::Other Languages ::

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Direito Médico e o Consentimento Informado

Importante aspecto ético a ser observado na relação médico-paciente é a da participação deste nas decisões concernentes ao restabelecimento de sua saúde, de forma a exercitar o seu direito constitucional fundamental à autodeterminação. A concordância com o tratamento/ procedimento a ser realizado deverá se dar de forma expressa, através de documento próprio denominado "termo de consentimento informado" ou "termo de consentimento livre e esclarecido".

Para tanto, mostra-se imprescindível que o profissional médico preste todas as informações necessárias ao paciente, de forma clara, objetiva, verdadeira e precisa, de modo a que este tenha plana ciência de todos os benefícios e riscos/ implicações que poderão advir da terapêutica recomendada (tanto no presente quanto no futuro) bem como de alternativas viáveis (e disponíveis) àquele procedimento. 

O princípio da autonomia da vontade (oriundo do Direito Civil) diz respeito à possibilidade do indivíduo estipular livremente, e decidir de acordo com seus interesses. E para que seja exercido de forma plena pelo paciente, há de ser cumprido o dever de informação pelo médico, de modo mais completo possível. Assim, o termo de consentimento do paciente somente terá validade quando este receber todas as informações necessárias (de forma compreensível, sem termos técnicos) para que possa expressar - com convicção, segurança e consciência - a sua vontade.

Em sendo prestadas explicações de forma dúbia, genérica ou incompleta, o documento médico poderá ser considerado inválido, ensejando a possibilidade de condenação do profissional da saúde pelos danos ocasionados ao paciente em razão da falha no dever de informação.

NÃO BASTA O MÉDICO INFORMAR OS RISCOS E DIFICULDADES de determinado procedimento; É PRECISO QUE O PACIENTE COMPREENDA O QUE ESTÁ LHE SENDO DITO e participe ativamente das decisões referentes à sua vida. 

Inclusive, tratamos recentemente desse aspecto no artigo Assistência à Saúde: Humanização das Relações , também mencionado em Testemunhas de Jeová x Transfusão de Sangue (clique nos links para ler).

Segue abaixo a ementa de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.848.862, de relatoria do Ministro Bellizze), em que a Corte Superior, ao reconhecer falha no dever de informação, condenou um cirurgião e um anestesista ao pagamento de danos morais à família de paciente que veio a óbito:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO REALIZADO PARA RESOLVER SÍNDROME DA APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO (SASO). FALECIMENTO DO PACIENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO ACERCA DOS RISCOS DA CIRURGIA. CONSTATAÇÃO APENAS DE CONSENTIMENTO GENÉRICO (BLANKET CONSENT), O QUE NÃO SE REVELA SUFICIENTE PARA GARANTIR O DIREITO FUNDAMENTAL À AUTODETERMINAÇÃO DO PACIENTE. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. REDUÇÃO DO VALOR FIXADO, CONSIDERANDO AS PARTICULARIDADES DA CAUSA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

1. O presente caso trata de ação indenizatória buscando a reparação pelos danos morais reflexos causados em razão do falecimento do irmão dos autores, ocasionado por choque anafilático sofrido logo após o início da indução anestésica que precederia procedimento cirúrgico para correção de apnéia obstrutiva do sono, a qual causava problemas de "ronco" no paciente.

1.1. A causa de pedir está fundamentada não em erro médico, mas sim na ausência de esclarecimentos, por parte dos recorridos - médico cirurgião e anestesista -, sobre os riscos e eventuais dificuldades do procedimento cirúrgico que optou por realizar no irmão dos autores.

2. Considerando que o Tribunal de origem, ao modificar o acórdão de apelação na via dos embargos declaratórios, fundamentou o decisum na ocorrência de omissão e erro material no acórdão embargado, não há que se falar em violação do art. 535 do CPC/1973.

3. Todo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade, o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento médico, possibilitando, assim, manifestar, de forma livre e consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica envolvida, por meio do consentimento informado. Esse dever de informação encontra guarida não só no Código de Ética Médica (art. 22), mas também nos arts. 6º, inciso III, e 14 do Código de Defesa do Consumidor, bem como no art. 15 do Código Civil, além de decorrer do próprio princípio da boa-fé objetiva.

