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sexta-feira, 30 de julho de 2021

Rescisão do Plano de Saúde Empresarial e Migração para Plano Individual ou Familiar

Nos contratos de plano de saúde firmados entre duas pessoas jurídicas - Operadora do plano e empresa - é possibilitado às partes proceder ou não à renovação da avença, sendo cabível o seu desfazimento após transcorrido o prazo de 12 (doze) meses.

Porém, em havendo rescisão do plano de saúde coletivo empresarial por iniciativa da Operadora, esta deverá oferecer alternativa àqueles beneficiários, de modo a assegurar a manutenção da assistência/ continuidade do serviço - consistente na possibilidade de migração/ contratação de plano na modalidade individual ou familiar, sem obrigatoriedade de cumprimento de novo período de carência ou de cobertura parcial temporária, tampouco cobrança de custo adicional para exercer esse direito.

Assim, nos termos do artigo 1.º da Resolução CONSU n.º 19/1999:

Art. 1º As operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência.

Recentemente, o  Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 1.895.321, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, determinou a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, nos termos do Enunciado de Súmula n.º 608 do STJ.

Assim, a Corte Superior entendeu pelo reconhecimento do direito dos consumidores/ beneficiários do plano rescindido à portabilidade das carências, assegurando a possibilidade de contratação de um novo plano de saúde e manutenção da prestação dos serviços de assistência à saúde, observada a necessidade de notificação prévia do beneficiário acerca da extinção do seu vínculo com a operadora (ou seja, o empregador tem o dever de informar ao empregado a data do cancelamento do plano).

Importante destacar que a Resolução Normativa - RN n.º 438/2018 regulamenta a portabilidade de carências nos planos de saúde privados.
 
Segue colacionado importante e esclarecedor trecho da ementa do acórdão mencionado:

(...) 

6. Se, de um lado, a Lei 9.656/1998 e seus regulamentos autorizam a operadora do seguro de saúde coletivo empresarial a não renovar o contrato; de outro lado, o CDC impõe que os respectivos beneficiários, que contribuíram para o plano, não fiquem absolutamente desamparados, sem que lhes seja dada qualquer outra alternativa para manter a assistência a sua saúde e de seu grupo familiar.

7. A interpretação puramente literal do art. 3º da Resolução CONSU nº 19/1999 agrava sobremaneira a situação de vulnerabilidade do consumidor que contribuiu para o serviço e favorece o exercício arbitrário, pelas operadoras de seguro de saúde coletivo, do direito de não renovar o contrato celebrado, o que não tolera o CDC, ao qual estão subordinadas.

8. O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução CONSU nº 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a estipulante, corresponde o dever de proteção dos consumidores (beneficiários), que contribuíram para o seguro de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço.

9. Na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, há de se reconhecer o direito à portabilidade de carências, permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.

(...)



quarta-feira, 21 de julho de 2021

Crimes Famosos Retratados em Séries Documentais

Líder no ranking das empresas que atuam no segmento de streaming de vídeos, a plataforma online Netflix - que conta com mais de 200 milhões de usuários ao redor do mundo - tem investido fortemente na produção de séries documentais, dentre elas, as que versam acerca de crimes famosos e de grande repercussão. Embora possua caráter eminentemente informativo, eis que um documentário, por excelência, retrata fatos/ acontecimentos reais - os indivíduos apresentados como "vilões" muitas vezes têm buscado, perante o Judiciário, reparação civil por pretensos danos à sua imagem.

Já falamos aqui sobre Os Direitos Fundamentais e a necessária ponderação entre os princípios constitucionais que se encontram em conflito (direito à imagem da pessoa x direito à informação da imprensa) e também sobre o Direito ao Esquecimento x Memória Coletiva (clique nos links para ler). Situação diversa é aquela em que o próprio autor do homicídio não apenas autoriza a veiculação do documentário como também dele participa, apresentando sua versão dos fatos - caso de Elize Matsunaga, cujo assassinato do marido foi mencionado no ::BLoG:: à época dos acontecimentos - Crime Passional . 

