Cartilha por mim elaborada para a disciplina de "Constitucionalização da Saúde e Saúde da Mulher, Criança, Adolescente e Idoso" do curso de Especialização em Direito Médico e da Saúde da ULBRA.
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quarta-feira, 24 de março de 2021
sexta-feira, 19 de março de 2021
Danos Morais para Herdeiros da Vítima
No final de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou Enunciado de Súmula com a seguinte redação:
Súmula 642: O direito à indenização por danos morais transmite-se com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória.
Em outras palavras: sempre que o titular (vítima) de danos morais vier a falecer, seus herdeiros poderão ajuizar ação indenizatória ou prosseguir naquela demanda que já se encontra em andamento, cujo Autor era o de cujus. Nesse sentido dispõe o artigo 943 do Código Civil, a saber:
Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.
Como exemplos, podemos citar as seguintes situações: inscrição indevida do nome do devedor em órgãos de proteção ao crédito (após seu óbito); ação movida pelo conveniado contra o plano de saúde, requerendo a realização de determinado procedimento que não foi autorizado + danos morais (e este vem a falecer em decorrência da negativa indevida); ação de responsabilidade em face de advogado que prejudicou os interesses do cliente (por ter atuado com negligência e/ou desídia), por perda de uma chance; ação de indenização por danos morais decorrentes de acidente de trânsito que vitimou o filho do Autor, sendo que este falece no decorrer do feito, e seu neto, filho da vítima do acidente, passa a ocupar o polo ativo; entre outros.
Embora a ofensa moral atinja direitos subjetivos da vítima (à imagem, à honra, à personalidade), o direito à reparação civil (que possui caráter patrimonial) se transmite com o falecimento do titular desse direito, sendo os herdeiros legitimados a ajuizar ação ou prosseguir naquela anteriormente ajuizada pelo ofendido em vida.
No que diz respeito ao inventariante, que representa ativa e passivamente o espólio (conjunto de bens que compõem o patrimônio deixado pelo falecido, e que serão partilhados no inventário entre os herdeiros e/ou legatários), o STJ simplesmente silenciou (propositalmente ou não) quando da edição da Súmula 642.
Vale lembrar que o Código de Processo Civil prevê expressamente essa hipótese, quando dispõe que:
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
VII - o espólio, pelo inventariante;
Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º.
quarta-feira, 10 de março de 2021
Feminicídio e a Legítima(?) Defesa(?) da Honra(?)
2003. Ano em que uma jovem estudante de Ciências Jurídicas e Sociais, apaixonada pelas aulas de Direito Penal, começava a escrever seu trabalho de conclusão de curso na Universidade do Vale do Rio do Sinos - Unisinos. O tema? "Uxoricídio: uma visão psicológico-jurídica do criminoso passional."
À época, a formanda, além da parte teórica e digressão histórica acerca do delito de homicídio, do julgamento perante o Tribunal do Júri e dos aspectos psicológicos e culturais que circundam o tema, mencionou em seu TCC três casos famosos e paradigmáticos de crimes cometidos no Brasil por homens contra suas companheiras, usando a mencionada tese como escusa para o bárbaro ato de retirar a vida de alguém que diziam amar.
Recentemente, o tema foi a julgamento perante a Suprema Corte brasileira - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 779 -, oportunidade em que o Ministro Dias Toffoli, de forma irretocável e em sede de liminar, vetou o uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio, posto que inconstitucional, uma vez que contraria frontalmente os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
Nos termos da legislação aplicável à excludente de ilicitude:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
(...) II - em legítima defesa;
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Ora, nos parece evidente que, da simples leitura do artigo 25 do Código Penal, se extraia a completa inadequação da tese de legítima defesa para "defender a honra". Nas palavras do Ministro Toffoli:
"Por agressão injusta, entende-se aquela que ameaça ou lesa um bem jurídico. A atualidade ou a iminência da agressão são requisitos essenciais para a caracterização da excludente de ilicitude, pois ela deve ser aferível no momento da autodefesa, não podendo ser uma situação passada ou futura. Por sua vez, ao dispor sobre o uso moderado dos meios necessários, o Código Penal está a estabelecer a proibição do excesso, no sentido de que a defesa deve consistir no uso de meios proporcionais à agressão, ou seja, suficientes para repeli-la. (...)
Diante dessa breve exposição do instituto, salta ao olhos que a “legítima defesa da honra”, na realidade, não configura legítima defesa. Tenho que a traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas, sendo que tanto homens quanto mulheres estão suscetíveis de praticá-la ou de sofrê-la. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo que se falar em um direito subjetivo de contra ela agir com violência.
Aliás, foi imbuído desse espírito e para evitar que a autoridade judiciária absolvesse o agente que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções que o legislador ordinário inseriu no atual Código Penal a regra do art. 28, segundo a qual:
'Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal:
I - a emoção ou a paixão.'"
E ainda refere:
terça-feira, 2 de março de 2021
Direito ao Esquecimento x Memória Coletiva
O direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal de 1988. Esse foi o entendimento manifestado pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 1.010.606, tendo a Corte aprovado a seguinte tese de repercussão geral:
"É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível".
Assim, restou pacificada a questão acerca da impossibilidade de se impedir a veiculação de fatos verídicos efetivamente ocorridos, pelos meios de comunicação tradicionais e/ou virtuais, após decorrido determinado período de tempo. Entretanto, eventual excesso ou abuso na divulgação da informação que extrapole o direito à liberdade de expressão será objeto de análise individual, através de uma ponderação de valores, levando-se em conta a legislação em matéria constitucional, civil e penal.
Não há como se apagar da memória coletiva fatos notórios com ares de domínio público, dada a sua ampla repercussão nacional (inclusive internacional, em alguns casos): trata-se de verdadeiro interesse público, a história do nosso país, a qual não pode ser silenciada, tampouco ocultada das futuras gerações. Porém, eventuais casos em que a liberdade de imprensa entrar em conflito com os direitos de personalidade, à intimidade e à dignidade da pessoa humana serão analisados individualmente.