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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Ortotanásia x Eutanásia

Vida e morte. Início e fim. Luz e escuridão. Os extremos. Há religiões que aduzem ser a morte o término da vida; outras afirmar ser o recomeço. Temas que habitam o imaginário e pensamento humanos, vida e morte são conceitos indissociáveis e complementares. Diz a canção “eu não pedi pra nascer”, mas... e o contrário? Será possível “pedir pra morrer”? Conforme a Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, a resposta é sim.

Depois de três longos anos de embate judicial, nesta segunda-feira, 06 de dezembro, foi publicada a sentença proferida pelo Juiz Federal Roberto Luis Luchi Demo, da 14.ª Vara Federal do Distrito Federal que revogou a liminar concedida no início do processo, que suspendia a regulamentação da ortotanásia no Brasil, e julgou improcedente a ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal em face do Conselho Federal de Medicina (processo n.º 2007.34.00.014809-3). Ajuizada em 09/05/2007, a referida ação visava o reconhecimento judicial da nulidade da Resolução 1.805/2006 do CFM (que possui caráter interno e disciplinar) por considerar inconstitucional a medida que tem a seguinte redação:

Art. 1.º Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.

Embora ainda haja certa confusão entre os termos eutanásia e ortotanásia, estes são procedimentos médicos com significado e modus operandi completamente distintos. Enquanto a eutanásia põe fim à vida do paciente através de uma ação positiva – a morte é provocada, antecipada, atenuando-se o sofrimento com a contribuição efetiva de alguém movido por piedade e compaixão, a ortotanásia, considerada uma “morte digna”, consiste na conduta omissiva do médico, através da suspensão dos recursos que prolongam artificialmente a vida de doentes em estado terminal, quando não mais é possível a sua cura. Vale dizer: nos casos em que o estado clínico do paciente é grave e irreversível.

O direito à vida, constitucionalmente assegurado, é intangível e indisponível. Todavia, é o conceito de DIGNIDADE HUMANA que irá nortear a discussão acerca do tema: se prevalece o direito à vida ou o direito à morte digna. Isto porque, para a prática da ortotanásia, é imprescindível a autorização do próprio paciente (autodeterminação) ou de sua família (nos casos em que o doente é incapaz de manifestar sua vontade). Podemos citar, a título elucidativo, um dos casos mais famosos da prática desta conduta: a morte do Papa João Paulo II, em 2005, que contou com o aval da Igreja Católica.

Após uma ampla divulgação do assunto perante a sociedade e debates arrebatadores nos meios jurídico, médico e religioso, chegou-se à conclusão de que, contrariamente à eutanásia, considerada crime – homicídio doloso (devido à intenção de matar, podendo, em certos casos, ser considerado privilegiado, diminuindo a pena), a ortotanásia não constitui ato ilegal, tampouco crime de homicídio, visto que apenas permite ao paciente terminal escolher com independência e autonomia a forma como passará os momentos derradeiros de sua existência, geralmente na companhia da família, longe de hospitais e dos tratamentos invasivos, limitando-se a receber os cuidados paliativos enquanto permanecer vivo (medicamentos para a dor física, conforto e alento para a alma).

Por certo que, independentemente do prognóstico de morte iminente e inevitável, em virtude da Medicina não possuir, naquele momento, condições de recuperar o doente (não obstante a avançada tecnologia e pesquisas nesta área do conhecimento), o tema é controverso e a decisão final se mostra tarefa difícil e árdua, tanto para o paciente quanto para seus familiares, eis que pode envolver sentimentos conflitantes e causar desconforto e questionamentos.

Há todo um processo de reflexão acerca do assunto, em que devem ser sopesadas a questão humanitária e a qualidade de vida, a FÉ e a ESPERANÇA, a crença em milagres, a luta incansável pela VIDA e a sobreposição do instinto de sobrevivência, que pode falar mais alto que o desejo de ter a existência abreviada, de jogar a toalha depois de esgotados todos os esforços e abandonar a vida sem a interferência médica e terapêutica, deixando seguir o processo natural da “morte, ponto final da última cena.” (Augusto dos Anjos, poeta brasileiro).

Site da Justiça Federal do Distrito Federal:
http://www.jfdf.jus.br/

Inteiro Teor da Sentença:
http://www.jfdf.jus.br/destaques/14%20VARA_01%2012%202010.pdf

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