::Other Languages ::

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Auxílio Emergencial é Impenhorável

Como sabido, o Auxílio Emergencial, instituído em abril deste ano pela Lei n.º 13.982/20, trata-se de benefício financeiro de R$ 600,00 (seiscentos reais) que está sendo disponibilizado, inicialmente pelo período de 03 (três) meses (podendo ser prorrogado, se for mantido o estado de calamidade pública), para garantir uma renda mínima aos trabalhadores brasileiros em situação de maior vulnerabilidade (informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados), desde que cumpridos determinados requisitos legais.

Inclusive, já tratamos sobre o tema Auxílio Emergencial  aqui no BLoG.

Recentemente, a Lei n.º 13.998/20, de 14 de maio de 2020, incluiu o § 13.º ao artigo 2.º da norma supracitada, cuja redação segue transcrita:

Art. 2.º (...)
§ 13.º  Fica vedado às instituições financeiras efetuar descontos ou compensações que impliquem a redução do valor do auxílio emergencial, a pretexto de recompor saldos negativos ou de saldar dívidas preexistentes do beneficiário, sendo válido o mesmo critério para qualquer tipo de conta bancária em que houver opção de transferência pelo beneficiário. 

Assim, está expressamente proibida a realização de descontos nos valores recebidos a título de auxílio emergencial por parte dos bancos e das instituições financeiras, em razão de empréstimos, consignados ou recomposição de saldos negativos.

Em momento anterior, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia publicado a Resolução n.º 318/2020, em que orientava os Juízes a não realizar penhora online dos valores, em razão de seu caráter alimentar. Assim:

Art. 5º Recomenda-se que os magistrados zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na Lei nº 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do CPC.
Parágrafo único. Em havendo bloqueio de valores posteriormente identificados como oriundos de auxílio emergencial, recomenda-se que seja promovido, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, seu desbloqueio, diante de seu caráter alimentar.

Ademais, o Código de Processo Civil prevê que o salário é bem impenhorável:

Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2.º;
(...)
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
(...)

§ 2.º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

Desse modo, verificamos que, atualmente, a única hipótese de desconto nos valores recebidos a título de Auxílio Emergencial é para o pagamento de pensão alimentícia, o que deverá ser avaliado em cada caso concreto, tendo em vista o caráter alimentar do benefício - ou seja, há de ser observado o binômio da efetiva necessidade do(a) alimentado(a) x possibilidade do(a) alimentante.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Dos Deveres das Partes no Processo - CPC/2015

* ATUALIZAÇÃO de artigo no BLoG * 
Já escrevemos sobre o tema Dos Deveres das Partes no Processo em 30/09/2010, quando estava em vigor o Código de Processo Civil de 1973.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, inciso XXXV, dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Significa dizer, em outras palavras, que todo aquele que se considerar prejudicado em alguma situação poderá buscar, através da competente demanda judicial, a cessação ou a reparação do dano. É o denominado direito fundamental de ação, ou do livre acesso à jurisdição.

Ocorre que, muito embora seja de conhecimento público que a legislação pátria possibilita o ajuizamento dos mais diversos tipos de ação em face de quaisquer pessoas – físicas ou jurídicas, pouco se fala acerca dos deveres das partes e de seus advogados no processo, cuja observância é fundamental, conforme se verá.

Os deveres se encontram relacionados no artigo 77 do Código de Processo Civil:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

Em havendo o descumprimento de tais preceitos, sanções poderão ser aplicadas pelo Magistrado ou Tribunal, de ofício ou a requerimento da parte, como a penalidade de multa em caso de má-fé processual (importante referir que a boa-fé é presumida, e a má-fé deve ser comprovada), multa essa que, nos termos do artigo 81, "deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou."

O conceito de litigante de má-fé encontra-se previsto no artigo 80 do NCPC:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Leia também o artigo que escrevemos sobre Litigância de Má-Fé.