Ocorre que, em situações como a ora debatida, via de regra não há como se responsabilizar e condenar uma empresa que atua no ramo das comunicações em retirar o filme/ documentário ou episódio de série documental do ar (obrigação de fazer) e pagar uma indenização por danos morais, uma vez que não há intenção de ofensa à honra, mas apenas veicular o que consta no processo penal - logo, independe de autorização do autor do fato.

Nesse sentido são as recentes decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do tema:


Indenizatória – Pretendida condenação das requeridas ao pagamento de indenização por danos morais em virtude da exibição de fotografias do autor, sem autorização, na Série de Investigação Criminal, episódio 1, da 2ª Temporada, intitulada "Bianca Consoli" – Série que visa análise crítica de crimes notórios – Narração de fatos ocorridos e que foram objeto de procedimento criminal, com a condenação do autor - Fatos verdadeiros e que são de interesse público - Inexistência de ofensas à honra do demandante – Sentença mantida - Recurso desprovido. (TJSP;  Apelação Cível 1110417-33.2019.8.26.0100; Relator (a): A.C.Mathias Coltro; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 20ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/06/2021; Data de Registro: 18/06/2021).


DANO MORAL – Indenizatória – Filmagem e divulgação, pelas rés, de filme sobre crime praticado pelo autor – Possibilidade - Autorização que não se fazia necessária – Autor que adquiriu notoriedade com sua conduta criminosa - Dano moral que não decorreu da produção e/ou exibição cinematográfica, mas, sim, de sua conduta homicida – Película que se ateve aos fatos reais, que chocaram o pais, daí o interesse na filmagem, que, também, tem caráter histórico e educativo – Sentença de improcedência - Recurso desprovido, com observação.  (TJSP;  Apelação Cível 1108361-27.2019.8.26.0100; Relator (a): Rui Cascaldi; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/07/2021; Data de Registro: 07/07/2021). GRIFOS NOSSOS.


Inclusive, cabe aqui transcrever importante e elucidativo trecho extraído do acórdão relativo a esta última ementa:


"Com o crime cometido, de repercussão nacional, o autor saiu do anonimato e se tornou pessoa pública. O julgamento foi acompanhado pela imprensa e tudo a seu respeito foi publicado, inclusive suas fotos foram divulgadas. O crime, de ação pública, por sua vez, correu sem imposição de sigilo. Muito tempo depois, o crime é transformado em filme, com referências desabonadoras ao autor, mas, reais. Afinal, a sua conduta criminosa não podia lhe render aplausos, mas, desaprovação. Se a sua honra, ou sua moral, ou mesmo a sua intimidade, foi violada, o foi pela sua conduta criminosa e não pela película que retratou o seu crime, que se ateve à realidade dos fatos, não se afastando, em nenhum momento, do dever de informar. À divulgação de fatos e pessoas notórias, com tal finalidade, não se aplica a Súmula 403, do STJ, ainda que se reconheça haver uma atividade econômica/lucrativa por trás desse tipo de produção  cinematográfica. O autor, de seu turno, tendo se tornado pessoa púbica, com a prática de seu crime, passou a ter que tolerar a intromissão maior em sua vida privada, como ocorre com todas as pessoas públicas."


Recentemente, por ocasião do julgamento do AgInt no REsp 1.890.611/SP, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:


