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sábado, 29 de agosto de 2020

Cobrança de Multa por Fidelização

Atualmente, nos contratos de telefonia, internet e tevê por assinatura, tem sido praxe constar cláusula de fidelização do cliente, a qual estipula multa em caso de rescisão do avençado antes do prazo de permanência mínima - em regra, 12 (doze) meses. 

Questão que vem sendo debatida diz respeito à legalidade de tal cobrança, por tratar-se de verdadeira "amarra" imposta pelo fornecedor ao consumidor durante determinado lapso de tempo, obrigando-o a permanecer com o serviço.

Ocorre que o entendimento dos órgãos de proteção ao consumidor e dos tribunais pátrios é no sentido de que é sim possível estabelecer multa rescisória em caso de rompimento do contrato antes do prazo predeterminado, a qual deverá ser calculada de modo proporcional ao tempo faltante. 

A fidelidade aqui é entendida da seguinte forma: para operacionalizar a prestação dos serviços, é necessário que a empresa fornecedora se desloque até a residência do cliente e instale todo o equipamento necessário para viabilizar o uso de telefonia, internet e tevê por assinatura - o que demanda um custo (investimento) inicial. Ademais, a cláusula de fidelização, ao assegurar a prestação do serviço por um período mínimo de tempo, permite ao fornecedor dar desconto no valor total, que vai diluído nas mensalidades. 

Por este motivo, em sendo rompida a relação consumerista antes do prazo previsto, é possibilitado ao fornecedor a cobrança de multa referente ao período faltante. Como exemplo: se o contrato assinado é de 12 meses e o consumidor rescinde após 60 dias, a operadora poderá exigir o pagamento de penalidade, a incidir sobre os 10 meses restantes - ou seja, referente a 10/12 avos.

Quando é possível o cancelamento do serviço sem o pagamento de multa?

- quando o consumidor não recebeu os benefícios contratados;

- quando o serviço não é ofertado a contento;

- quando a cláusula de fidelização/ multa não consta textualmente do contrato;

- quando não há menção expressa acerca do prazo ou este é superior a 12 (doze) meses.

 Em caso de ausência de previsão contratual ou redação não específica sobre o prazo, basta a juntada do documento assinado para demonstrar o direito. Em não sendo disponibilizados os benefícios conforme contratados, ou se o serviço se mostra falho/ de má qualidade (exemplo: internet banda larga em velocidade menor do que a prevista), é necessário que o consumidor comprove suas alegações - o que pode se dar através dos protocolos de reclamação à operadora. Ainda, o consumidor é desobrigado do pagamento da multa quando ele se muda e o novo endereço fica em área que não possui cobertura do serviço contratado.

Disso, temos que, em regra, o consumidor é obrigado a pagar multa de fidelidade em caso de rompimento do contrato antes do prazo previsto - sendo que o percentual 10% (dez por cento) sobre o tempo faltante do contrato é considerado adequado pelos órgãos de proteção ao consumidor, sob pena de configurar cláusula abusiva (o que o CDC veda expressamente). Porém, em havendo descumprimento das regras por parte das empresas de telefonia, internet ou tevê por assinatura, é possível afastar a obrigatoriedade do adimplemento da penalidade. 


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Cães e Gatos, Sujeitos de Direito

Tese inovadora que vem causando polêmica no Judiciário gaúcho diz respeito à possibilidade de cães e gatos constarem como parte no pólo ativo de demandas que versem acerca de seus direitos. 

Nesta semana, em ação de destituição de tutela ajuizada por associação de proteção aos animais com sede em Porto Alegre, "em conjunto" com 2 cachorros e 8 gatos, vítimas de maus tratos por sua até então tutora (viviam acorrentados, em péssimas condições de bem-estar, sanitárias e ambientais),  foi proferida decisão que extinguiu o feito, sem julgamento de mérito, em relação aos animais, por ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. (art. 485, inciso IV do NCPC).