3.1. A informação prestada pelo médico deve ser clara e precisa, não bastando que o profissional de saúde informe, de maneira genérica, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação. Com efeito, não se admite o chamado "blanket consent", isto é, o consentimento genérico, em que não há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito fundamental à autodeterminação.

3.2. Na hipótese, da análise dos fatos incontroversos constantes dos autos, constata-se que os ora recorridos não conseguiram demonstrar o cumprimento do dever de informação ao paciente - irmão dos autores/recorrentes - acerca dos riscos da cirurgia relacionada à apnéia obstrutiva do sono. Em nenhum momento foi dito pelo Tribunal de origem, após alterar o resultado do julgamento do recurso de apelação dos autores, que houve efetivamente a prestação de informação clara e precisa ao paciente acerca dos riscos da cirurgia de apnéia obstrutiva do sono, notadamente em razão de suas condições físicas (obeso e com hipertrofia de base de língua), que poderiam dificultar bastante uma eventual intubação, o que, de fato, acabou ocorrendo, levando-o a óbito.

4. A despeito da ausência no cumprimento do dever de informação clara e precisa ao paciente, o que enseja a responsabilização civil dos médicos recorridos, não deve prevalecer o valor da indenização fixado pelo Tribunal de origem na apelação, como pleiteado pelos recorrentes no presente recurso especial, revelando-se razoável, diante das particularidades do caso, a fixação do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada autor, acrescido de correção monetária desde a data da presente sessão de julgamento (data do arbitramento), a teor do disposto na Súmula 362/STJ, além de juros de mora a partir da data do evento danoso (27/3/2002 - data da cirurgia), nos termos da Súmula 54/STJ.

5. Recurso especial provido em parte.

(REsp n. 1.848.862/RN, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022).

(grifos nossos)


terça-feira, 21 de junho de 2022

Desenvolvimento Biopsicossocial do Ser Humano

O ser humano, que é a soma dos atributos genético-hereditários com os fatores ambientais, tem sua personalidade singular moldada pela forma com que reage aos estímulos, acontecimentos e experiências que passa a vivenciar e experimentar desde o nascimento, e que provavelmente o acompanharão pelo resto da vida. A partir da mais tenra idade, os processos mentais e físicos interagem constantemente e se influenciam mutuamente. Fatores como comportamento, estilo de vida (alimentação, exercícios físicos, meditação) e relação do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com o mundo impactam diretamente em sua saúde.

Estudos demonstram que a conexão entre a mente e o corpo, quando não se encontra em harmonia, pode influenciar até mesmo no aparecimento de doenças. Hoje sabemos que ansiedade, depressão, úlcera, hipertensão, alergias, exaustão, dores de cabeça, indisposição e até queda na imunidade podem surgir sem qualquer base orgânica aparente: são os fatores psicológicos que deixam o corpo vulnerável.

O modelo biomédico tradicional, que analisa o paciente e a doença, tem sido substituído pelo modelo biopsicossocial, que busca tratar a pessoa em sua integralidade – nas dimensões física, mental, emocional e espiritual. Da mesma forma, a psicologia da saúde modernamente aplicada propõe uma abordagem holística que leva em conta o ser humano em suas perspectivas biológica, psíquica e social. Para além da interdisciplinaridade na análise e busca das causas da doença, a humanização da medicina com a participação ativa do paciente (por meio de uma comunicação bilateral, franca e aberta, visando a construção de vínculo e estabelecimento de rapport) é fundamental para a melhor escolha do tratamento, seu comprometimento em segui-lo, e consequente facilitação do processo de cura.

A Neurociência, cujo objeto de estudo primordial são os sinais elétricos, ligações sinápticas/ conexões neurais de um complexo sistema denominado cérebro – e todos os mistérios que até hoje o cercam, face às inúmeras, constantes e espetaculares descobertas da ciência –, nos mostra como as nossas vivências/ forma de pensar e sentir são capazes de alterar e interferir no desenvolvimento cognitivo (inteligência, memória, emoções). Isso nos aproxima de conceitos como autoconhecimento, empatia, acolhimento, solidariedade, além da auto-observação, pensamento positivo, busca da harmonia, da paz de espírito, da alegria de viver, imprescindíveis para termos uma vida plena e saudável em sua integralidade.


segunda-feira, 13 de junho de 2022

Taxatividade do Rol de Coberturas da ANS

 Há exatos 12 anos, iniciamos as postagens do ::BLoG:: com uma notícia acerca do mesmo tema objeto do artigo de hoje - Novas regras para os Planos de Saúde (clique no link para ler). Na ocasião, informamos que as Operadoras estavam sendo obrigadas a ampliar a cobertura básica dos planos individuais e coletivos, com a inclusão de 70 procedimentos inéditos à época, tanto médicos quanto odontológicos (dentre eles o transplante de medula óssea e a colocação de coroas dentárias), bem como o aumento do limite de consultas em algumas especialidades médicas.