O Código Civil, em seu artigo 422, informa que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Podemos concluir, assim, que todo aquele que pretende ingressar com demanda em juízo (bem como seu procurador) deve fazê-lo com bom senso e razoabilidade, sopesando as conseqüências desse ato e a plausibilidade de êxito, ou seja, do pedido encontrar amparo legal e ser acolhido pelo Julgador, não ajuizando demandas temerárias nem se arriscando em verdadeiras aventuras jurídicas, sob pena de ser responsabilizado pelos danos processuais causados à parte contrária.


sexta-feira, 22 de maio de 2020

Prestação de Alimentos ao Ex-Cônjuge ou Companheiro

Aqui no BLoG, já escrevemos sobre a Maioridade Civil e Pensão Alimentícia, a possibilidade da gestante postular Alimentos Gravídicos e ainda sobre a Obrigação Alimentar dos Avós (para abrir os artigos, clique nos links).

Com base no princípio da solidariedade que deve permear todas as relações familiares, também os ex-cônjuges ou ex-companheiros podem ser chamados a prestar alimentos.

Nos termos do artigo 1.694 do Código Civil de 2002, "podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação." Por conseguinte, o artigo 1.695 dispõe que "são devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento."

Conforme recente julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), "é cada vez mais firme o entendimento de que os alimentos devidos entre ex-cônjuges têm caráter excepcional e transitório, salvo quando presentes particularidades que justifiquem a prorrogação da obrigação, tais como a incapacidade laborativa, a impossibilidade de (re)inserção no mercado de trabalho ou de adquirir autonomia financeira." (Recurso Especial n.º 1.829.295/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/03/2020).

Sendo regra que vale tanto para a ex-cônjuge mulher quanto para o homem, o fato é que o fim do casamento há de marcar o início de um novo caminho de vida para os ex-consortes, devendo ser estimulada a independência financeira de ambos. Assim, eventual necessidade de prestação de alimentos deverá ser assegurada pelo tempo estritamente necessário para que a pessoa se (re)coloque no mercado de trabalho e possa prover sua subsistência por meios próprios.

Importante ressaltar que há situações excepcionais que demandam um olhar diferenciado, como é o caso, por exemplo, daquela mulher que se casou muito jovem e acabou se dedicando única e exclusivamente à família durante sua vida adulta inteira (às vezes por 50, 60 anos), se divorciando do marido já em idade avançada.

Conforme precisamente estabelece o professor Rolf Madaleno em sua obra:

"É fato incontroverso que os alimentos entre esposos é direito cada vez mais escasso nas demandas judiciais e, nessa linha tem se direcionado o STJ considerando que, em regra, todos os alimentos entre os cônjuges e conviventes são transitórios, especialmente em decorrência da propalada igualdade constitucional dos cônjuges e gêneros sexuais, reservada para casos pontuais de real necessidade de alimentos, quando o cônjuge ou companheiro realmente não dispõe de condições financeiras e tampouco de oportunidades de trabalho, talvez devido a sua idade, ou por conta da sua falta de experiência, assim como faz jus a alimentos quando os filhos ainda são pequenos e dependem da atenção materna.

A obrigação alimentar entre cônjuge é recíproca e está vinculada à efetiva penúria, não mais se presumindo a necessidade da mulher aos alimentos, como inclusive previsto na Lei 5.478/1968. Trata-se de uma revolução social, aportada com a emancipação da mulher na relação conjugal e com a Carta Política de 1988, ao desfazer o sistema impetrante na organização familiar que considerava o marido como sendo o provedor econômico da mulher e filhos, e que, portanto, ela sempre tinha direito aos alimentos, salvo se expressamente afirmasse deles não precisar (art. 4º da Lei 5.478/1968), cuja presunção de necessidade, hoje, apenas milita em favor dos filhos menores e incapazes.

As funções atribuídas aos cônjuges durante o matrimônio irão definir o cumprimento da obrigação alimentar, pois doravante o princípio da igualdade precisa ser aplicado casuisticamente, segundo as características de cada grupo familiar, de acordo com as atividades remuneratórios desenvolvidas pelos integrantes do par afetivo, consideradas igualmente as condições de desempenho futuro, quando um dos consortes está estudando, ou cuidando dos filhos ainda pequenos. Também serão considerados os ingressos de cada consorte, seus bens particulares, a massa dos bens nupciais, sua administração e valores aportados.

A igualdade constitucional não está inteiramente consolidada no plano da existência e por conta desta realidade ainda é grande o número de ações de alimentos propostas pelas esposas e companheiras."

(MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.1.024). 

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Homossexuais Podem Doar Sangue Sim!

