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segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Britney, Larissa Manoela, Sandy

De tempos em tempos, surge na mídia um fenômeno infantil que, por seu talento único, carisma e simpatia, atrai o olhar encantado e conquista o coração do grande público. São crianças que, desde cedo, têm suas rotinas diárias completamente diferentes das de seus amiguinhos: para além da escola, passeios e lanches com os coleguinhas, há toda uma regrada agenda de shows, eventos, ensaios e gravações. Seja na música, cinema ou televisão, estes pequenos brilhantes acabam trabalhando (e sendo devidamente remunerados) como se adultos fossem.

E aí entra a figura importantíssima dos pais: para além dos deveres de assistir, cuidar, educar e criar, passa a existir o dever de direcionar a carreira e gerir os valores recebidos pelos filhos. Todavia, nem todos conseguem lidar com a fama dos rebentos, tampouco com a questão financeira, podendo se mostrar extremamente abusivos.

Um dos maiores exemplos negativos das últimas décadas é o da cantora norte-americana Britney Spears. Tendo iniciado sua carreira aos 10 anos de idade no programa infantil Clube do Mickey (onde também despontaram artistas como Justin Timberlake, Christina Aguilera e Ryan Gosling), lançou seu primeiro disco ainda adolescente, tornando-se uma artista de sucesso internacionalmente conhecida, com mais de 30 milhões de cópias vendidas. Já na fase adulta, passou a demonstrar um comportamento instável, com internações por dependência química e/ou questões psiquiátricas, tendo sido colocada sob tutela de seu pai em 2007, ano em que passou por um difícil divórcio e perda da guarda dos filhos. À época, o genitor obteve o domínio completo de seus bens, além de controlar grande parte da vida pessoal e profissional da artista. Após anos de denúncias de abuso paterno, no ano de 2019 surgiu o movimento "#FreeBritney", em que os fãs pediam o fim da curatela da Princesa do Pop, o que encerrou definitivamente em novembro de 2021.

Atualmente no Brasil o debate está centrado no caso da atriz mirim Larissa Manoela, que concedeu duas entrevistas ao programa Fantástico da Rede Globo nos últimos dias, expondo a dramática situação familiar e o rompimento com os pais, que até então administravam todos os seus negócios (atuando desde os 4 anos de idade, a jovem alcançou a fama ao interpretar Maria Joaquina na novela Carrossel). Segundo a artista, houve transferência de vultoso numerário de suas contas bancárias para as dos pais, a venda de um imóvel sem seu conhecimento, além da existência de questões societárias que lhe eram prejudiciais, em uma total falta de lealdade e transparência por parte de seus genitores. Aos 22 anos, como forma de seguir a vida sem deixar os pais desassistidos - apesar do abuso psicológico, emocional e financeiro praticados -, Larissa Manoela decidiu deixar-lhes um patrimônio de 18 milhões de reais.

Completamente diversa é a situação de Sandy. Filha do cantor sertanejo Xororó, junto com seu irmão Júnior alçou o estrelato ainda criança, aos 6 anos de idade. Tendo carreira plenamente estabelecida e sucesso sedimentado há décadas, o pai da dupla mirim guardava, administrava e investia o dinheiro recebido pelos pequenos, arcando com as despesas dos filhos com recursos de seu próprio bolso. 

Britney, Larissa Manoela, Sandy. Três cantoras e atrizes que conheceram o sucesso muito cedo, e cujos relacionamentos com os pais se mostraram totalmente diferentes. De um lado, a ganância de pais tóxicos, deslumbrados com o dinheiro auferido exclusivamente pelas filhas; de outro, a maturidade de um pai afetuoso que soube administrar os bens daquela que é o seu maior patrimônio: a filha.

A título de precedente sobre o assunto, temos o julgamento do Recurso Especial - REsp n.º 1.623.098 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na oportunidade, um filho ajuizou ação de prestação de contas em face de sua genitora, que administrava seus bens. Vejamos a ementa da decisão na íntegra:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEMANDA AJUIZADA PELO FILHO EM DESFAVOR DA MÃE, REFERENTE À ADMINISTRAÇÃO DE SEUS BENS, POR OCASIÃO DE SUA MENORIDADE (CC, ART. 1.689, I E II). CAUSA DE PEDIR FUNDADA EM ABUSO DE DIREITO. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. CARÁTER EXCEPCIONAL. INVIABILIDADE DE RESTRIÇÃO DO ACESSO AO JUDICIÁRIO. RECURSO DESPROVIDO.

1. A questão controvertida neste feito consiste em saber se, à luz do CPC/1973, o pedido formulado pelo autor, ora recorrido, de exigir prestação de contas de sua mãe, na condição de administradora de seus bens por ocasião de sua menoridade, é juridicamente possível.