Nesta data, iremos tratar sobre o julgamento ocorrido na semana passada, em que o Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos dos seus Ministros, entendeu pela taxatividade do rol de procedimentos com cobertura obrigatória pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). O debate girava em torno dos seguintes aspectos: considerar o rol como exemplificativo (o que estaria mais próximo da concretização das políticas públicas na área da saúde, conforme idealizado pela Constituição Federal de 1988) ou determiná-lo como taxativo (visando manter o equilíbrio econômico-financeiro do mercado de planos de saúde).

Importante dizer que, nos últimos anos, houve uma hiperjudicialização das questões envolvendo saúde, em razão das negativas, por parte das Operadoras, em fornecer determinados serviços/ procedimentos/ tratamentos aos seus conveniados. Levadas à apreciação do Poder Judiciário, muitas vezes as demandas são julgadas procedentes pelos Magistrados, e não raro os pedidos são deferidos já em sede de liminar.

Embora a Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/98) estabeleça que as Operadoras devem promover a cobertura obrigatória de todas as doenças listadas na CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), a qual emana da Organização Mundial da Saúde (OMS) e prevê exceções, não nos parece adequado que a ANS - órgão criado pela Lei n.º  9.961/2000, cuja competência é a de regulamentar as exigências mínimas e elaborar o rol de procedimentos de cobertura obrigatória - tenha poderes para restringir e excluir ainda mais coberturas assistenciais, além daquelas constantes da própria norma legal. 

SITE DA ANS - Verificar cobertura de plano

Essa prática, conforme entendimento explanado pela Ministra Nancy Andrighi em seu voto divergente, configuraria uma atuação abusiva e ilegal da ANS (que exara normas infralegais), colocando o consumidor conveniado - hipossuficiente e vulnerável - em desvantagem exagerada na relação de consumo, uma vez que a taxatividade lhe retira o direito de se beneficiar de todos os possíveis procedimentos e eventos em saúde que se façam necessários para o seu tratamento médico. Por certo que a ANS atualiza, de tempos em tempos, seu rol de coberturas mínimas; porém, não com a velocidade das inovações que a tecnologia apresenta frequentemente na área da saúde.

Um dos aspectos mencionados para a fixação do entendimento vencedor é a de que a estipulação de um rol tem por objetivo proteger os conveniados - tanto de evitar a sua submissão a procedimentos e tratamentos que não tenham respaldo científico, quanto no sentido financeiro, evitando aumentos excessivos. Isso porque o valor da mensalidade do plano de saúde leva em consideração o conceito de mutualidade e equilíbrio atuarial, sendo arbitrado após a realização de cálculos estatísticos e de probabilidade para fins de aferição da cobertura do risco. Em sendo o rol meramente exemplificativo (podendo ser interpretado de forma ampla e irrestrita), na visão dos Ministros que aderiram a esta tese, se tornaria bastante difícil a precificação, o que elevaria (e muito) o valor das parcelas mensais, inviabilizando a manutenção de muitos planos de saúde, especialmente os firmados pela população mais carente - o que também comprometeria a solvência das Operadoras privadas.

Aspecto que vinha sendo muito debatido no Judiciário até então diz respeito à seguinte questão: embora o plano de saúde possa estipular quais as doenças terão cobertura, é o profissional médico que está atendendo o paciente quem pode (e deve) indicar a melhor terapêutica a ser ministrada na busca de sua cura. Neste momento, impera a incógnita: como decidirão os Juízes diante dessa nova ideia? Há alguns meses escrevemos sobre os Planos de Saúde e Tratamento para Autismo. Como ficarão essas crianças que necessitam de tratamento multiprofissional para seu pleno desenvolvimento, o qual é desde sempre negado pelas Operadoras sob alegação de ausência de previsão das terapias complementares no rol da ANS?

