::Other Languages ::

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Limitação de Juros para Estabelecimentos de Varejo

Importante decisão proferida recentemente pela 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quando do julgamento de ação revisional movida por consumidor, determinou que uma loja de varejo (que vende móveis e eletrodomésticos) não pode cobrar juros remuneratórios superiores a 12% ao ano nas vendas a crédito (pagamento parcelado).

Em outras palavras: os estabelecimentos privados que não integram o sistema financeiro não podem cobrar encargos inerentes aos mesmos, em face da aplicação da Lei da Usura e dos ditames contidos no Código Civil de 2002 e Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com o Relator do recurso de Apelação Cível n.º 70054955398, Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, a demanda revisional analisada foi movida pelo consumidor unicamente em face do estabelecimento comercial com o qual firmou contrato de compra e venda de mercadoria. Em suas palavras literais, "não há, portanto, qualquer discussão acerca de eventual operação de crédito firmada entre instituição financeira e consumidor, mas, isto sim, um contrato de compra e venda de mercadoria com pagamento parcelado (crediário). Trata-se, pois, de crédito direto ao consumidor, fornecido pelo vendedor, adstrita a ambas as partes a relação contratual.Desse modo, isto é, uma vez que firmado o contrato por empresa não pertencente ao Sistema Financeira Nacional, inviável a pactuação de juros em patamar superior a 12% ao ano."

Desse modo, restou declarada abusiva e, por consequência, NULA, a cláusula do instrumento contratual que previa a cobrança de encargos no percentual de 2,48% ao mês (34,30% ao ano), a qual foi reduzida para 12%. 

A base legal invocada no acórdão é:

Decreto-Lei n.º 22.626/1933 - Lei de Usura:

Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal. 

Código Civil de 2002:

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Lei n.º 8.078/90 - CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;



quinta-feira, 15 de maio de 2014

Visibilidade dos Preços dos Produtos e Serviços aos Consumidores

Ao dispor sobre as condições de oferta e as formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor, a Lei n.º 10.962/2004, em seu artigo 2.º, determinou que, no comércio em geral, o valor das mercadorias expostas à venda deverá ser indicado por meio de etiquetas presas diretamente no produto e em vitrines, cuja visibilidade facilite a aferição do preço pelo potencial comprador.

Nos estabelecimentos em que o consumidor tiver acesso direto aos bens, independentemente do atendimento prestado pelo vendedor (leia-se: supermercados, mercearias, auto-serviços), o preço deverá ser impresso ou colacionado diretamente na embalagem, ou ainda fixado, de forma clara e legível, por meio de código de referencial (com a relação de códigos e preços em local próximo às mercadorias) ou de barras (com a conseqüente obrigatoriedade de disponibilização de equipamentos de leitura óptica para consulta na área de vendas).

Importante salientar que, em havendo divergência de valores cobrados para o mesmo produto (dissonância entre os sistemas que informam o preço), o consumidor tem o direito de pagar o menor dentre eles.

Já o Decreto n.º 5.903/2006 veio regulamentar tanto a Lei acima mencionada quanto o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) no que diz respeito às infrações praticadas pelo fornecedor que atentam contra o direito básico do consumidor em obter informações claras e adequadas sobre bens e serviços colocados à disposição no mercado.

Reitera-se que os preços deverão ser informados de forma correta/ verdadeira, precisa/ exata, ostensiva/ de fácil percepção e legível/ visível, de modo a evitar qualquer tipo de dúvida, dificuldade na compreensão ou necessidade de interpretação. Em síntese, a informação deverá ser clara, simples e acessível de tal forma que seja assimilada de imediato pelo consumidor.

Ainda, o valor cobrado na venda do produto ou prestação do serviço deverá ser informado de modo a discriminar o total à vista e, nos casos de financiamento/ parcelamento, o valor global a ser pago ao final (com juros e eventuais acréscimos e encargos a incidirem), com o número, valor e periodicidade das prestações.