Invocando o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Estadual  n.º 15.434/2020) como base legal, o advogado que representou os autores aduziu que, nos termos da legislação em comento, os animais de estimação domésticos são sujeitos de direito despersonificados, não podendo ser tratados como coisa - inclusive, foram devidamente identificados com nome e sobrenome na inicial.

Fulcro na Constituição Federal de 1988, em especial o seu artigo 22, inciso I, que determina caber à União - e não aos Estados - legislar sobre Direito Processual, a Magistrada entendeu que, embora o Código Estadual do RS estabeleça a natureza sui generis dos animais, não prevê a capacidade processual dos mesmos, e tampouco poderia, sob pena de declaração de inconstitucionalidade, face a matéria.

Por outro lado, a Juíza ressaltou em sua decisão que, embora os "não humanos" não possam ser parte no processo, isso não retira seus direitos à efetiva proteção, a qual consta expressamente no texto da Carta Magna - artigo 225, § 1.º, inciso VII, além dos artigos 216 e 217 da Lei Estadual n.º 15.434/2020.

No início deste mês, outro caso envolvendo animal de estimação foi amplamente noticiado no Estado: um dos autores da ação se trata de um pet da raça shitzu. Em litisconsórcio ativo com seus tutores, o cão ajuizou ação de indenização por danos materiais, morais, físicos e psíquicos contra uma pet shop. Conforme narrado na petição inicial, o animal foi submetido a danos físicos e psicológicos decorrentes do mau atendimento prestado pelo estabelecimento, uma vez que, na sessão de banho, sofreu uma fratura no maxilar e necessitou de cirurgia.

Tendo sido determinada a exclusão do animal de estimação do feito, foi interposto recurso de agravo de instrumento, o qual foi recebido em seu efeito suspensivo, bem como foi ordenada a suspensão do processo na origem (Porto Alegre), até a deliberação do Colegiado. Nas palavras do relator, Desembargador Carlos Eduardo Richinitti, da 9.ª Câmara Cível do TJRS:

Já no que diz com a exclusão do cão Boss do polo ativo da lide, a matéria é deveras inédita neste Órgão Julgador e, até onde se tem conhecimento, no Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. Os argumentos trazidos pelos agravantes, de igual sorte, são novos no cenário jurídico nacional, havendo invocação de legislação estadual recentemente vigente (Lei Estadual n° 15.434/2020), além de questões envolvendo conflito de normas e de direito internacional que requerem uma análise meticulosa por este Colegiado. Ainda que simpático à efetiva proteção dos animais, sejam eles de estimação, domésticos ou selvagens, não posso descuidar da importância que um precedente como este possui e das delicadas questões que o envolvem, notoriamente no âmbito processual e de defesa dos animais.

De outro lado, o risco de dano reside na possibilidade de o feito ser extinto na origem pela falta de recolhimento das custas de distribuição, cerceando os autores do acesso à Justiça e, caso recolhidas as custas, na continuidade da tramitação do processo sem um litisconsorte - o cão Boss -, o que inclusive poderia trazer prejuízo a eventual defesa apresentada pela parte contrária se o presente recurso vier a ser provido por este Colegiado.

Desta forma, sem que isso representa vinculação à tese autoral, tenho que prudente, por ora, receber o presente recurso em seu efeito suspensivo, determinando a suspensão do processo na origem, a fim de que se escute previamente o Ministério Público e possa se manifestar o Colegiado a respeito das questões postas neste recurso.   

Aguardemos o pronunciamento do TJRS sobre o eventual reconhecimento da legitimidade ativa canina e felina, o que poderá vir a ser uma decisão pioneira e inovadora no Judiciário brasileiro, apta a alterar os rumos do Direito Animal.

