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domingo, 27 de março de 2011

Maria da Penha

Art. 2.º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3.º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária.

Desde a sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei n.º 11.340/2006, popularmente conhecida como "Lei Maria da Penha", tem gerado opiniões distintas entre os operadores do Direito. Há quem entenda ser a norma inaplicável por contrariar o artigo 5.º, I, da Constituição Federal de 1988, que dispõe serem homens e mulheres iguais em direitos e obrigações, bem como o artigo 98, I, que prevê a criação de Juizados Especiais Criminais para os delitos de menor potencial ofensivo.

Fato inquestionável é que, em uma situação de violência doméstica, evidente se mostra a desigualdade entre as partes. Por mais que as mulheres tenham alcançado maior independência, tanto emocional/ comportamental quanto financeira nas últimas décadas, ingressando fortemente no mercado de trabalho e assumindo postos que antigamente eram predominantemente masculinos, infelizmente ainda vivemos em uma sociedade extremamente machista e autoritária.

Muitos homens, ao se verem (ou se sentirem) ameaçados pela esposa/companheira/namorada – e neste aspecto podemos citar motivos que vão desde o tipo de emprego, renda mensal e escolaridade da parceira, até questões de ciúme e posse –, não raro praticam crimes com violência doméstica e familiar, utilizando a agressão como meio para descontar toda sua frustração, desprezo e ira. E aqui não se fala apenas em violência física, pois a mulher também pode ser vítima de outras formas de abuso, como a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral (conceitos explicitados no artigo 7.º da Lei).

Nas palavras do professor Norberto Pâncaro Avena, “para ser sujeito passivo (ofendido), sujeito tutelado pela lei em exame, basta que se enquadre no conceito biológico de “mulher”, desimportando aspectos etários (criança, adolescente, adulto, idoso).” E segue aduzindo que, “por outro lado, em relação ao sujeito ativo (autor da infração) da violência, poderá ser qualquer pessoa coligada à ofendida por vínculo afetivo, familiar ou doméstico, independente de pertencer ao sexo masculino ou feminino.” Embora a lei conceitue como vítima a mulher, recentemente foi proferida no RS decisão judicial que aplicou a Lei n.º 11.340/2006 para um homem, em caso de união homoafetiva, por encontrar-se um dos parceiros em situação de extrema vulnerabilidade perante o outro.

Uma das questões latentes desde o advento da Lei Maria da Penha dizia respeito à constitucionalidade de seu artigo 41, que proíbe a aplicação do artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95), o qual prevê a aplicação de normas despenalizadoras àqueles que praticam crimes de menor potencial ofensivo, e possui a seguinte redação:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Todavia, na tarde do dia 24 de março último, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu ser constitucional o referido artigo, eis que, no entender do relator, Ministro Marco Aurélio, o mesmo guarda consonância com o quanto estabelecido no § 8.º do artigo 226 da Carta Magna, ao informar que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Com essa decisão, o STF reafirmou o espírito da lei Maria da Penha: trata-se de norma protetiva, que visa resguardar a mulher contra qualquer tipo de violência doméstica e familiar. A proibição de se aplicar benesses legais, leia-se, normas despenalizadoras, tais como a suspensão condicional do processo, a transação penal e a composição civil dos danos, nos mostra claramente que qualquer tipo de delito cometido contra a mulher se caracteriza como crime de maior potencial ofensivo, e como tal deve ser exemplarmente punido.

Íntegra da Lei Maria da Penha no site oficial do Governo:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal para concursos públicos. 4.ed. São Paulo: Método, 2008. p. 390/394.

Aplicação da Maria da Penha em união homoafetiva:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/881133-juiz-aplica-lei-maria-da-penha-para-casal-homossexual-no-rs.shtml

Habeas Corpus 106.212 no STF:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3985151

sábado, 19 de março de 2011

Responsabilidade pessoal do sócio (parte II)

Antes do Código Civil de 2002 ingressar no ordenamento jurídico pátrio, a norma legal que regia a apuração de responsabilidade do sócio perante as dívidas da empresa era o Decreto n.º 3.708/19, cuja redação na gramática oficial vigente à época assim dizia:

Art. 10. Os socios gerentes ou que derem o nome á firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei.

