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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Isenção de IR para Portadores de Doenças Graves

A Lei n.º 7.713/88, que dispõe sobre o Imposto de Renda, prevê, em seu artigo 6.º uma série de situações que isentam a pessoa física do pagamento do tributo, dentre as quais as portadoras de doenças graves. Assim, nos termos do inciso XIV da mencionada norma:


XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

Recentemente, quando do julgamento de questão envolvendo o tema, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) determinou a manutenção da isenção para uma mulher curada de doença grave. Isso porque, embora tenha sido diagnosticada portadora de neoplasia maligna (câncer) e promovida cirurgia para retirada do tumor, o risco de recaída é bastante alto, razão pela qual é necessária a realização de exames e acompanhamento médico constante, para fins de monitorar eventuais sinais de retorno da moléstia.

Este, inclusive, é o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da questão:


TRIBUTÁRIO   E   PROCESSUAL  CIVIL.  AGRAVO  REGIMENTAL  NO  RECURSO ESPECIAL.  IMPOSTO  DE  RENDA.  ISENÇÃO. PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE.
NEOPLASIA  MALIGNA. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/88. CONTEMPORANEIDADE DOS  SINTOMAS.  DESNECESSIDADE.  DISSIDIO NOTÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I.  Agravo  Regimental  interposto  em  25/05/2015,  contra  decisão publicada em 15/05/2015, na vigência do CPC/73.
II.  Na  esteira da jurisprudência desta Corte, "após a concessão da isenção  do  Imposto de Renda sobre os proventos de aposentadoria ou reforma  percebidos  por  portadores de moléstias graves, nos termos art.  6º,  inciso  XIV,  da  Lei  7.713/88, o fato de a Junta Médica constatar  a  ausência  de sintomas da doença pela provável cura não justifica  a revogação do benefício isencional, tendo em vista que a finalidade desse benefício é diminuir o sacrifícios dos aposentados, aliviando-os  dos  encargos  financeiros"  (STJ,  MS 21.706/DF, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 30/09/2015).
No  mesmo  sentido:  STJ,  REsp  1.202.820/RS,  Rel.  Ministro MAURO CAMPBELL   MARQUES,   SEGUNDA   TURMA,   DJe   de  15/10/2010,  REsp 1.125.064/DF,  Rel.  Ministra  ELIANA  CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/04/2010;  REsp 967.693/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJU de 18/09/2007.
III.  Consoante  a  jurisprudência  do STJ, "tratando-se de dissídio notório  com  a jurisprudência firmada no âmbito do próprio Superior Tribunal  de  Justiça,  mitigam-se  os requisitos de admissibilidade para o conhecimento do recurso especial pela divergência" (STJ, EDcl no  AgRg  no  Ag  876.196/RS,  Rel.  Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 06/11/2015).
IV. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1500970/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 24/06/2016).



Atualização em 31/01: o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em setembro de 2016, editou os Enunciados de Súmula n.º 84 e 88, que versam sobre a questão:

Súmula nº 84 - Concedida a isenção do imposto de renda incidente sobre os proventos de aposentadoria percebidos por portadores de neoplasia maligna, nos termos art. 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88, não se exige a persistência dos sintomas para a manutenção do benefício.

Súmula nº 88 - O art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/1988, norma que deve ser interpretada na sua literalidade, não faz distinção entre cegueira binocular e monocular, para efeito de isenção de Imposto sobre a Renda. 


quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Gestante HIV+ e Sigilo Médico

Questão tormentosa que frequentemente se apresenta a médicos que atuam na área da Ginecologia e Obstetrícia diz respeito ao procedimento a ser adotado nos casos em que a gestante HIV positivo omite/ se nega a informar tal situação ao parceiro sexual.
 

Inicialmente, é de salientar que, em razão das circunstâncias únicas que envolvem a gravidez, especialmente a necessidade de atendimentos médicos realizados durante o acompanhamento pré-natal e na própria ocasião do parto, este é um momento bastante propício para o diagnóstico do HIV tanto na mulher quanto em seu parceiro (caso o resultado seja positivo).

