode embasar o direito à indenização cível, quando tiver sido apreciada e reconhecida a existência de um crime e do autor do fato delituoso pelo juízo criminal.

O artigo 935 do Código Civil informa sobre a autonomia das esferas civil e criminal, mas faz uma importante observação:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Já o Código Penal determina o quanto segue:

Art. 91 - São efeitos da condenação:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;  

Na situação julgada pelo STJ, uma mãe teve deferido pedido de indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em razão do homicídio de seu filho - quantia esta que foi estipulada em consonância com as peculiaridades do caso (embora não houvesse dúvidas sobre quem deu causa ao óbito, não se podia afirmar quem iniciou a briga - pois ausentes testemunhas - já que havia um histórico de desentendimentos entre agressor e vítima, e esta tinha comportamento agressivo).

Importante dizer que, quando a sentença penal absolutória fundamentar-se na inexistência do fato ou na negativa de autoria, não se mostra possível levar a discussão à esfera cível, eis que ausente o dever de reparar o dano.

Segue abaixo a ementa do acórdão mencionado:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS. AÇÃO CIVIL EX DELICTO. CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. HOMICÍDIO. FILHO DA AUTORA. AUTORIA. INCONTROVERSA. REPARAÇÃO. EXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cinge-se a controvérsia a discutir se o reconhecimento da existência de um crime e do seu autor na esfera penal ensejam o dever de indenizar na esfera cível.

3. O artigo 935 do Código Civil adotou o sistema da independência entre as esferas cível e criminal, sendo possível a propositura de suas ações de forma separada. Tal independência é relativa, pois uma vez reconhecida a existência do fato e da autoria no juízo criminal, estas questões não poderão mais ser analisadas pelo juízo cível.

4. A partir da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, é possível concluir que a) em caso de sentença condenatória com trânsito em julgado, há incontornável dever de indenizar, e b) em caso de sentença absolutória em virtude do reconhecimento de inexistência do fato, da negativa de autoria, não haverá dever de indenizar.

5. Não havendo sentença condenatória com trânsito em julgado, deve-se avaliar os elementos de prova para aferir a responsabilidade do réu pela reparação do dano.

6. No caso, ainda que ausente a condenação criminal definitiva, não se pode negar a existência incontroversa do dano sofrido pela autora com a morte de seu filho e a autoria do crime que gerou esse dano. A acentuada reprovabilidade da conduta do réu, ainda que a vítima apresentasse comportamento agressivo e que tenha havido "luta corporal" entre vítima e o réu, não afasta o dever do causador do dano de indenizar.

7. Considerando as circunstâncias fáticas do caso, arbitra-se o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização por danos morais.

8. Recurso especial conhecido e provido.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Rescisão do Plano de Saúde Empresarial e Migração para Plano Individual ou Familiar

Nos contratos de plano de saúde firmados entre duas pessoas jurídicas - Operadora do plano e empresa - é possibilitado às partes proceder ou não à renovação da avença, sendo cabível o seu desfazimento após transcorrido o prazo de 12 (doze) meses.

Porém, em havendo rescisão do plano de saúde coletivo empresarial por iniciativa da Operadora, esta deverá oferecer alternativa àqueles beneficiários, de modo a assegurar a manutenção da assistência/ continuidade do serviço - consistente na possibilidade de migração/ contratação de plano na modalidade individual ou familiar, sem obrigatoriedade de cumprimento de novo período de carência ou de cobertura parcial temporária, tampouco cobrança de custo adicional para exercer esse direito.

Assim, nos termos do artigo 1.º da Resolução CONSU n.º 19/1999:

Art. 1º As operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência.

Recentemente, o  Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 1.895.321, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, determinou a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, nos termos do Enunciado de Súmula n.º 608 do STJ.

Assim, a Corte Superior entendeu pelo reconhecimento do direito dos consumidores/ beneficiários do plano rescindido à portabilidade das carências, assegurando a possibilidade de contratação de um novo plano de saúde e manutenção da prestação dos serviços de assistência à saúde, observada a necessidade de notificação prévia do beneficiário acerca da extinção do seu vínculo com a operadora (ou seja, o empregador tem o dever de informar ao empregado a data do cancelamento do plano).

Importante destacar que a Resolução Normativa - RN n.º 438/2018 regulamenta a portabilidade de carências nos planos de saúde privados.
 
Segue colacionado importante e esclarecedor trecho da ementa do acórdão mencionado:

(...) 

6. Se, de um lado, a Lei 9.656/1998 e seus regulamentos autorizam a operadora do seguro de saúde coletivo empresarial a não renovar o contrato; de outro lado, o CDC impõe que os respectivos beneficiários, que contribuíram para o plano, não fiquem absolutamente desamparados, sem que lhes seja dada qualquer outra alternativa para manter a assistência a sua saúde e de seu grupo familiar.

7. A interpretação puramente literal do art. 3º da Resolução CONSU nº 19/1999 agrava sobremaneira a situação de vulnerabilidade do consumidor que contribuiu para o serviço e favorece o exercício arbitrário, pelas operadoras de seguro de saúde coletivo, do direito de não renovar o contrato celebrado, o que não tolera o CDC, ao qual estão subordinadas.

8. O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução CONSU nº 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a estipulante, corresponde o dever de proteção dos consumidores (beneficiários), que contribuíram para o seguro de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço.

9. Na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, há de se reconhecer o direito à portabilidade de carências, permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.

(...)