Art. 15. Assiste aos socios que divergirem da alteração do contracto social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correpondente ao seu capital, na proporção do ultimo balanço approvado. Ficam, porém, obrigados ás prestações correspondentes ás quotas respectivas, na parte em que essas prestações forem necessarias para pagamento das obrigações contrahidas, até á data do registro definitivo da modificação do estatuto social. (grifo nosso)

Com o advento da Lei n.º 10.406/2002, esta regra foi modificada e hoje encontra-se expressamente prevista no parágrafo único do artigo 1003, que assim dispõe, in verbis:

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. (grifo nosso)

Ou seja, a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações do sócio retirante que antes cessava na data do registro definitivo de sua saída da empresa, com o Código Civil de 2002 passou a ser de 02 (dois) anos da data da averbação de sua saída perante a Junta Comercial. Decorrido este prazo, o sócio cuja saída deu-se de forma regular e íntegra, passa a ser isento de toda e qualquer responsabilidade da empresa, não suportando os efeitos das obrigações comuns e fiscais concernentes à pessoa jurídica.

Nas palavras de FELIPE PAGNI DINIZ,

"O Código Civil de 2002 instituiu, portanto, através de seu artigo 1.003, uma nova forma de DECADÊNCIA no ordenamento jurídico, qual seja, a limitação temporal de 02 (dois) anos da responsabilidade dos sócios retirantes perante a sociedade e terceiros, não havendo o que se falar em possibilidade de condenação judicial de tais pessoas nos casos em que haja a extrapolação de tal período.

Importante frisar que tal proposição normativa não trouxe ao mundo jurídico uma forma de PRESCRIÇÃO de direitos, na qual se poderia admitir suspensões ou interrupções do período de responsabilidade dos ex-sócios. Pelo contrário, estabeleceu, sim, um novo exemplo de DECADÊNCIA, no qual se procurou alcançar uma maior segurança jurídica àqueles optaram por não mais fazer parte do quadro societário de uma empresa."

Como toda regra comporta uma exceção, não está protegido pelo instituto da decadência, e poderá ser responsabilizado o sócio pelas dívidas da empresa “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

Importante ressaltar que as pessoas jurídicas possuem existência diversa de seus membros, sendo detentoras de personalidade jurídica própria. Consoante já explanado no post anterior que trata acerca desse tema - http://cintiadv.blogspot.com/2011/01/responsabilidade-pessoal-do-socio.html -, a averiguação da ocorrência de atos que configurem as práticas antijurídicas previstas no artigo 50, do Código Civil, deverá se dar de forma cautelosa e ponderada, devendo restar comprovado, de forma inequívoca, que o sócio obrou em desrespeito à lei e ao princípio da boa-fé, em detrimento dos credores da empresa limitada, sob pena de se perpetrar uma injustiça contra aquele que, durante sua permanência no quadro social, sempre agiu em conformidade com os ditames da moral e da ética.

 Post em homenagem ao meu grande amigo O.F.W. (apesar dos percalços enfrentados no caminho, tenho comigo a certeza de que ao final venceremos esta batalha. FÉ !!!)

A íntegra do artigo publicado pelo autor Felipe Pagni Diniz poderá ser encontrada no link

http://www.fiscosoft.com.br/a/38s2/responsabilizacao-dos-socios-retirantes-mais-do-que-uma-questao-de-prescricao-uma-questao-de-decadencia-felipe-pagni-diniz

quinta-feira, 10 de março de 2011

Juramento de Hipócrates

“Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade. Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão. Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação. Respeitarei os segredos a mim confiados. Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão médica. Meus colegas serão meus irmãos. Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes. Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza. Faço estas promessas, solene e livremente, pela minha própria honra."
(Atualizado em 1948 pela Declaração de Genebra).

