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sexta-feira, 16 de maio de 2025

Cirurgia Estética e Obrigação de Resultado

Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre A Responsabilidade Objetiva do Cirurgião Plástico (clique no link para ler o artigo). Resumidamente: em que pese a obrigação do médico seja de meio, devendo ser verificada a culpa/ dolo em seu agir profissional para fins de responsabilizá-lo pelos danos causados ao paciente, no caso do cirurgião plástico - contrariando a regra geral - essa obrigação é de resultado.

Vale dizer: o médico especializado em cirurgia plástica deve assegurar o êxito no procedimento realizado, eis que se compromete a buscar o resultado pretendido pelo paciente. A pergunta que fica é: a quem cabe dizer se o objetivo estético perseguido foi devidamente alcançado pelo profissional de saúde?

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial n.º 2.173.636, de relatoria da Ministra Isabel Gallotti, o qual versava sobre o tema. A paciente submeteu-se a uma cirurgia das mamas e, não contente com o resultado final, ajuizou demanda indenizatória face ao médico. Tendo sido "constatado" que as mamas não ficaram em situação esteticamente melhor do que a existente antes da cirurgia, este foi condenado em segunda instância a reparar os danos civis daí decorrentes - em que pese tenha sido reconhecido que foi utilizada a técnica correta.

Para fins de melhor compreensão de conceitos, temos a cirurgia meramente estética e a cirurgia estética reparadora, que tem como objetivo reconstruir ou restaurar a função e aparência de partes do corpo afetadas por traumas, doenças, queimaduras ou defeitos congênitos. Essa especialidade da cirurgia plástica visa melhorar a qualidade de vida e autoestima dos pacientes, buscando a recuperação funcional e, se possível, a estética mais próxima do "normal". 

No caso julgado, conforme entendimento do STJ,  diante da inversão do ônus da prova (que deixa de ser da paciente e passa a ser do médico em razão da especialidade), ao profissional cabe comprovar que não atuou com imperícia, negligência ou imprudência, tampouco dolo; e por se tratar de cirurgia estética não reparadora, é seu dever ainda provar que o resultado alcançado foi satisfatório, segundo o "senso comum", e não segundo o critérios subjetivos de cada paciente.

Este precedente traz consigo reflexões importantes acerca de conceitos como senso comum e razoabilidade. O que é visualmente agradável, belo e harmônico para uns, pode não ser para outros. Outro aspecto relevante diz respeito à ditadura da estética perfeita que impera nos dias de hoje, e da necessidade de beleza e juventude eternas. Dica de filme: estrelado pela consagrada atriz Demi Moore, A Substância (The Substance), concorreu ao Oscar 2025 em diversas categorias. No filme, Elisabeth Sparkle, apresentadora de um programa de aeróbica, é demitida por seu chefe e trocada por uma mulher mais jovem.  Em meio ao seu desespero, um laboratório lhe oferece uma substância que promete transformá-la em uma versão aprimorada. E as consequência daí advindas podem ser devastadoras.

Abaixo segue a ementa do julgado:


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA NÃO REPARADORA. RESULTADO DESARMONIOSO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. DISSÍDIO CONFIGURADO.

1. Em se tratando de cirurgia plástica estética não reparadora, existe consenso na jurisprudência e na doutrina de que se trata de obrigação de resultado. Precedentes.

2. Diante do que disposto no art. 14, § 4º, do CDC, a responsabilidade dos cirurgiões plásticos estéticos é subjetiva, havendo presunção de culpa, com inversão do ônus da prova.

3. Embora o art. 6o, inciso VIII, da Lei 8.078/90, aplique-se aos cirurgiões plásticos, a inversão do ônus da prova, prevista neste dispositivo, não se destina apenas a que ele comprove fator imponderável que teria contribuído para o resultado negativo da cirurgia, mas, além disso, principalmente, autoriza que faça prova de que o resultado alcançado foi satisfatório, segundo o senso comum, e não segundo o critérios subjetivos de cada paciente.

4. Assim, em se tratando de cirurgia plástica estética não reparadora, quando não tiver sido verificada imperícia, negligência ou imprudência do médico, mas o resultado alcançado não tiver agradado o paciente, somente se pode presumir a culpa do profissional se o resultado for desarmonioso, segundo o senso comum.

5. No caso, como as mamas da recorrida não ficaram em situação esteticamente melhor do que a existente antes da cirurgia, ainda que se considere que o recorrente tenha feito uso da técnica adequada, como (i) ele não comprovou que o resultado negativo da cirurgia tenha se dado por algum fator alheio à sua vontade, a exemplo de reação inesperada do organismo da paciente e (ii) como esse resultado foi insatisfatório, segundo o senso comum, há dever de indenizar neste caso.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp n. 2.173.636/MT, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 18/12/2024.)


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