Em 17 de maio de 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que a excluiu da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Desde então, a data é considerada um marco na luta dos gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans e intersex pelo direito à diversidade sexual e respeito aos direitos humanos - tornando-se o Dia Internacional contra a Homofobia ou Combate à LGBTIfobia.

No início de maio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos (7 x 4), declarou inconstitucionais as normas expedidas pelo Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, de forma discriminatória e ofensiva, excluíam do rol de habilitados para doação de sangue os “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes nos 12 meses antecedentes". Em outras palavras, a Portaria n.º 158/16 do MS e a Resolução RDC n.º 34/14 da ANVISA basicamente proibiam os gays de doarem sangue no Brasil. 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5543 foi ajuizada em junho de 2016 e começou a ser julgada em outubro de 2017, quando foi interrompida em razão do pedido de vista dos autos realizado pelo Ministro Gilmar Mendes. Com a crise gerada pela pandemia do COVID-19 e a baixa nos estoques de sangue dos hemocentros de todo país, o assunto voltou à agenda da Corte no mês de março deste ano.

Conforme as regras vigentes até então, além dos requisitos aplicáveis a todos os cidadãos, os homossexuais, para que pudessem efetuar a doação, não poderiam ter mantido relações sexuais com outros homens nos últimos 12 (meses). Analisando as restrições, era como se houvesse uma incompatibilidade quase absoluta entre o ato solidário de doar sangue a quem necessita X a liberdade do homem gay viver plenamente sua vida sexual. 

Assim, nos termos do recente julgado de relatoria do Ministro Edson Fachin, restou estabelecido que o regramento anterior violava frontalmente a dignidade humana e a regra da não-discriminação, tratando os gays "de forma injustificadamente desigual, afrontando-se o direito fundamental à igualdade".

A TÍTULO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO:

Quando a AIDS surgiu nos anos 80, a grande maioria dos infectados eram homossexuais; tempos depois, o grupo de risco passou a contemplar os usuários de drogas injetáveis (cocaína e heroína); os heterossexuais; as pessoas que receberam transfusão de sangue; e os hemofílicos. Atualmente, esse conceito/ estigma encontra-se completamente ultrapassado.

Basta analisar a seguinte situação hipotética: quem tem mais chance de se infectar? 
Um homossexual que possui parceiro fixo há anos (ambos HIV negativo) ou que adota medidas de precaução em suas relações (como o uso de preservativos), OU
Uma mulher casada (que não usa preservativos) com um homem infectado ou que tem relações sexuais desprotegidas fora do matrimônio? 

Assim, o conceito de "grupo de risco" foi substituído pelo de "comportamento de risco": não interessa a orientação sexual, mas o número de parceiros, os cuidados tomados e o estado de infecção (ou não). Isso porque o vírus HIV é transmissível a todos, independentemente de ser homo ou heterossexual: todas as relações desprotegidas são passíveis de propagação do agente causador da AIDS.

O preconceito que os bancos de sangue tinham contra os homossexuais no passado perdurava até agora - embora não fizesse nenhum sentido. Uma das questões levantadas diz respeito à janela imunológica - período de tempo entre a infecção e a produção de anticorpos pelo organismo contra o HIV em uma quantidade suficiente para detectar o vírus no sangue coletado, através do teste rápido. Ocorre que, com a evolução tecnológica que temos hoje, a janela imunológica que antes ia de 04 a 08 semanas (testes de primeira geração), baixou para 15 dias (ensaios de quarta geração). Ora, isso se aplica a todos, independentemente de sua orientação sexual.

Por fim, transcrevemos elucidativo trecho do voto do eminente Relator Fachin:

"É, pois, imperioso modificar o critério de restrição fundado em grupo de risco (baseado no gênero, na orientação sexual) para condutas de risco (baseado no comportamento, nas práticas, ações, arriscadas). No presente caso, agir com segurança e precaução em relação à doação de sangue, em relação aos doadores e aos receptores, é estabelecer políticas públicas que levem em conta as condutas, os comportamentos, as práticas e as ações das pessoas candidatas a doadoras, e não gênero com o qual a pessoa doadora se relacionou ou a sua orientação sexual. (...)