Em mais de uma oportunidade este blog se debruçou sobre questões técnicas do Direito Médico, que além de ser tema que cresce exponencialmente nos tribunais pátrios, é uma das áreas de atuação profissional da blogueira. Todavia, este post possui um viés diferente, eis que o tema passou a assumir um contorno bastante particular à autora, que recentemente se viu no papel de vítima de erro médico. Poderia aqui narrar a situação vivenciada e expor, em tons de desabafo, o misto de sentimentos de dor, aflição, medo, tristeza e terror que acometem todos aqueles que em algum momento padeceram em virtude de um mau atendimento, mas não é este o mote do artigo.

A questão central é a inobservância, por parte de alguns profissionais, do juramento acima transcrito, e do dever de ZELO, CAUTELA, PROTEÇÃO que os mesmos possuem em relação aos seus pacientes. O dano moral, tão postulado em juízo nos casos de erro médico (que também pode ser provocado por dentistas, enfermeiros, anestesistas, e outros profissionais da área da saúde), advém da CULPA, a qual se apresenta em três diferentes modalidades: 1) imperícia = falta de técnica, de conhecimentos práticos; 2) imprudência = agir impensado, temerário, perigoso, sem atentar para as conseqüências do ato; 3) negligência = conduta desleixada, falta de cuidado, de prudência.

Por certo que para existir uma condenação judicial em indenizar o paciente pelos danos morais e porventura materiais suportados, a culpa deverá ser cabalmente comprovada, através da equação: resultado danoso = conduta praticada + nexo causal. O problema é que, muitas vezes, a vítima do malefício não sobrevive ao erro, e a suposta “compensação financeira” obtida não é capaz de aplacar, tampouco amenizar a dor da perda de um ente querido. Portanto, doutores, honrem o juramento sagrado feito no momento da formatura. Salvem vidas, protejam vidas, zelem pelas vidas que chegam a seus cuidados. Dediquem seu tempo a ouvir o doente fragilizado, com paciência, carinho e aceitação. Dignifiquem sua tão nobre, essencial  e humanitária profissão.

Para encerrar o post, não poderia deixar de transcrever a lição do nobre e dedicado Dr. Dráuzio Varella, sob forma de conselho de quem vive a Medicina com paixão e cuidado há mais de 30 anos, e que deve servir de exemplo e inspiração para as novas gerações de médicos brasileiros:

“Apesar de absolutamente necessário, o domínio da técnica não basta. O exercício da medicina envolve a arte de ouvir as pessoas, de observá-las, de examiná-las, interpretar-lhes as palavras e de discutir com elas as opções mais adequadas. O tempo dos que impunham suas condutas sem dar explicações, em receituários cheios de garranchos, já passou e não voltará.

Talvez a aquisição mais importante da maturidade profissional seja a consciência de que a falta de tempo não serve de desculpa para deixarmos de escutar a história que os doentes contam. De fato, muitos deles se perdem com informações irrelevantes, embaralham queixas, sintomas e, se lhes perguntamos quando surgiu a dor nas costas, respondem que foi no casamento da sobrinha. Nesses casos, o médico competente é capaz de assumir com delicadeza o comando do interrogatório de forma a torná-lo objetivo e exeqüível num tempo razoável.

Nessa área, sim, temos muito a aprender com os velhos mestres. Hipócrates acreditava que a arte da medicina está em observar. Dizia que a fama de um médico depende mais de sua capacidade de fazer prognósticos do que de fazer diagnósticos. Queria ensinar que ao paciente interessa mais saber o que lhe acontecerá nos dias seguintes do que o nome de sua doença. Explicar claramente a natureza da enfermidade e como agir para enfrentá-la alivia a angústia de estar doente e aumenta a probabilidade de adesão ao tratamento.