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BASE LEGAL -

Constituição Federal de 1988  

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 


Lei Estadual  n.º 15.434/2020

Art. 216 - É instituído regime jurídico especial para os animais domésticos de estimação e reconhecida a sua natureza biológica e emocional como seres sencientes, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente.
Parágrafo único - Os animais domésticos de estimação, que não sejam utilizados em atividades agropecuárias e de manifestações culturais reconhecidas em lei como patrimônio cultural do Estado, possuem natureza jurídica "sui generis" e são sujeitos de direitos despersonificados, devendo gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.

Art. 217 - São proibidos o extermínio, os maus tratos, a mutilação e a manutenção de animais domésticos de estimação em cativeiros ou semicativeiro que se encontrem em condições degradantes, insalubres ou inóspitas, sob pena das sanções previstas nos arts. 92 e 93 desta Lei.
Parágrafo único - Incorre nas mesmas sanções a que se refere o "caput" deste artigo quem abandona animais domésticos de estimação em via ou praça pública, com intenção de pôr fim a sua guarda.


terça-feira, 25 de agosto de 2020

Responsabilidade Civil dos "Digital Influencers"

Canal no Youtube. Perfil no Facebook, Twitter ou Instagram. Curtidas de Amigos, Likes de Followers. De anônimos a estrelas. Números crescentes. Exponenciais. Escalas que vão de mil a milhões. De repente, webcelebridades.

Nesse terreno fértil da vida online nasceram os influencers, ou melhor, digital influencers. Pessoas que, seja em razão de seu talento, beleza, opiniões polêmicas ou comentários inteligentes, acabam arrebatando um séquito de fãs na Internet. 

Os mais "famosos", leia-se, com maior número de seguidores nas redes sociais, acabam sendo elevados à categoria de formadores de opinião, e com isso atraindo o patrocínio/ parceria de grandes empresas no mercado. Ao fazer publicidade de produtos e serviços diante de seus followers - seja através de posts, vídeos ou stories, os influencers se tornam a cara daquela marca. Vendem. São remunerados. 

Recentemente uma Juíza no Rio de Janeiro, por ocasião do julgamento de demanda consumerista, imputou a uma digital influencer a responsabilidade civil OBJETIVA por ter indicado a compra de um produto (iPhone) vendido por determinada loja que não entregou o smartphone, pois estava aplicando golpes Brasil afora. 

Além de incentivar a compra, a famosa também assegurava a qualidade e segurança na aquisição do produto. Assim, entendeu a Magistrada que a influencer das mídias sociais deveria ressarcir a consumidora enganada pelo estabelecimento cujo nome promovia, indenizando os danos materiais suportados (valor do iPhone). Já os danos morais não restaram reconhecidos.

Embora inexistisse relação de consumo, se aplicaria ao caso o comando constante do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, a saber:

Art. 927. (...)

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Uma vez que a digital influencer exerce atividade habitual de venda/ exposição de produtos na internet, pelo que aufere lucros, e a cuja(s) marca(s) associa a sua imagem e credibilidade, deve responder por eventuais danos ocasionados à consumidora que, no caso em comento, ficou sabendo da promoção no perfil de rede social da famosa.

Será um caso isolado de responsabilização objetiva pela publicidade realizada ou o futuro dos influencers será o de responder pelos produtos e serviços que promoverem? O papel das webcelebridades é de unicamente ditar comportamentos e inspirar estilos de vida, ou sua influência vai mais além e pode causar danos aos seus seguidores? Trata-se de mero criador de conteúdo virtual ou empreendedor digital por excelência? Só o tempo (e os likes) dirão.  


terça-feira, 18 de agosto de 2020

Práticas Integrativas e Complementares no SUS

Para assegurar uma boa qualidade de vida, há de se buscar um equilíbrio da saúde em suas quatro dimensões: física, mental, emocional e espiritual.

Para além da já conhecida Medicina convencional, existem procedimentos denominados Práticas Integrativas e Complementares, recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais que buscam promover a prevenção de doenças.