2. O pedido é juridicamente possível quando a pretensão deduzida se revelar compatível com o ordenamento jurídico, seja por existir dispositivo legal que o ampare, seja por não encontrar vedação legal. Precedente.

3. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade, nos termos do art. 1.689, incisos I e II, do Código Civil.

4. Por essa razão, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores recebidos pelos pais em nome do menor, durante o exercício do poder familiar, porquanto há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de moradia, alimentação, saúde, vestuário, educação, entre outros.

5. Ocorre que esse munus deve ser exercido sempre visando atender ao princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal, o qual deve orientar a atuação tanto do legislador quanto do aplicador da norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional aos seus contornos.

Assim, o fato de os pais serem usufrutuários e administradores dos bens dos filhos menores, em razão do poder familiar, não lhes confere liberdade total para utilizar, como quiserem, o patrimônio de seus filhos, o qual, a rigor, não lhes pertence.

6. Partindo-se da premissa de que o poder dos pais, em relação ao usufruto e à administração dos bens de filhos menores, não é absoluto, deve-se permitir, em caráter excepcional, o ajuizamento de ação de prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no exercício desse poder, como ocorrido na espécie.

7. Com efeito, inviabilizar, de plano, o ajuizamento de ação de prestação de contas nesse tipo de situação, sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido para toda e qualquer hipótese, acabaria por cercear o direito do filho de questionar judicialmente eventual abuso de direito de seus pais, no exercício dos encargos previstos no art. 1.689 do Código Civil, contrariando a própria finalidade da norma em comento (preservação dos interesses do menor).

8. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 1.623.098/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 23/3/2018). 

GRIFOS NOSSOS.


sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Eu AMO ser Advogada!

Por ter seguido meu coração, há 20 anos me formei em Direito e me tornei Advogada. Olho pra trás com carinho e vejo uma estrada bonita, nem sempre cor-de-rosa, mas repleta de lições e aprendizados, e uma preciosa coleção de colegas-amigos. Que eu siga sonhando e batalhando por um mundo melhor e mais justo; preserve o brilho nos olhos e o coração aquecido; permaneça incansável no meu propósito de ajudar as pessoas; mantenha a minha essência e a paixão pelos estudos e, sobretudo, que eu siga honrando os responsáveis por tudo isso: pai, mãe e dinda

💖Hoje é dia de celebrar, porque eu AMO ser Advogada!💖



quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Defesa da Honra? Basta! Não mais!

Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre Feminicídio e a Legítima(?) Defesa(?) da Honra(?), tese absurda que por muito tempo foi utilizada por advogados de assassinos de mulheres como alegação de defesa nos autos do processo e perante o Tribunal do Júri, geralmente em situações envolvendo traição (real ou suposta) praticada pela esposa/ companheira/ namorada (clique no link para ler o artigo). 

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos dos seus Ministros, decidiu pela inconstitucionalidade dessa arguição, eis que viola frontalmente os princípios da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero, os quais são assegurados pela Constituição de 1988. 

Conforme a Ministra Carmen Lúcia, "é preciso que isso seja extirpado inteiramente. Mais que uma questão de constitucionalidade, que tem como base a dignidade humana, estamos falando de dignidade no sentido próprio, subjetivo e concreto de uma sociedade que ainda hoje é sexista, machista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são: mulheres donas de suas vidas".

Já a Ministra Rosa Weber asseverou que "a tese da legítima defesa da honra traduz expressão de uma sociedade "patriarcal, arcaica e autoritária" e que "não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso por causa de uma ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina."

Em um país culturalmente machista como o Brasil, em que anualmente milhares de mulheres são vítimas de violência doméstica, sob todas as formas - cujos números aumentaram exponencialmente no período da pandemia - e feminicídio (homicídio qualificado), as quais muitas vezes são vítimas de crime de ódio apenas pelo fato de serem mulheres (por misoginia e desprezo ao feminino), a extirpação da possibilidade de se alegar legítima defesa da honra como tese defensiva (para fins de absolvição do homem) mostra-se de especial relevância.

O assassinato de uma mulher (uxoricídio) tem como mola propulsora o ciúme, a vingança, o ódio, o egoísmo, a covardia, o despeito, aliados ao sentimento de posse sobre o corpo da esposa/ companheira/ namorada. Trata-se de evidente homicídio qualificado, não mais sendo possível invocar a tese da legítima defesa da honra (que sequer configura um tipo penal) para justificar uma conduta vil e inocentar um verdadeiro criminoso - o que finalmente foi reconhecido pelo STF.

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