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segunda-feira, 27 de abril de 2015

Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência

Nosso ordenamento jurídico conta com uma série de leis que versam sobre os direitos e garantias das pessoas portadoras de deficiência, a começar pela Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 3.º, descreve o respeito à dignidade humana como um dos fundamentos da República e, no  artigo 5.º, dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza

Ocorre que, na prática, nem sempre essas benesses legais são respeitadas, ficando restritas ao papel, o que fomenta o preconceito e a exclusão social. Não obstante a negligência do Estado em promover políticas públicas, o fato é que muitos deficientes não têm conhecimento das prerrogativas que a legislação lhes assegura. Assim, a ideia desse artigo é repassar algumas informações básicas (na forma de breves tópicos) que poderão ser bastante úteis e esclarecedoras.

Mercado de Trabalho

Conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com base no RAIS 2013 (Relação Anual de Informações Sociais), o país conta atualmente com 357.800 pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho (laborando formalmente, ou seja, com carteira assinada). Há de se ressaltar que a Lei n.º 8.213/91 prevê a obrigatoriedade de preenchimento de Vagas para Deficientes e Reabilitados em Empresas que atuam no setor privado e que contam com mais de 100 (cem) funcionários, sistema de cotas que já noticiamos aqui.

No âmbito do serviço público, o artigo 37, inciso VIII, da CF/88 dispõe sobre a necessária reserva de vagas para deficientes que sejam candidatos a cargos e empregos, vagas estas que deverão constar expressamente nos editais dos concursos públicos.

Benefícios Previdenciários - INSS

A Lei n.º 8.213/91, que trata sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, traz a figura da aposentadoria por invalidez, concedida aos obreiros que estão incapacitados ao trabalho e possuem qualidade de segurado (ou seja, contribuíram para o INSS por pelo menos 12 meses) ou sofreram acidente de trabalho (isentos do cumprimento de prazo de carência, mas devem estar inscritos na Previdência). 

Aqueles beneficiários que, em razão da incapacidade, passaram a depender de terceiros para todos os atos da vida civil (assistência permanente), possuem direito a um aumento de 25% no valor da aposentadoria, tema esta que também já foi objeto de post aqui no blog - Aplicação do artigo 45 da Lei n.º 8.213/91 a outros benefícios do INSS.

Por fim, temos o benefício de prestação continuada constante da LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social - n.º 8.742/93) - também presente no artigo 203, inciso V, da Carta Magna - que assegura o recebimento de 01 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência com incapacidade para a vida civil e para o trabalho, independentemente da idade, e para os idosos a partir de 65 (sessenta e cinco) anos. Há que se dizer que, para que seja alcançada referida benesse legal, há de ser cumprido o seguinte requisito: renda familiar por pessoa igual ou inferior a ¼ do salário mínimo.

Isenção de Tributos

Outra prerrogativa das pessoas portadoras de deficiência é a isenção do pagamento de impostos, tais como: IPI (imposto sobre produtos industrializados), quando da aquisição de automóvel de fabricação nacional; ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), quando, devidamente habilitada, a pessoa necessite adaptação especial em seu veículo nacional; IOF (imposto sobre operações financeiras), quando da aquisição, via financiamento, de carro nacional; IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores), quando o portador de deficiência física tiver habilitação e conduzir automóvel próprio.

No que diz respeito ao IR (imposto de renda), pode haver isenção de seu pagamento em caso de doenças graves, cegueira ou paralisia incapacitante irreversível, quando se relacionar a aposentadoria, pensão ou reforma, sendo também livres de tributos rendimentos como alugueis e aplicações financeiras. Por fim, no tocante ao IPTU (imposto predial e territorial urbano), não há legislação nacional regulamentadora, pelo que cada Município possui autonomia para dispor livremente sobre o tema. 

