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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Terceirização x Compra e Venda

Embora temas relativos ao Direito do Trabalho não sejam tratados neste blog, gostaria de trazer uma recentíssima e pioneira decisão emanada do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a respeito de terceirização. O julgado é inédito pois se trata da primeira ação que versa sobre o assunto que consegue ultrapassar o crivo de admissibilidade recursal, tendo seu mérito julgado e provido pelo TST.

Devo confessar que o objetivo principal do post é prestar uma pequena homenagem a uma grande advogada que labora nesta área do Direito, Dra. Ellen Lindemann Wother, a qual obteve, após anos de persistência e árduo trabalho, o devido reconhecimento de sua tese pela Corte Superior, na defesa de Arezzo Indústria e Comércio S/A.

A região do Vale do Sinos, nacionalmente conhecida pela grande concentração de fábricas de calçados (Novo Hamburgo, Campo Bom, Sapiranga, Igrejinha), é também cenário de uma situação bastante discutida nas relações de trabalho: a existência de responsabilidade subsidiária das grandes empresas em relação ao adimplemento dos contratos de trabalho dos funcionários das pequenas fábricas ou ateliês que produzem sapatos e lhes vendem o produto acabado, o qual é posteriormente revendido no mercado interno e externo com a colocação da marca (especificamente quanto a Arezzo, esta atua basicamente como uma franqueadora de sua marca junto a terceiros - lojistas).

Até muito pouco tempo atrás, grande maioria das decisões de primeiro e segundo graus entendiam se tratar de típico caso de terceirização, incidindo a Súmula 331, IV do TST: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações (...)” Assim, sempre que um obreiro ingressasse com uma reclamatória trabalhista em face de seu empregador e das empresas que adquiriam os produtos confeccionados, estas eram frequentemente condenadas de forma subsidiária, pois o Poder Judiciário via tais empresas como legítimos tomadores de serviço - terceirização de mão-de-obra, devendo por isso responder pelos créditos trabalhistas.

Na reclamatória em questão, ocorria o seguinte: Calçados Jardim fabricava os sapatos que, prontos e acabados, eram vendidos a outra empresa do mesmo grupo econômico (Calçados Regert). A Arezzo, em algumas oportunidades, adquiriu produtos da Calçados Regert, assim como outras grandes empresas do Vale também fizeram, e jamais manteve qualquer relação ou negócio com a empregadora do Reclamante de forma direta. Tal fato foi comprovado no processo através da realização de perícia contábil, em que o Perito verificou não existir qualquer nota fiscal de compra e venda envolvendo Calçados Jardim (empregador da obreira) e Arezzo, mas apenas e tão somente entre Arezzo e Regert, as quais demonstraram ainda que a relação mercantil se deu em um curto espaço de tempo e de forma evental entre as empresas citadas.

Assim, em acórdão publicado na data de 19 de agosto passado (RR-2348-09.2010.5.04.0000), acatando as razões de recurso da empresa Reclamada Arezzo, o TST afastou a responsabilidade subsidiária que lhe havia sido imposta em decisões anteriores, por verificar que se tratava de mera relação comercial de compra e venda de produtos prontos entre duas empresas – Arezzo e Regert, excluindo-a da lide.

Este julgado é um novo precedente na Justiça do Trabalho, pois além de rechaçar a tese de fraude trabalhista, afasta a teoria da existência de terceirização. Reconhece que, embora a empresa Arezzo tenha se beneficiado da mão-de-obra do reclamante/ funcionário do ateliê que confeccionava os calçados, este benefício se deu de forma indireta, como simples reflexo da relação comercial.

Muito embora o Direito do Trabalho tenha como um dos seus princípios máximos a proteção daqueles que laboram, parte mais vulnerável economicamente, seus direitos devem ser exigidos de quem lhes emprega ou intermedia mão-de-obra, de forma subsidiária, sob pena de se adentrar indevidamente em relações meramente contratuais, no âmbito do Direito Civil, visando garantir a efetivação dos direitos dos obreiros em detrimento de empresas que não possuem tal dever legal.

A íntegra do acórdão emanado pelo TST pode ser encontrada no link que segue:

http://aplicacao2.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR - 2348-09.2010.5.04.0000&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAHAcAAB&dataPublicacao=20/08/2010&query=arezzo e terceirização
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Publicada com exclusividade por este blog em 31/08/2010, a decisão precursora acerca do tema terceirização foi noticiada no site do TST (Tribunal Superior do Trabalho), em 27/09/2010:

http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/NO_NOTICIASNOVO.Exibe_Noticia?p_cod_area_noticia=ASCS&p_cod_noticia=11284


Um comentário:

  1. Dra. Cíntia... muito obrigada pelo post. De fato a matéria em comento é bastante complexa, até polêmica. Infelizmente o instituto da terceirização está caminhando para a banalização, e os operadores jurídicos devem atentar para essa triste realidade, para que os trabaçlhadores que tenham razão não sejam prejudicados.

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