"(...) 2. O direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo. Não há dúvidas de que a proteção aos direitos da personalidade é assegurada a todos os indivíduos. É certo, no entanto, que a esfera de proteção dos direitos da personalidade de pessoas públicas ou notórias é reduzida. 3. A jurisprudência desta Corte Superior é consolidada no sentido de que a atividade da imprensa deve pautar-se em três pilares, quais sejam: (i) dever de veracidade, (ii) dever de pertinência e (iii) dever geral de cuidado. 4. O STF e o STJ entendem inexistir ato ilícito se os fatos divulgados forem verídicos ou verossímeis, ainda que eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, notadamente quando se tratar de figuras públicas que exerçam atividades típicas de estado, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica dizerem respeito a fatos de interesse geral e conexos com a atividade desenvolvida pela pessoa noticiada. Além de verdadeira, a informação deve ser útil; isto é, deve haver interesse público no fato noticiado. Se uma notícia ou reportagem sobre determinada pessoa veicula um dado que, de fato, interessa à coletividade, a balança pende para a liberdade de imprensa. Do contrário, preservam-se os direitos da personalidade (REsp 1.297.660/RS). Somado à veracidade e ao interesse público, a mídia tem o dever de evitar que o conteúdo difundido afronte os direitos da personalidade de outrem. A liberdade de informação não pode ser exercida com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar. (...)"

________________________________

Enunciado de Súmula n.º 403 do STJ:

Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.


sexta-feira, 16 de julho de 2021

Da Prevenção e do Tratamento ao Superendividamento

No início do mês, entrou em vigor a Lei n.º 14.181/2021, que trouxe importantes alterações no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) e no Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003), no que diz respeito à prevenção e tratamento do superendividamento, a partir de uma ideia de crédito responsável.

Nos termos dos §§ 1.º e 2.º do recém adicionado artigo 54-A à lei consumerista,

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.

§ 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.

Consigna-se que, nos termos do § 3.º, a nova lei não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor. 

Quanto ao tema, também o artigo 6.º do CDC, que trata dos direitos básicos do consumidor, passou a contar com os seguintes incisos:

XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;

XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;

O artigo 52 da Lei n.º 8.078/90 dispõe acerca de uma série de informações que deverão ser obrigatoriamente disponibilizadas ao consumidor de forma prévia, adequada, clara e resumida, de fácil acesso (e compreensão), no próprio contrato, na fatura ou em instrumento apartado.  Em complementação a este dispositivo legal, o artigo 54-A assim determina:

Art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 deste Código e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre:

I - o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem;

II - a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento;

III - o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias;

IV - o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor;

V - o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.

No tocante ao Estatuto do Idoso, o artigo 96 da mencionada lei prevê como crime a discriminação de pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade. A nova lei inseriu um parágrafo 3.§, que dispõe que não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso.  

Já tratamos aqui no ::BLoG:: acerca do Golpe do Falso Empréstimo Consignado e do Limite de Desconto em Empréstimo Consignado (clique nos links para ler os artigos), práticas que muito prejudicam os idosos, indivíduos reconhecidamente hipossuficientes e hipervulneráveis no mercado de consumo. A nova lei proíbe ainda a pressão e assédio sobre esta modalidade de consumidor (assim como os analfabetos, doentes e em estado de vulnerabilidade acentuada).

Uma das mais importantes inovações legais diz respeito à possibilidade de se buscar judicialmente a conciliação nos conflitos oriundos do superendividamento (artigo 104-A e seguintes). Através de uma audiência conjunta, o consumidor apresenta um plano de pagamento a todos os seus credores (o que se assemelha à recuperação judicial de empresas), com prazo de até 05 (cinco) anos para quitação, sempre preservando o mínimo existencial na repactuação de dívidas e também na concessão de crédito.

Lei n.º 14.181/2021 surge em nosso ordenamento jurídico com o intuito de auxiliar na recuperação financeira daquele consumidor de boa-fé impossibilitado de honrar o pagamento das parcelas contratadas por motivos muitas vezes alheios à sua vontade (doença, desemprego) e evitar a sua exclusão social, resgatando sua dignidade e poder de compra, através de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento.


quinta-feira, 8 de julho de 2021

A Pandemia e o Princípio da Insignificância

O princípio da insignificância, também conhecido como de bagatela, tem origem no Direito Penal e, nas palavras do professor Cezar Bitencourt, pode ser assim definido:

"Com efeito, a insignificância ou irrelevância não é sinônimo de pequenos crimes ou pequenas infrações, mas se refere à gravidade, extensão ou intensidade da ofensa produzida a determinado bem jurídico penalmente tutelado, independentemente de sua importância. A insignificância reside na desproporcional lesão ou ofensa produzida ao bem jurídico tutelado, com a gravidade da sanção cominada. A insignificância situa-se no abismo que separa o grau da ofensa produzida (mínima) ao bem jurídico tutelado e a gravidade da sanção que lhe é cominada. É nesse paralelismo — mínima ofensa e desproporcional punição — que deve ser valorada a necessidade, justiça e proporcionalidade de eventual punição do autor do fato." (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. V.1. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2018).