Prioridade e Acessibilidade

A Lei n.º 12.008/09 trouxe importante inovação no que tange à prioridade de tramitação nas ações judiciais que envolvem pessoas portadoras de doença grave (artigos 1.211-A e 1.211-B, do CPC) e nos processos administrativos em que são partes ou interessados os indivíduos que possuem deficiência física ou mental, e ainda aqueles portadores de  tuberculose ativa, esclerose múltipla, neoplasia maligna, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, ou outra doença grave, com base em conclusão da medicina especializada (artigo 69-A, da Lei n.º 9.784/99).

Acerca do atendimento prioritário, temos a Lei n.º 10.048/2000, que prevê a obrigatoriedade de prestação de tratamento diferenciado e assistência imediata por parte de repartições públicas, concessionárias de serviços públicos, instituições financeiras, reserva de assentos devidamente identificados por empresas públicas de transportes e concessionárias de transporte coletivo, construções (ruas, sanitários e edifícios de uso público) erigidas de modo a facilitar o uso e acesso aos locais.

Por seu turno, a Lei n.º 10.098/2000 estabelece normas e critérios a serem observados para a promoção da acessibilidade dos indivíduos portadores de deficiência ou mobilidade reduzida (limitação de capacidade temporária), e dispõe sobre a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Estão englobados nestes conceitos a adaptação de ruas, passagens de pedestres, escadas, rampas, entradas e saídas de veículos, parques, praças, jardins, espaços livres públicos, disponibilização de assentos e espaço para acomodação de pessoas que se movem por meio de cadeiras de rodas em locais de lazer e entretenimento (teatros, cinemas, casas de shows e espetáculos, restaurantes, auditórios, estádios, ginásios de esportes), disponibilização de pessoal capacitado para atender pessoas com deficiência visual e intelectual, bem como de intérprete de Libras para os deficientes auditivos. 

Já a Lei n.º 11.126/2005 tem como objetivo assegurar à pessoa com deficiência visual o direito de ingressar e permanecer com seu cão-guia em veículos e estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo (assunto que já foi tratado no post O Verdadeiro Deficiente). Não há de se olvidar, por fim, da necessidade de  assegurar vagas em estacionamentos públicos ou privados (as quais deverão ser sinalizadas) para automóveis que estejam transportando portadores de deficiência ou pessoas com dificuldade de locomoção, para fins de facilitar seu deslocamento.

Em relação aos ônibus do sistema de transporte público, cabe aos Municípios legislarem sobre o passe livre (assunto de interesse local). A título exemplificativo, na cidade de Porto Alegre, RS, as pessoas portadoras de deficiência têm direito à gratuidade (TRI) após o preenchimento de um cadastro, sendo que a renda mensal própria deverá ser igual ou inferior a 06 (seis) salários mínimos. 

Nas passagens intermunicipais dentro do estado do RS, as PPD comprovadamente carentes e o acompanhante do deficiente incapaz de se deslocar sem assistência de terceiro possuem gratuidade nas linhas de modalidade comum (ônibus, trem ou barco), vide disposto na Lei Estadual n.º 13.320/09. Nas viagens de trem (que na região metropolitana de Porto Alegre são operadas pela Trensurb), são disponibilizados assentos preferenciais e devidamente identificados aos portadores de deficiência, idosos, gestantes e mulheres com crianças de colo. 

Já no âmbito federal, o passe livre para as pessoas portadoras de deficiência vale para o transporte coletivo interestadual convencional por ônibus (exceto leito e executivo), trem ou barco, incluindo o transporte interestadual semi-urbano.

Números

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as deficiências podem ser de ordem física, auditiva, visual, mental e múltipla. Conforme dados coletados por ocasião do Censo 2010, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 45,6 milhões de pessoas se declararam portadoras de alguma deficiência, ou seja, praticamente 1/4  da população brasileira.

Tal fato denota a importância de se assegurar o cumprimento das leis que visam a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (além das acima mencionadas, também no esporte, saúde e educação), observando e exigindo a observância, por parte de todos, dos direitos e garantias previstas. Inclusive, o IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência) elaborou uma Cartilha contendo os direitos básicos das PPD (documento este que poderá ser baixado em arquivo no formato .pdf - CLIQUE AQUI).