Importante dizer que tal regulamentação também se aplica aos bares, restaurantes, casas noturnas e similares, conforme expressamente previsto no § 2.º do artigo  8.º do Decreto n.º 5.903/2006. Vale dizer que os preços deverão ser afixados na entrada dos estabelecimentos, em sua parte externa, de modo a que o público tome conhecimento antes de adentrar o local. Inclusive, a disponibilização do cardápio previamente ao ingresso do consumidor no estabelecimento evita constrangimentos que possam ser gerados pela impossibilidade de pagamento dos preços praticados no ambiente.

Por fim, há de se referir que a inobservância, por parte do fornecedor de produtos e serviços, ao direito básico do consumidor à informação clara e adequada, sujeita o infrator às penalidades previstas na Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que podem ser tanto de natureza administrativa, quanto civil e penal, a depender da gravidade da situação.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dano Moral por Desvio Produtivo

Todos nós, consumidores de bens e serviços, de uma forma ou de outra já estivemos envolvidos com um problema de consumo. Embora algumas adversidades se mostrem aparentemente fáceis de resolver, a verdade é que as grandes empresas que operam no mercado não costumam facilitar a vida daqueles que buscam uma solução rápida e eficaz para os transtornos que elas mesmas causaram.

Atentos à essa nova realidade trazida principalmente pelo relacionamento empresa-cliente realizado na modalidade online ou via call center, os Tribunais pátrios têm reconhecido um novo tipo de indenização aos consumidores: o dano moral por desvio produtivo. Em síntese, a moderna teoria trata-se de uma reparação financeira ao cliente em virtude do tempo útil que foi obrigado a desperdiçar em razão do mau atendimento que lhe foi prestado pelo fornecedor de bens e serviços, tempo este em que deixou de realizar outras atividades mais importantes/ necessárias/ satisfatórias. 

Nas palavras do pioneiro da tese, o advogado capixaba Marcos Dessaune, 

“o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”.

Assim, o que antes era visto como mero contratempo, aborrecimento ou frustração decorrente da vida cotidiana, hoje vem sendo objeto de indenização, visto que o tempo que o consumidor não pôde aproveitar com a família e com os amigos, ou deixou de passar no trabalho, em afazeres domésticos, estudos, lazer, descanso ou esportes é finito, escasso, inacumulável e irrecuperável. 

Importante salientar que as empresas muitas vezes não demonstram o menor interesse em resolver a questão com agilidade, e sua procrastinação abusiva em dar uma resposta satisfatória pode causar diversos transtornos e/ou prejuízos injustificados ao cliente.

Como exemplos de condutas que podem gerar o desvio produtivo ao consumidor, em face da via crúcis que lhe é imposta percorrer, citamos a demora para atendimento na fila do banco, na devolução de quantias indevidamente cobradas, na resolução de problemas causados por vício de produto - conserto ou troca (ex.: televisão ou celular recém adquirido que não funciona), cancelamento de assinaturas e/ou serviços não contratados, cobranças indevidas realizadas via telefone, espera no aeroporto em virtude de atraso no vôo, etc.

Inclusive, para a aferição do tempo indevidamente gasto, apto a ensejar o dano moral por desvio produtivo, podemos utilizar como parâmetros o número de ligações que foram necessárias para resolver o problema e o tempo de duração das chamadas (call center), a inobservância das empresas quanto ao prazo legal de 30 (trinta) dias para sanar o vício, constante no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, a não resolução do problema pelas vias administrativas, gerando a necessidade de ingresso de demanda judicial pelo cliente, entre outros.

A teoria do dano moral por desvio produtivo é inovadora e traz alento aos consumidores que cada vez mais se encontram reféns dos desmandos e abusos dos poderosos empreendimentos. Muito embora o tema ainda não esteja regulamentado (já que a perda de tempo não se enquadra no conceito de dano material, nem de dano moral, tampouco de perda de uma chance, mas também não pode ser vista como mero incômodo), os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul,  São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná já estão firmando jurisprudência favorável à parte vulnerável e hipossuficiente nas relações de consumo - indenizando o cliente que teve seu precioso tempo desperdiçado de forma ilícita.

___________________________

Interessante entrevista com o advogado Marcos Dessaune, criador da tese:

http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/71/desvio-produto-do-consumidor-tese-do-advogado-marcos-ddessaune-255346-1.asp