Desse modo, em síntese, para que se possa invocar o mencionado princípio, alguns requisitos deverão estar presentes, a saber: 

* mínima ofensividade da conduta do agente;

* não representar periculosidade à ordem social;

* baixo grau de reprovabilidade do comportamento adotado;

* a lesão jurídica causada não ser expressiva.

Nestes tempos de pandemia do Coronavírus, um dos exemplos mais claros da aplicação deste princípio diz respeito ao furto de alimentos para consumo próprio.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, cuja competência (nos termos do artigo 105 da Constituição Federal de 1988) é de julgar recursos relativos a temas infraconstitucionais relevantes em âmbito nacional, durante uma de suas sessões por videoconferência aplicou o princípio da bagatela por ocasião do julgamento de habeas corpus impetrado por um réu condenado pelas instâncias inferiores pelo furto de 02 (dois) steaks (filés de frango empanados), na monta de R$ 4,00 (quatro reais).

O relator do recurso, que poderia tê-lo julgado monocraticamente (sozinho), entendeu por levar o tema ao colegiado, de modo a chamar a atenção para o assunto. Conforme a jurisprudência do STJ, o princípio da insignificância se aplica aos casos em que o valor do bem furtado não ultrapassa 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época do fato. Na situação analisada, equivalia a menos de 0,5% (meio por cento).

Importante que se diga que o princípio da insignificância deve ser aplicado somente em situações excepcionais, em que o valor do(s) produto(s) substraído(s) é baixo, o crime tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça (conforme requisitos acima mencionados), o autor do fato exiba uma condição de primariedade e tenha bons antecedentes, e/ou até mesmo esteja em situação de miséria - quando poderá ainda estar caracterizado o furto famélico (aquele praticado para saciar a fome, em um momento de necessidade urgente e relevante, visando assegurar a manutenção da própria vida e/ou de sua família).

Conforme entendimento do STF, a aplicação do princípio da bagatela é VEDADA nos casos de violência doméstica, tentativa de suborno e no contexto de tráfico. 

Para além da análise ético-moral da conduta praticada pelo indivíduo (noção de certo x errado), bem como do alto custo envolvido para movimentar o Judiciário ao se levar o tema a julgamento pela Corte Superior (quando as instâncias inferiores deveriam ter aplicado o entendimento pacífico do STJ, o qual visa evitar que os processos desnecessariamente cheguem até lá, especialmente quando configurada ausência de prioridade e relevância do assunto), importante destacar o momento que o país vive desde que o Covid-19 chegou em terras brasileiras, em fevereiro de 2020.

O número de pessoas que passou a viver em níveis abaixo da linha de pobreza extrema aumentou exponencialmente. Em que pese a instituição do benefício financeiro Auxílio Emergencial (clique para ler), inicialmente no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), e que depois de diversas prorrogações, neste momento teve seu valor médio estabelecido em R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) - com exceção para as mulheres que criam seus filhos sozinhas e recebem R$ 375,00 (trezentos e setenta e cinco reais) e os indivíduos que moram sozinhos, os quais recebem R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), estas quantias são evidentemente irrisórias para suprir as demandas básicas do ser humano, o mínimo existencial para que se possa sobreviver.

Ao dispor sobre os direitos sociais, nossa Carta Magna assim determina: 

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.          

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)

IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (grifo nosso)

Salário mínimo - janeiro/2021 = R$ 1.100,00

Benefício assistencial - julho/2021 = R$ 250,00

Fica a reflexão.