O tema é complexo e muito provavelmente será analisado pelo Supremo Tribunal Federal, face a questão constitucional envolvida (direito à saúde). A nosso ver, ao tornar taxativo o rol da ANS - que prevê as coberturas mínimas - a decisão do STJ representa retrocesso na jurisprudência pátria, a qual, em sua maioria, reconhecia os direitos dos consumidores no que tange ao alcance dos tratamentos e terapêuticas mais adequados à sua condição particular, devidamente recomendados por seus médicos. É possível que aumente o número de demandas judiciais buscando a cobertura de exames, medicamentos, terapias. Mas como se portarão os Magistrados diante das futuras negativas dos planos fundadas no acórdão exarado da Corte Superior? Só nos resta aguardar as cenas dos próximos (e eletrizantes) capítulos. 

__________________________________


Teses fixadas pela decisão do STJ:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2.  A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.


sexta-feira, 10 de junho de 2022

Assistência à Saúde: Humanização das Relações

A assistência à saúde vem experimentando importantes e substanciais mudanças nos últimos anos. Passou-se a verificar que a comunicação, informação e humanização das relações entre profissional e paciente possui estrita ligação com a maior adesão ao tratamento, em razão do estabelecimento de confiança e rapport.

Conforme a literatura médica, os modelos de assistência são divididos em: biomédico (a doença é tratada como uma relação causa-efeito, o corpo é visto como uma máquina), paternalista (o paciente não recebe muitas informações, é totalmente dependente do profissional que o atende), informativo (o profissional repassa informações ao paciente, mas nem sempre existe um diálogo) e comunicacional (em que o paciente é tratado em todas as suas dimensões – biopsicossocial). Muito embora o modelo biomédico ainda seja o mais utilizado em nosso sistema de saúde, o comunicacional, que avalia o paciente em uma visão holística e do qual participa efetivamente do processo diagnóstico e de cura, vem conquistando seu espaço.

A realidade tem mostrado que a criação e manutenção de vínculo entre o profissional da área da saúde com o paciente permite uma maior interação, dada a relação de confiança que se estabelece. Assim, o paciente poderá fornecer informações valiosas acerca da realidade que o cerca, seu comportamento, modo de vida e experiências que teve, as quais poderão ser fundamentais não apenas para compreender a origem da doença como também para escolher, em conjunto com o profissional da saúde, qual a melhor opção de tratamento para o seu caso, dentre as possibilidades que se apresentam, levando em conta suas características pessoais.

Em linhas gerais, a Psicologia da Saúde visa a promoção e manutenção da saúde, bem como a prevenção e tratamento de doenças. Busca entender como os fatores biológicos, comportamentais e sociais influenciam sobre a manutenção da saúde e desenvolvimento de doenças, por meio da análise de sua subjetividade, ou seja, do modo de vida do indivíduo e sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Sua atuação mostra-se de fundamental importância em hospitais, clínicas e universidades, para operar nos complexos processos doença-internação-tratamento e na dinâmica enfermo-família-equipe de saúde. Ademais, há de se averiguar diversos aspectos envolvidos no caso (sentimentos, desejos, fantasias, pensamentos, sonhos e conflitos) que podem ter causado a patologia, desencadeado a doença, agravado o quadro clínico, mantido a situação de adoecimento ou ser consequência da patologia.

A humanização nos serviços de saúde faz com que o paciente seja visto (e tratado) como um sujeito ativo na relação, e demanda o desenvolvimento de habilidades importantes como a sensibilidade, empatia, solidariedade e acolhimento por parte do profissional. Esta prática diferenciada, que consiste no diálogo em linguagem acessível, de modo a que o paciente compreenda, reflita e pondere em conjunto com o profissional que está lhe atendendo, visando o restabelecimento de sua saúde, certamente trará uma melhoria na qualidade dos serviços prestados.

terça-feira, 7 de junho de 2022

Penhora de Bem de Família na Locação Comercial

Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 1.307.334 em sede de repercussão geral, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de seus pares, fixou a seguinte tese:

TEMA 1.127. É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial.

Até então, era majoritário o entendimento de que, no caso do contrato de locação de imóvel comercial, prevaleciam o princípio da isonomia, o direito social à moradia e a observância do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição Federal - o que foi tema de artigo aqui no ::BLoG:: Locação Comercial x Bem de Família do Fiador (clique para ler).