Cronologicamente falando, em 2006 foi implementada no Brasil a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), quando passaram a ser oferecidas 05 (cinco) atividades. Em 2017, mais 14 (quatorze) procedimentos foram incorporados e, já no ano de 2018, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a contar com 29 (vinte e nove) práticas disponíveis à população, grande parte delas já na Atenção Básica dos Municípios (a depender das políticas públicas implementadas). São elas:



Os procedimentos mais utilizados em nosso país são a Acupuntura, Medicina Tradicional Chinesa, Auriculoterapia, Yoga e Dança Circular/ Biodança.

Importante dizer que há evidências científicas que demonstram os benefícios dos mencionados recursos terapêuticos, através de um tratamento integrado entre a medicina convencional e as referidas práticas complementares (medicina alternativa). 

Ademais, é crescente o acesso dos usuários do SUS a estes procedimentos (alguns deles milenares), bem como do número de profissionais qualificados e habilitados que atuam nas áreas supracitadas, que representam uma nova cultura do CUIDADO.

Mais do que tratar os enfermos, é preciso investir na prevenção das doenças. Mais do que fornecer a cura, é necessário priorizar o não adoecimento das pessoas. PROMOVER SAÚDE INTEGRAL = BEM ESTAR E HARMONIA FÍSICA, MENTAL, EMOCIONAL E ESPIRITUAL.



Saiba mais sobre as PICS em ::PORTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE::



sábado, 8 de agosto de 2020

Renegociação de Contratos na Pandemia

Com a chegada da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) ao Brasil, escrevemos artigo aqui no BLoG denominado Obrigação Contratual, Pandemia e Responsabilidade Civil (clique no link para ler), o qual finalizamos dizendo que

O momento extraordinário e anômalo que estamos vivendo demanda serenidade e cautela e, mais do que nunca, cabe a nós, advogados, incentivar a utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos (como a conciliação e a mediação), regidos pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, visando a breve composição dos litígios que possam advir, de forma também a não sobrecarregar ainda mais o Poder Judiciário.

Passados quase 05 (cinco) meses desde então, seguimos acreditando que a melhor alternativa para os desacordos instaurados em razão da pandemia segue sendo a resolução extrajudicial e amigável dos conflitos. Isso porque

O princípio da boa-fé, dada a sua grande importância, foi alçado ao status de artigo de lei, e deve ser utilizado para interpretar, integrar ou corrigir cláusulas contratuais.

Neste momento, assim como o princípio da função social, mostram-se fundamentais para se buscar a melhor solução para as partes envolvidas. Há de se garantir o equilíbrio contratual - o que também envolve as perdas, manter o diálogo franco e aberto visando a compreensão/ cooperação, restaurar a reciprocidade através da negociação, devendo as informações acerca da real situação das partes contratantes serem comunicadas com transparência e verdade.

Neste sentido, em evento virtual promovido pela OAB Nacional nesta semana - I Congresso Digital Covid-19 Repercussões Jurídicas e Sociais da Pandemiao Ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, aduziu que a melhor alternativa para as empresas que se encontram em dificuldade econômica e financeira é a prévia renegociação de seus contratos, o que inclusive considera um dever das partes. Isso porque, diante do panorama atual que indica uma enxurrada de demandas judiciais a seguir, sairá ganhando quem conseguir resolver suas contendas nas vias administrativas, sem precisar recorrer ao Poder Judiciário.  

Embora os conceitos de caso fortuito e força maior estejam sendo bastante invocados com a finalidade de romper contratos estabelecidos, na visão do Ministro é preciso analisar, no caso concreto, quem realmente não possui condições de cumprir o pactuado e quem está utilizando a pandemia como mera desculpa para não fazê-lo. Em suas palavras, "é preciso separar o joio do trigo, separar aquele que quer se aproveitar do momento daquele que está agindo de boa-fé".

Leia também: As Relações de Direito Privado na Pandemia