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domingo, 30 de março de 2014

Interdição de Psicopata

Assunto bastante polêmico foi julgado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça. Em acórdão capitaneado pela Ministra Nancy Andrighi, restou determinada a interdição civil de um rapaz diagnosticado como psicopata (aquele que tem personalidade dissocial).

Segundo definição do item F60-2 da CID 10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), trata-se de "transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade".

O Código Civil, ao tratar sobre o instituto da curatela (interdição), assim dispõe:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.

A psicopatia (e a sociopatia) são transtornos de personalidade que não se encontram elencados no rol de possibilidades de interdição acima mencionadas, o que faz com que a decisão do STJ seja pioneira, por superar os limites rígidos da lei.

No caso julgado, o Ministério Público do estado do Mato Grosso ajuizou demanda visando a decretação de interdição de um adolescente que, aos 16 (dezesseis) anos de idade, havia matado a mãe, o padrasto e um irmão pequeno a facadas. O MP  entendeu que, após o cumprimento de medida socioeducativa (internação) pelo período de 03 (três) anos - prazo máximo previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), era necessário encontrar uma alternativa para a manutenção do rapaz longe do convívio em sociedade, face a seu histórico de violência e brutalidade.

Tendo sido vencido nas instâncias inferiores, o Ministério Público recorreu ao STJ, onde foi dado provimento ao recurso, decretando-se assim a interdição do jovem, com base na necessidade de acompanhamento psiquiátrico em face do risco que o rapaz oferece a si mesmo e aos outros em razão desse distúrbio de personalidade.

Em suas razões de decidir, a Ministra Nancy Andrighi destacou a necessidade de ponderação entre os princípios e garantias constitucionais asseguradas ao indivíduo e a proteção da sociedade em relação às pessoas que não controlam suas ações e tendem a recorrer em condutas criminosas, visando assim evitar novas tragédias.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.306.687 - MT

EMENTA:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL.RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO. CURATELA. PSICOPATA. POSSIBILIDADE.
1. Ação de interdição ajuizada pelo recorrente em outubro de 2009. Agravo em recurso especial distribuído em 07/10/2011. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial publicada em 14/02/2012. Despacho determinando a realização de nova perícia psiquiátrica no recorrido publicado em 18/12/2012.
2. Recurso especial no qual se discute se pessoa que praticou atos infracionais equivalentes aos crimes tipificados no art. 121, §2º, II, III e IV (homicídios triplamente qualificados), dos quais foram vítimas o padrasto, a mãe de criação e seu irmão de 03 (três) anos de idade, e que ostenta condição psiquiátrica descrita como transtorno não especificado da personalidade (CID 10 - F 60.9), esta sujeito à curatela, em processo de interdição promovido pelo Ministério Público Estadual.
3. A reincidência criminal, prevista pela psiquiatria forense para as hipóteses de sociopatia, é o cerne do presente debate, que não reflete apenas a situação do interditando, mas de todos aqueles que, diagnosticados como sociopatas, já cometeram crimes violentos.
4. A psicopatia está na zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, onde os instrumentos legais disponíveis mostram-se ineficientes, tanto para a proteção social como a própria garantia de vida digna aos sociopatas, razão pela qual deve ser buscar alternativas, dentro do arcabouço legal para, de um lado, não vulnerar as liberdades e direitos constitucionalmente assegurados a todos e, de outro turno, não deixar a sociedade refém de pessoas, hoje, incontroláveis nas suas ações, que tendem à recorrência criminosa.
5. Tanto na hipótese do apenamento quanto na medida socioeducativa – ontologicamente distintas, mas intrinsecamente iguais – a repressão do Estado traduzida no encarceramento ou na internação dos sociopatas criminosos, apenas postergam a questão quanto à exposição da sociedade e do próprio sociopata à violência produzida por ele mesmo, que provavelmente, em algum outro momento, será replicada, pois na atual evolução das ciências médicas não há controle medicamentoso ou terapêutico para essas pessoas.
6. A possibilidade de interdição de sociopatas que já cometeram crimes violentos deve ser analisada sob o mesmo enfoque que a legislação dá à possibilidade de interdição – ainda que parcial – dos deficientes mentais, ébrios habituais e os viciados em tóxicos (art. 1767, III, do CC-02).
7. Em todas essas situações o indivíduo tem sua capacidade civil crispada, de maneira súbita e incontrolável, com riscos para si, que extrapolam o universo da patrimonialidade, e que podem atingir até a suaprópria integridade física sendo também ratio não expressa, desse excerto legal, a segurança do grupo social, mormente na hipótese de reconhecida violência daqueles acometidos por uma das hipóteses anteriormente descritas, tanto assim, que não raras vezes, sucede à interdição, pedido de internação compulsória.
8. Com igual motivação, a medida da capacidade civil, em hipóteses excepcionais, não pode ser ditada apenas pela mediana capacidade de realizar os atos da vida civil, mas, antes disso, deve ela ser aferida pelo risco existente nos estados crepusculares de qualquer natureza, do interditando, onde é possível se avaliar, com precisão, o potencial de auto-lesividade ou de agressão aos valores sociais que o indivíduo pode manifestar, para daí se extrair sua capacidade de gerir a própria vida, isto porquê, a mente psicótica não pendula entre sanidade e demência, mas há perenidade etiológica nas ações do sociopata.
9. A apreciação da possibilidade de interdição civil, quando diz respeito à sociopatas, pede, então, medida inovadora, ação biaxial, com um eixo refletindo os interesses do interditando, suas possibilidades de inserção social e o respeito à sua dignidade pessoal, e outro com foco no coletivo – ditado pelo interesse mais primário de um grupo social: a proteção de seus componentes -, linhas que devem se entrelaçar para, na sua síntese, dizer sobre o necessário discernimento para os atos da vida civil de um sociopata que já cometeu atos de agressão que, in casu, levaram a óbito três pessoas.
10. A solução da querela, então, não vem com a completa abstração da análise da capacidade de discernimento do indivíduo, mas pela superposição a essa camada imediata da norma, da mediata proteção do próprio indivíduo e do grupo social no qual está inserido, posicionamento que encontrará, inevitavelmente, como indivíduo passível de interdição, o sociopata que já cometeu crime hediondo, pois aqui, as brumas da dúvida quanto à existência da patologia foram dissipadas pela violência já perpetrada pelo indivíduo.
11. Sob esse eito, a sociopatia, quando há prévia manifestação de violência por parte do sociopata, demonstra, inelutavelmente, percepção desvirtuada das regras sociais, dos limites individuais e da dor e sofrimento alheio, condições que apesar de não infirmarem, per se, a capacidade do indivíduo gerenciar sua vida civil, por colocarem em cheque a própria vida do interditando e de outrem, autorizam a sua curatela para que ele possa ter efetivo acompanhamento psiquiátrico, de forma voluntária ou coercitiva, com ou sem restrições à liberdade, a depender do quadro mental constatado, da evolução – se houver – da patologia, ou de seu tratamento.
12. Recurso especial provido.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Violação da Boa-Fé na Contratação Frustrada de Trabalhador

O princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422 do Código Civil, apregoa que "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé." Junto a ele, encontram-se os deveres anexos de informação, probidade, lealdade, confiança, sinceridade, segurança, entre outros.

Referida norma, cujo caráter é eminentemente ético, vem sendo amplamente aplicada ao Direito do Trabalho naquelas demandas que versam acerca da situação dos obreiros que, ultrapassadas todas as etapas de seleção, não chegam a ser efetivamente contratados pela empresa, rompendo-se assim a expectativa de certeza que lhes foi intimamente gerada.

Isso porque os Juízes sabiamente vêm decidindo no sentido de reconhecer o direito à reparação civil em virtude da lesividade da conduta do empregador diante da quebra da promessa de emprego, uma vez que viola o dever de agir com boa-fé no momento pré-contratual.

Não são raros os casos de trabalhadores que, visando uma nova colocação no mercado e crescimento profissional, participam de processos seletivos em outras empresas e, ao passarem por todas as fases, acabam pedindo demissão do antigo emprego (inclusive abrindo mão de diversos direitos em virtude da modalidade de rompimento do contrato de trabalho).

Assim, evidente a ausência de boa-fé do empregador que dispensa aquele candidato que, informado acerca de sua aprovação, já tomou providências objetivas para ocupar o cargo, ou seja, submeteu-se a exame médico admissional, entregou sua documentação completa ao setor de recursos humanos, apresentou sua carteira de trabalho para assinatura, abriu conta-salário em banco, desvinculou-se do anterior emprego, entre outros.

Portanto, em caso de violação da honra e dignidade do trabalhador,  que geram sentimentos de dor, humilhação, desprezo e frustração, os quais ultrapassam o mero dissabor e aborrecimento, maculando sua esfera psicológica, há de ser assegurado o direito à indenização por danos morais ao obreiro que teve sua "contratação abortada", em valor a ser estipulado de acordo com o caso concreto.