Isso porque são realizados exames sorológicos para rastreamento do vírus e, em sendo detectada a sua presença, é possível ao médico intervir e iniciar a profilaxia da transmissão vertical com o objetivo de evitar que a mãe contamine o filho com o vírus HIV, tratamento este que consiste em cuidados específicos durante a gestação, parto e puerpério.

Mas, em sendo diagnosticada a infecção viral na mulher e esta negar-se a comunicar sua condição ao parceiro sexual, como deverá o médico proceder em relação a este?

Inicialmente, importante destacar a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da AIDS, a qual determina que ”todo portador do vírus tem direito a comunicar apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde ou o resultado dos seus testes.”

No caso da gestante, existe uma presunção de paternidade que paira sobre seu parceiro sexual. Assim, em sendo constatada a soropositividade da mulher, há duas alternativas: ou esta expôs o consorte ao vírus (o que pode seguir ocorrendo) ou é possível que o homem tenha transmitido HIV à parceira, omitindo sua condição ou mesmo desconhecendo-a.

A questão ora suscitada deverá ser analisada sob três aspectos distintos: moral, ético e legal. Vejamos:

Os dois primeiros estão contidos no Código de Ética Médica, aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que regula a conduta a ser seguida pelo médico e estabelece normas (valores éticos e morais) a serem observadas no exercício da profissão.

Ao tratar sobre o sigilo profissional, o Código de Ética Médica assim dispõe:

É vedado ao médico: 

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. 

Parágrafo único.
Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal. 


 

A Resolução n.º 1605/2000, editada pelo CFM, também revela a necessidade de manutenção do sigilo, prevendo em seu artigo 1.º que “o médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica.” Já a Resolução n.º 1665/2003 determina em seu artigo 10 que “o sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado em relação aos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS), salvo nos casos determinados por lei, por justa causa ou por autorização expressa do paciente.”

No que tange ao terceiro aspecto, a legislação brasileira garante o direito à intimidade e vida privada do paciente, disposição essa que figura na Constituição Federal de 1988: 


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;    



Da mesma forma os Códigos Civil e Penal regulam a matéria, a saber:

Código Civil
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Código Penal
Violação do segredo profissional

Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:       
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Exclusão de ilicitude       

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:  
(...)
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. 


Importante destacar que o dever de sigilo médico assegura o respeito à privacidade e à intimidade do paciente, a quem cabe decidir se/ quando/ a quem irá informar seu estado de saúde. Todavia, no caso de um soropositivo, há que se ponderar o caso concreto: existe risco de um terceiro contrair a moléstia? Se positiva a resposta, justifica-se a quebra do sigilo.

Isso porque o Código Penal prevê, em seus artigos 130 a 132, sanções aplicáveis àquele que, respectivamente: 1) expõe alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado; 2) pratica com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio; 3) expõe a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.

Desse modo, em se recusando o paciente a revelar ao parceiro sexual que é portador do vírus HIV, a divulgação desta situação pelo médico é plena e legalmente justificável, eis que o dever de sigilo tem como intento preservar o soropositivo de discriminação social, mas não de corroborar a conduta de transmissão deliberada de uma doença de tamanha gravidade.

Pelo exposto, temos que o dever de confidencialidade poderá ser quebrado nos casos em que o silêncio do profissional de saúde prejudique ou coloque em risco a saúde de terceiro, eis que o bem jurídico maior a ser protegido é o da vida. 

Mais do que isso, trata-se de verdadeira questão de saúde pública, em razão da responsabilidade com o controle da cadeia de transmissão do HIV. Desse modo, nas ocasiões em que uma gestante for diagnosticada como soropositiva, o(a) médico(a) que acompanha a paciente deverá aconselhar e procurar convencê-la a revelar sua condição de portadora do vírus HIV ao parceiro sexual. Em havendo negativa, seja em razão da postura negligente, imprudente ou até mesmo dolosa da paciente, caberá ao médico prestar a informação a seu consorte, sob pena de eventualmente responder pela omissão
(como cúmplice).