As normas do Ministério da Saúde (art. 64, inciso IV, da Portaria n. 158/2016) e da ANVISA (art. 25, inciso XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada ? RDC n. 34/2014) estabelecem, portanto, uma indigna discriminação injustificável, tanto do ponto de vista do direito interno, quanto do ponto de vista da proteção internacional dos direitos humanos, à medida que pressupõem serem os homens homossexuais e bissexuais, por si só, um grupo de risco, sem se debruçar sobre as condutas que verdadeiramente os expõem a uma maior probabilidade de contágio de AIDS ou outras enfermidades a impossibilitar a doação de sangue."

sábado, 16 de maio de 2020

Telemedicina em Tempos de COVID-19

Em 15 de abril passado, entrou em vigor a Lei n.º 13.989/2020, que dispõe sobre o uso da telemedicina enquanto durar a crise causada pelo coronavírus no Brasil. 

A medida foi adotada com o objetivo de resguardar a saúde dos médicos e dos pacientes relacionados ao COVID-19, possibilitando a continuidade dos atendimentos sem que seja necessária a presença física em consultório ou hospital, o que poderia expor as pessoas ao risco de contaminação.

O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM n.º 1.643/2002, em seu artigo 1.º, veio "definir a Telemedicina como o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audio-visual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde."

Já o artigo 2.º dispõe que "os serviços prestados através da Telemedicina deverão ter a infraestrutura tecnológica apropriada, pertinentes e obedecer as normas técnicas do CFM pertinentes à guarda, manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional." 

Em outras palavras, trata-se do exercício da Medicina por meio das tecnologias da informação e comunicação - TIC's (que assegurem a integridade, segurança e sigilo dos dados), ou "Medicina à distância", que tem como objetivo aumentar/ viabilizar o acesso da população à saúde, que é um direito fundamental previsto na Constituição.

Aspecto importante a ser observado quanto ao tema é a possível ausência de relação prévia presencial, em que o médico procede ao exame físico do paciente (inspeção, palpação, percussão e ausculta - considerados os 4 pilares do atendimento clínico), recurso este que muitas vezes se mostra fundamental para um correto diagnóstico.

Por isso a importância do dever de informação, de modo a evitar a falha na prestação do serviço. Inclusive, o artigo 4.º da Lei n.º 13.989/2020, determina que "o médico deverá informar ao paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, tendo em vista a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta."

A Portaria n.º 467/2020, exarada pelo Ministério da Saúde em 20/03/2020, prevê, em seu artigo 2.º, que "as ações de Telemedicina de interação à distância podem contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada."

Destaca-se que a relação médico-paciente é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo que a responsabilidade do profissional de saúde é de meio, ou seja, para que seja imputado erro médico, deverá ser comprovado que o mesmo agiu com dolo ou culpa em uma de suas modalidades: negligência, imperícia ou imprudência. 

Interessante mencionar que, no Ofício CFM n.º 1.756/2020, enviado pelo Conselho Federal de Medicina ao Ministro da Saúde em 19/03/2020, a entidade reconhece "a possibilidade e eticidade da utilização da telemedicina, além do disposto na Resolução CFM nº 1.643, de 26 de agosto de 2002, nos estritos e seguintes termos:

  1. Teleorientação: para que profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento;
  2. Telemonitoramento: ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença;
  3. Teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico."

Ou seja, nada dispõe acerca da realização de teleconsulta, o que gera relevantes dúvidas sobre a sua aplicação, uma vez que o Código de Ética Médica prevê, em seu artigo 37, que é vedado ao médico "prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento." Já o parágrafo único dispõe que "o atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina."

Da mesma forma, há de se atentar para a questão do tratamento dos dados dos pacientes, de modo a se manter a integridade, sigilo e segurança das informações, em observância ao que determina a Lei n.º 13.709/2018, mais conhecida como LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), cujo início de vigência foi postergado para maio de 2021. É de se ressaltar que os exames médicos, prontuários clínicos, atestados e receitas são protegidos pelo segredo médico.

Por fim, embora a Lei n.º 13.989/2020 contenha previsão expressa de que sua vigência é temporária - enquanto durar a pandemia do coronavírus -, acreditamos que a experiência, caso se mostre positiva, poderá representar um avanço na forma com que os serviços de saúde pública e privada são prestados no país, sendo plenamente possível que a Telemedicina, no futuro, venha a ser regulamentada pelo CFM.

terça-feira, 12 de maio de 2020

COVID-19 e Doença Ocupacional

Visando dispor sobre medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus, o Governo Federal editou, em março deste ano, a Medida Provisória n.º 927/2020.