Conforme o julgado, o fiador, quando da assinatura do contrato de locação - independentemente de ser residencial ou comercial -, tem plena consciência dos riscos que está assumindo, eis que a fiança é prestada de livre e espontânea vontade. Neste sentido, é sabedor de que seu patrimônio estará sujeito à constrição em caso de inadimplemento dos alugueis pelo locatário. Aliás, Nos Contratos, não confunda Fiador com Testemunha (clique para ler).

Ademais,  a Lei n.º 8.009/90 (que trata da impenhorabilidade do bem de família), ao dispor sobre as exceções à regra, não faz distinção entre a garantia locatícia comercial ou residencial, pelo que entenderam os Ministros (em sua maioria) pela constitucionalidade da penhora. Assim:

Art. 1.º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. (...)    

Art. 3.º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...)

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. 

Segue a ementa do julgado do STF:

CONSTITUCIONAL E CIVIL. ARTIGO 3º, VII, DA LEI 8.009/1990. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. RESPEITO AO DIREITO DE PROPRIEDADE, À LIVRE INICIATIVA E AO PRINCÍPIO DA BOA FÉ. NÃO VIOLAÇÃO AO ARTIGO 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. Os fundamentos da tese fixada por esta CORTE quando do julgamento do Tema 295 da repercussão geral (É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/1990 com o direito à moradia consagrado no art. 6° da Constituição Federal, com redação da EC 26/2000), no tocante à penhorabilidade do bem de família do fiador, aplicam-se tanto aos contratos de locação residencial, quanto aos contratos de locação comercial. 2. O inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/1990, introduzido pela Lei 8.245/1991, não faz nenhuma distinção quanto à locação residencial e locação comercial, para fins de excepcionar a impenhorabilidade do bem de família do fiador. 3. A exceção à impenhorabilidade não comporta interpretação restritiva. O legislador, quando quis distinguir os tipos de locação, o fez expressamente, como se observa da Seção III, da própria Lei 8.245/1991 – que, em seus artigos 51 a 57 disciplinou a “Locação não residencial”. 4. No pleno exercício de seu direito de propriedade, o fiador, desde a celebração do contrato (seja de locação comercial ou residencial), já tem ciência de que todos os seus bens responderão pelo inadimplemento do locatário – inclusive seu bem de família, por expressa disposição do multicitado artigo 3°, VII, da Lei 8.009/1990. Assim, ao assinar, por livre e espontânea vontade, o contrato de fiança em locação de bem imóvel – contrato este que só foi firmado em razão da garantia dada pelo fiador –, o fiador abre mão da impenhorabilidade de seu bem de família, conferindo a possibilidade de constrição do imóvel em razão da dívida do locatário, sempre no pleno exercício de seu direito de propriedade. 5. Dentre as modalidades de garantia que o locador poderá exigir do locatário, a fiança é a mais usual e mais aceita pelos locadores, porque menos burocrática que as demais, sendo a menos dispendiosa para o locatário e mais segura para o locador. Reconhecer a impenhorabilidade do imóvel do fiador de locação comercial interfere na equação econômica do negócio, visto que esvazia uma das principais garantias dessa espécie de contrato. 6. A proteção à moradia, invocada pelo recorrente, não é um direito absoluto, devendo ser sopesado com (a) a livre iniciativa do locatário em estabelecer seu empreendimento, direito fundamental também expressamente previsto na Constituição Federal (artigos 1º, IV e 170, caput); e (b) o direito de propriedade com a autonomia de vontade do fiador que, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato. 7. Princípio da boa-fé. Necessária compatibilização do direito à moradia com o direito de propriedade e direito à livre iniciativa, especialmente quando o detentor do direito, por sua livre vontade, assumiu obrigação apta a limitar sua moradia. 8. O reconhecimento da impenhorabilidade violaria o princípio da isonomia, haja a vista que o fiador de locação comercial, embora também excepcionado pelo artigo 3º, VII, da Lei 8.009/1990, teria incólume seu bem de família, ao passo que o fiador de locação residencial poderia ter seu imóvel penhorado. 9. Recurso Extraordinário DESPROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1127: É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial. (grifos nossos)