Este artigo foi escrito a partir da sugestão de uma leitora assídua do blog, o qual ora dedico, com carinho, à minha amiga e colega Clarissa Padilha.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Nos Contratos, não confunda Fiador com Testemunha

Por mais estranho que possa parecer o título deste post, a verdade é que muitas pessoas não sabem exatamente qual o significado e alcance do contrato de fiança, tampouco o papel do fiador ao assinar um contrato de locação. A diferença entre os sujeitos é enorme: enquanto a aposição da firma de uma testemunha simplesmente denota seu conhecimento acerca dos termos daquilo que foi contratado entre terceiros, a do fiador significa a sua ciência, concordância e oferecimento de um bem particular seu como garantia financeira do cumprimento do avençado entre locador e locatário.

Assim, caso o devedor (leia-se, aquele que está alugando uma casa ou apartamento) não efetue o pagamento da dívida, esta recairá sobre o fiador, especialmente sobre o imóvel indicado no contrato visando assegurar o adimplemento do débito. Outra peculiaridade a ser observada é a existência da cláusula denominada Benefício de Ordem, a qual, em suma, obriga o credor a primeiramente buscar bens no patrimônio do devedor principal, para somente depois, em caso de insucesso, executar o fiador.

Ocorre que, por desconhecimento ou desatenção, muitas vezes o fiador acaba por assinar um contrato em que expressamente abre mão do benefício supramencionado, renúncia essa que o coloca em posição extremamente desvantajosa. Da mesma forma o benefício não pode ser invocado quando o fiador inadvertidamente assume a posição de pagador principal ou devedor solidário, ou ainda nos casos em que o locatário inadimplente é falido ou encontra-se em estado de insolvência.

Outra particularidade do contrato de fiança diz respeito à impossibilidade de se alegar a impenhorabilidade do bem de família quando da execução. Vale dizer: o único imóvel que serve de residência ao efetivo devedor/ inadimplente não pode ser objeto de penhora, mas o do fiador que espontaneamente assume a obrigação sim. 

São dois pesos e duas medidas que, embora aparentemente firam o princípio da igualdade e o direito à moradia, vêm sendo aplicados com base na Lei n.º 8.009/90 e em precedente do STF (Recurso Extraordinário n.º 407.688), além da jurisprudência pacífica do STJ acerca do tema, consoante as ementas que seguem transcritas:


FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. (RE 407688/SP, Rel. Ministro Cezar Peluso, Pleno do STF, julgado em 08/02/2006, DJE 06/10/2006).


CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. PENHORA DE BEM DE FIADOR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Inexiste óbice à penhora sobre bem de família pertencente ao fiador do contrato de locação. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 624.111/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 18/03/2015).


PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO. LEI N. 8.009/1990.
ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO.
PENHORABILIDADE DO IMÓVEL.
1. Para fins do art. 543-C do CPC: "É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990". 2. No caso concreto, recurso especial provido.
(REsp 1363368/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 21/11/2014).
GRIFOS NOSSOS


Vale ressaltar que já tratamos aqui no blog acerca da possibilidade de exoneração do fiador  casado quanto ao pagamento da dívida nos casos em que a fiança for ofertada sem a outorga marital, através da competente declaração judicial de Nulidade de fiança prestada sem o consentimento do cônjuge, o que invalida o ato por inteiro, e não somente a meação daquele que não assinou o contrato.

De qualquer forma, mostra-se de vital importância que uma pessoa, ao pretender assumir a posição de fiador em um contrato de aluguel, independentemente da relação de confiança existente entre as partes e/ou dos laços familiares ou de amizade que mantém com o afiançado, busque orientação jurídica junto a advogado de sua escolha, para fins de tomar integral conhecimento acerca dos termos da avença e extensão de sua responsabilidade em caso de inadimplemento do locatário, tendo em vista as graves consequências financeiras que poderão advir no futuro.

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Código Civil de 2002:

Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:
I - se ele o renunciou expressamente;
II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III - se o devedor for insolvente, ou falido.


Lei n.º 8.009/90:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
(...)
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.