Em recente julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia do artigo 29 da referida MP, cuja redação dispõe que "os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal."

Conforme a redação do norma, os casos de contaminação pelo coronavírus somente seriam equiparados a doença ocupacional se o empregado comprovasse o nexo de causalidade, ou seja, se demonstrasse que o contágio se deu durante o exercício de suas funções laborais, em razão de alguma ação ou omissão do empregador. Com a decisão do STF, a princípio, o ônus da prova passou a ser do empregador.

Assim, conforme entendimento da maioria dos Ministros, a regra contida no artigo 29 é inconstitucional porque ofende aqueles trabalhadores que, por atuarem em atividades essenciais (como os profissionais da área da saúde, e os que laboram em farmácias, supermercados, postos de combustíveis, motoboys, entre outros), continuam expostos ao risco de contaminação.

Desse modo, a decisão da Corte Superior assegura a observância e respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores, possibilita a responsabilização da empresa e protege o funcionário contaminado, que terá direito a requerer o amparo do INSS através da concessão de benefícios previdenciários, como é o caso do auxílio-doença.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Alteração de Fachada em Prédio Residencial

Tempos atrás fomos questionados acerca da possibilidade de um morador alterar, por conta própria e sem aviso, a fachada de sua unidade residencial situada na cobertura de um edifício, modificando de forma substancial a estética arquitetônica do prédio.

Ao tratar do condomínio edilício, o Código Civil de 2002 assim dispõe:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

Assim, temos nas relações condominiais dois direitos distintos: o do dono de cada apartamento/ unidade individual (propriedade) e o de todos os moradores do prédio sobre as áreas comuns (co-propriedade).

Quanto às normas a serem observadas pelos condôminos, temos aquelas contidas no Código Civil, na Convenção de Condomínio, no Regimento Interno e nas decisões tomadas em assembleia geral e/ou extraordinária (devidamente formalizadas em atas).

Relativamente aos deveres dos moradores de edifícios residenciais, a legislação civil brasileira assim prevê:

Art. 1.336. São deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;
II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Sobre o inciso IV já tratamos especificamente aqui no BLoG - Conduta Antissocial pode gerar Expulsão de Condômino.

Assim, sempre que um condômino pretender modificar a parte externa de sua unidade individual, deverá levar o assunto para ser debatido e votado em assembleia condominial, de modo a solicitar autorização aos demais moradores do prédio, sob pena de incidir em ilegalidade (por desrespeitar a uniformidade/ manutenção do projeto arquitetônico original) e ser obrigado a retirar o que foi colocado e/ou demolir o que foi construído (quando a questão for levada à apreciação do Poder Judiciário). 

Portanto, em resposta à indagação realizada, informamos que o fechamento da sacada/ varanda (e consequente alteração da fachada) infringe a lei e configura irregularidade, sendo cabível (e recomendável) determinar-se o desfazimento da obra e consequente retorno ao status quo ante. 

Plano de Saúde pode negar Fertilização in vitro

Em dezembro de 2015, tratamos aqui no BLoG sobre Planos de Saúde e cobertura de Fertilização In Vitro, fazendo menção à decisão emanada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul à época, que reconheceu a abusividade da negativa apresentada pelo plano de saúde diante da ausência de cláusula específica de exclusão e/ou limitação de cobertura no contrato firmado entre as partes.

Nos termos daquele julgado, a Operadora foi condenada a arcar com o pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares de internação, bem como materiais necessários ao tratamento médico a que teve de se submeter a Autora para fins de viabilizar a sua gravidez, por meio do procedimento denominado fertilização in vitro

Recentemente, a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento de recurso especial que versava sobre a matéria, determinou que não é abusiva a cláusula de plano de saúde que exclui a cobertura desse tipo de tratamento.

Isso porque obrigar as Operadoras a custear o procedimento poderá trazer repercussão negativa no equilíbrio econômico-financeiro dos planos de saúde, prejudicando não somente os demais segurados como o próprio sistema de saúde suplementar, dada a sua complexidade e onerosidade.