Muitos procuram nossa profissão imbuídos do desejo altruístico de salvar vidas. Nesse caso, encontrariam mais realização no Corpo de Bombeiros, porque a lista de doenças para as quais não existe cura é interminável. Curar é finalidade secundária da medicina, se tanto; o objetivo fundamental de nossa profissão é aliviar o sofrimento humano.”

http://www.drauziovarella.com.br/ExibirConteudo/502/o-juramento-de-hipocrates

Juramento de Hipócrates original:

http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3

quarta-feira, 2 de março de 2011

A Suprema Arte da Convivência

Depois de duas semanas de afastamento forçado (por motivo de saúde, felizmente já superado), retomamos os trabalhos falando do lamentável e chocante episódio ocorrido no final da tarde da sexta-feira passada, dia 25 de fevereiro, na cidade de Porto Alegre, em que um motorista enfurecido acelerou seu carro e atropelou diversos ciclistas que participavam de um movimento pacífico no Bairro Cidade Baixa, em prol do uso de bicicletas como meio de transporte, visando à sustentabilidade do planeta e a melhoria do trânsito, grupo este denominado Massa Crítica.

A intransigência tem sido marca do nosso tempo. Infelizmente, a educação e as boas maneiras, a paciência e a tolerância, práticas tão necessárias para o bom e pleno convívio em sociedade, têm sido riscadas sem dó nem piedade dos dicionários particulares das pessoas. A pressa, a não-aceitação do próximo enquanto ser humano singular, com outros valores, crenças e desejos, faz com que atrocidades sejam cometidas em nome do culto ao egocentrismo exacerbado e à urgência no atendimento dos próprios interesses.

Percebam o absurdo da situação: a marcha de ciclistas buscava conscientizar a população dos riscos do trânsito, e da violência que se mostra cada dia mais presente na disputa manifestamente desigual de espaço entre carros, transeuntes, motos e bicicletas. Um alerta contra a selvageria praticada por alguns motoristas de veículos que acabou motivando uma brutalidade de tamanha proporção, e sem qualquer explicação plausível. O cansaço da sexta-feira, a pressa de se chegar em casa, a irritação com o trabalho ou com a compreensível lentidão das bicicletas, NADA justifica um ato bárbaro como o que se viu.

Não há argumentos que justifiquem o ato de covardia perpetrado por este “cidadão”, que alegou ter se sentido ameaçado pelos ciclistas, agindo assim em legítima defesa. Assim, para se livrar das pessoas que estavam atravancando seu caminho, ao invés de tomar uma rota alternativa, decidiu por retirá-las à força da rua, liberando a passagem. Argumento que seria risível, se não fosse tão doentio. As imagens do ataque de fúria correram o mundo, indignando a todos aqueles que ainda acreditam na possibilidade de coexistência tranqüila entre os seres humanos. É inacreditável ver como uma pessoa pode utilizar-se de seu veículo como arma, atingindo dezenas de ciclistas pelas costas, sem qualquer chance de defesa e busca de proteção.

O Ministério Público, brilhantemente representado pelo Promotor Dr. Eugênio Paes Amorim, tomou a frente da situação e requereu a imediata prisão do motorista. Trata-se de um ser humano (...) que deve ser mantido afastado do convívio social. O Juiz decretou a preventiva e o funcionário público de 47 anos, no momento hospitalizado por suposto "abalo emocional", em breve se encontrará devidamente encarcerado no Presídio Central da capital gaúcha. Certamente será denunciado pelo crime de tentativa de homicídio doloso (por sorte o acidente não deixou vítimas fatais, mas as imagens não deixam dúvidas acerca da intenção de matar os manifestantes), e esperamos que o motorista seja submetido a um julgamento bastante justo, de modo a que lhe seja aplicada uma pena condizente com a monstruosidade de seu ato.

Blog do grupo Massa Crítica:
http://massacriticapoa.wordpress.com/