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terça-feira, 13 de março de 2012

E se uma tragédia ocorrer?

Transcrevo aqui uma carta por mim escrita e enviada ao saite jurídico Espaço Vital (a qual foi publicada no dia 07/03), visando chamar a atenção do Poder Judiciário para uma situação bastante grave que está sendo vivida por uma família na cidade de Novo Hamburgo, RS. A demanda atualmente aguarda decisão junto ao Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4).

 http://www.espacovital.com.br/noticia-26759-e-se-uma-tragedia-ocorrer

E se uma tragédia ocorrer?
(07.03.12)


Porto Alegre, 7 de março de 2012.

Ao
Espaço Vital
Ref: Situação desesperadora à espera de sensibilidade na percepção do drama vivido por uma família.



Código de Processo Civil - Seção I

Dos Poderes, dos Deveres e da responsabilidade do Juiz

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
(...)


Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
(...)
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

O Espaço Vital é um importante canal de comunicação entre advogados e servidores da Justiça; por isso, vimos compartilhar uma situação bastante crítica que está acontecendo em uma demanda que atualmente encontra-se com recurso de agravo de instrumento pendente de julgamento perante o egrégio TRF da 4ª Região. Objetivo desta carta: chamar a atenção para a gravidade do caso àqueles que são responsáveis por apreciar e decidir a lide imposta (AI n.º 0017004-18.2011.404.0000).

Tendo em vista a gravidade da situação que segue narrada, solicitamos seja nosso desabafo publicado com brevidade no Espaço Vital, cuja visibilidade e alcance junto aos operadores do Direito nos faz crer que a justiça finalmente possa ser feita.

A questão pode ser resumida assim: os autores, por meio de um financiamento junto à CEF - o qual foi compulsoriamente segurado pela Caixa Seguradora - adquiriram um terreno e começaram a construir sua casa em regime de mutirão; a construção foi fiscalizada pelos engenheiros credenciados ao agente financeiro (que atestam a higidez da obra a cada etapa finalizada), bem como por um profissional contratado à parte pelos demandantes.

Tal profissional não apenas elaborou o projeto e a execução como também acompanhou todas as fases da obra (consoante os recibos acostados aos autos). Passados alguns meses, apareceram pequenas fissuras e rachaduras nas paredes, além do afundamento no piso da cozinha. Deflagrado o vício construtivo, os consumidores ajuizaram a competente ação de reparação de danos.

Embora a demanda tenha sido distribuída em 22/12/2009, a citação das partes rés somente foi determinada em 16/09/2011, em decorrência de uma discussão acerca da legitimidade da Caixa Econômica Federal para responder a este tipo de ação. Restou decidida, pelo STJ, a permanência da CEF no pólo passivo do feito.

Ocorre que, no decorrer deste período, os problemas estruturais no imóvel aumentaram consideravelmente (tais como o afundamento de 40 cm no chão da cozinha, o que deixou a casa sem sustentação), sendo que um laudo elaborado por engenheiro e assistente técnico independente concluiu que a residência tornara-se inabitável. Por isso, o casal deveria retirar-se imediatamente do lar, dada a possibilidade real e iminente de desabamento, o que colocava em risco a vida e integridade física dos moradores.

Diante das circunstâncias, os autores postularam ao Juízo, em sede de antecipação de tutela, a condenação dos réus ao pagamento de um aluguel mensal em outro imóvel até final julgamento da lide, eis que a soma de suas rendas não se mostra suficiente para arcar com os custos do financiamento, despesas pessoais e ainda locação de outro imóvel.

Em decisão interlocutória, a magistrada ´a quo´ indeferiu o pedido por entender que não estavam configurados os requisitos do ´fumus boni juris e do ´periculum in mora´ para sua concessão. Além disso, fundamentou seu ´decisum na necessidade de dilação probatória, por se tratar de responsabilidade civil, especialmente porque “não restou suficientemente estabelecida a responsabilidade dos réus pelos eventos narrados na petição inicial.” ´

E pior: da leitura das contestações, a juíza firmou entendimento de que “o autor pode ter contribuído decisivamente para o ocorrido”!

Apresentado recurso ao TRF-4, os autores foram novamente surpreendidos pela decisão do desembargador relator da 3ª Turma que, ao apreciar o pedido de liminar, reiterou os argumentos expendidos pela magistrada a quo. Em face de um erro material contido na decisão, foram opostos embargos de declaração em 02/02/2012, os quais aguardam julgamento.

E lá se foi mais um mês de angustiante espera e processo parado...

Causa espanto que, apesar de toda a prova documental carreada aos autos – especialmente laudos e fotos do imóvel – que denotam de forma plena a situação desesperadora dos autores, nenhum dos julgadores que analisaram o feito até o momento teve a sensibilidade de perceber o verdadeiro drama vivido por esta família.

É sabido que a mitigação de conceitos deve ser realizada sempre que se mostrar fundamental assegurar um bem maior, sob pena de se perpetrar uma iniquidade. No caso telado, a vida e integridade física dos autores é valor que não pode ser sacrificado em virtude de questões meramente pecuniárias, especialmente diante do imenso poder econômico dos réus.

Diante de tudo quanto foi narrado, a questão que fica a ser respondida é a seguinte: caso uma tragédia venha a se abater sobre a família dos autores, e dela advirem vítimas fatais, quem arcará com as consequências nefastas?

Os demandados, que tentam se eximir da evidente responsabilidade que lhes cabe?

Ou o Poder Judiciário, que fecha os olhos para uma realidade tão clarividente e não aplica o direito necessário, afastando os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988 – especialmente o da dignidade da pessoa humana – para ater-se a preciosismos que, data vênia, se mostram dispensáveis e completamente injustos no caso concreto?

Atenciosamente,

Cíntia Helena Zwetsch e
Kátia Jaqueline Rech Medeiros Rodrigues,
advogadas (OAB/RS nºs 60.544 e 52.490).

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