Assim, em não havendo previsão contratual expressa no sentido de promover a cobertura da fertilização in vitro, inexiste o dever de custeio do procedimento pelas Operadoras de planos de saúde.

O acórdão do Recurso Especial n.º 1.823.077/SP, de relatoria do Ministro Marco Buzzi, possui a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER JULGADA IMPROCEDENTE EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO - REFORMA EM SEDE DE APELAÇÃO - PLANO DE SAÚDE - INFERTILIDADE - TRATAMENTO POR MEIO DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO - NEGATIVA DE COBERTURA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL - RECUSA JUSTIFICADA.
Cinge-se a controvérsia em definir se a negativa de cobertura médica, pelo plano de saúde, de tratamento de fertilização in vitro configura-se abusiva.
1. As questões postas em discussão foram dirimidas pelo Tribunal de origem de forma suficiente, fundamentada e sem omissões, devendo ser afastada a alegada violação ao artigo 1022 do CPC/15. Consoante entendimento desta Corte, não importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pela recorrente, decidindo de modo integral a controvérsia posta. Precedentes: AgInt no REsp 1716263/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018; AgInt no AREsp 1241784/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 27/06/2018.
2. A interpretação de controvérsias deste jaez deve ter como norte, além da estrita observância aos dispositivos legais aplicáveis, o objetivo de contemplar, da melhor forma possível, tanto o efetivo atendimento às necessidades clínicas dos pacientes/contratantes, quanto o respeito ao equilíbrio atuarial dos custos financeiros a serem realizados pelas instituições de saúde suplementar.
3. A inseminação artificial e a fertilização in vitro são técnicas distintas de fecundação. A primeira, consiste no depósito do sêmen masculino diretamente na cavidade uterina. A segunda, realizada em laboratório, momento em que, após o desenvolvimento do embrião, este é transferido ao útero. Contudo, apesar de tais distinções técnicas, a rigor, ambas são tratamentos médicos que objetivam a reprodução humana.
4. A Resolução Normativa nº 192 da ANS no sentido de que "a inseminação artificial e o fornecimento de medicamentos de uso
domiciliar, definidos nos incisos III e VI do art. 13 da Resolução Normativa - RN nº 167, de 9 de janeiro de 2008, não são de cobertura obrigatória" está de acordo com o disposto nos incisos III e VI do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998.
5. A interpretação deve ocorrer de maneira sistemática e teleológica, de modo a conferir exegese que garanta o equilíbrio atuarial do sistema de suplementação privada de assistência à saúde, não podendo as operadoras de plano de saúde serem obrigadas ao custeio de procedimento que são, segundo a lei de regência e a própria regulamentação da ANS, de natureza facultativa salvo expressa previsão contratual.
6. A fertilização in vitro não possui cobertura obrigatória de modo que, na hipótese de ausência de previsão contratual expressa, é impositivo o afastamento do dever de custeio do mencionado tratamento pela operadora do plano de saúde. Precedentes. 
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.



quinta-feira, 7 de maio de 2020

Responsabilidade Objetiva Por Dano ao Trabalhador

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento de Recurso Extraordinário n.º 828.040/DF, fixou tese quanto à caracterização da responsabilidade objetiva do empregador em caso de danos ao empregado, em razão do exercício de atividade de risco na execução do contrato de trabalho. Nesse sentido:

O Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 12.03.2020.

O processo que ensejou o reconhecimento da referida tese trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada por empregado (vigilante) contra seu empregador (transportadora de valores) e o tomador de serviços (dono dos malotes de dinheiro), em razão de acidente ocorrido no exercício profissional. 

No caso em tela, foi considerado acidente de trabalho a tentativa de roubo ao carro forte de propriedade da empresa no momento em que o funcionário carregava malotes de dinheiro, tendo havido intensa troca de tiros. Embora não tenha sido alvejado, o empregado sofreu danos desencadeados pelo violento episódio (quadro depressivo grave com ideias deliróides de conteúdos persecutórios).

Ao tratar dos direitos fundamentais dos trabalhadores, o artigo 7.º da Constituição Federal de 1988 assim dispõe em seu inciso XXVIII:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Já o Código Civil de 2002, em seu artigo 927, determina o quanto segue:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.