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RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO. TRANCAMENTO DO PROCESSO. INSIGNIFICÂNCIA. VALOR ÍNFIMO. CONCEITO INTEGRAL DE CRIME. PUNIBILIDADE CONCRETA. CONTEÚDO MATERIAL. BEM JURÍDICO TUTELADO. GRAU DE OFENSA. VALOR ÍNFIMO DA SUBTRAÇÃO. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 

1. Para que o fato seja considerado criminalmente relevante, não basta a mera subsunção formal a um tipo penal. Deve ser avaliado o desvalor representado pela conduta humana, bem como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado, com o intuito de aferir se há necessidade e merecimento da sanção, à luz dos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade.

2. As hipóteses de aplicação do princípio da insignificância se revelam com mais clareza no exame da punibilidade concreta - possibilidade jurídica de incidência de uma pena -, que atribui conteúdo material e sentido social a um conceito integral de delito como fato típico, ilícito, culpável e punível, em contraste com estrutura tripartite (formal).

3. Por se tratar de categorias de conteúdo absoluto, a tipicidade e a ilicitude não comportam dimensionamento do grau de ofensa ao bem jurídico tutelado compreendido a partir da apreciação dos contornos fáticos e dos condicionamentos sociais em que se inserem o agente e a vítima.

4. O diálogo entre a política criminal e a dogmática na jurisprudência sobre a bagatela é também informado pelos elementos subjacentes ao crime, que se compõem do valor dos bens subtraídos e do comportamento social do acusado nos últimos anos.

5. Na espécie, o réu primário subtraiu de estabelecimento comercial dois steaks de frango, avaliados em R$ 4,00, valor ínfimo que não evidencia lesão ao bem jurídico tutelado e não autoriza a atividade punitiva estatal.

6. Recurso em habeas corpus provido, para determinar o trancamento da ação penal.

(RHC 126.272/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 15/06/2021)


sexta-feira, 2 de julho de 2021

Adicional de 25% limitado às Aposentadorias por Invalidez

Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre a Aplicação do artigo 45 da Lei n.º 8.213/91 a outros benefícios do INSS, sendo que o dispositivo legal possui a seguinte redação:

Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).

Com base no fundamento de que tal normativa fere o princípio fundamental da igualdade/ isonomia e o da proteção à dignidade humana, ambos presentes na Constituição Federal de 1988, inúmeras ações judiciais foram movidas por segurados do INSS em busca da interpretação extensiva do texto legal, para que a concessão da complementação do valor pago em razão da necessidade de auxílio permanente de terceiro se aplicasse não somente à invalidez, mas também a outras modalidades de aposentadoria (por idade, tempo de contribuição e regime especial).

No mês de junho passado, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 1.221.446, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu a questão de forma definitiva: limitou o acréscimo de 25% unicamente ao valor das aposentadorias por INVALIDEZ, alterando substancialmente o entendimento anterior, datado de agosto de 2018, que estendia o adicional a todas as espécies do referido benefício - Decisão do STJ garante o Acréscimo de 25% a todos os tipos de Aposentadoria (clique para ler).

Por ocasião do julgamento do recurso em sede de repercussão geral pela Corte Suprema, foi fixada a seguinte tese, por voto da maioria dos Ministros:

No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar ou ampliar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão de extensão do auxílio da grande invalidez a todas às espécies de aposentadoria.

Quanto à modulação dos efeitos da referida decisão, foram preservados os direitos dos segurados que obtiveram judicialmente o reconhecimento da necessidade de assistência e acompanhamento permanente e o consequente acréscimo no valor da aposentadoria (independentemente da modalidade), em decisão já transitada em julgado, ou seja, não mais passível de modificação.

Ademais, foi declarada a desnecessidade de devolução dos valores recebidos pelos segurados de boa-fé, por meio de decisão judicial ou administrativa até a data do julgamento do recurso pelo STF - adicional este que não mais será pago dali em diante, com base no princípio da "irrepetibilidade de alimentos".