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domingo, 25 de março de 2012

Rescisão Unilateral de Contrato - Plano de Saúde x Idosos

Temática atual que versa acerca dos planos de saúde diz respeito à possibilidade, ou não, da operadora rescindir, por sua liberalidade, contratos coletivos firmados com idosos. Tamanha é a sua importância que o assunto está na pauta de julgamentos do Superior Tribunal de Justiça para 2012.

Nos termos do Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/03), referida lei regula os direitos assegurados àquelas pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Ainda, conforme dispõe o artigo 15, § 3.º, "é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade."

O recurso que se encontra sob análise dos Ministros do STJ diz respeito a um contrato firmado por uma grande operadora de planos de saúde com um grupo de usuários idosos. Em razão do aumento da sinistralidade (quanto mais idoso o consumidor, maior a chance de ter problemas de saúde, o que por sua vez aumenta significativamente os custos para tratamento), a empresa decidiu por romper unilateralmente o pactuado, alegando ser inviável a manutenção do plano de saúde em virtude da onerosidade excessiva.

O relator do recurso e outros dois Ministros da Côrte já votaram no sentido de reconhecer a impossibilidade de rescisão do contrato por parte da Operadora, eis que tal atitude viola frontalmente o quanto instituído na Constituição Federal de 1988 (direito à saúde - artigo 196) e o Estatuto do Idoso, que veda expressamente a prática de discriminação por causa da idade dos segurados.

Por tratar-se de legítima relação de consumo, eis que o contrato tem natureza de trato sucessivo, há de se ter em conta, ainda, a violação ao quanto estabelecido no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), bem como ao princípio da função social do contrato e o da boa-fé, além daqueles deveres anexos de lealdade, solidariedade e colaboração.

Sob outro aspecto, há de se ter em conta duas variáveis importantes: um dos princípios que regem os contratos é o da comutatividade, ou seja, para que seja conservada a avença firmada originalmente deve haver uma equivalência entre prestação dos serviços e contraprestação financeira. Desse modo, em caso de aumento de sinistralidade apresentada pelos beneficiários do plano, a alternativa mais correta é buscar-se a revisão ou reajuste das parcelas, para que não ocorra a denominada "onerosidade excessiva" do plano (vide artigos 478 e 479 do Código Civil de 2002), e não a drástica medida do rompimento contratual.

Todavia, por ocasião do advento do Estatuto do Idoso, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) emitiu Resolução criando novas faixas etárias para reajuste, eis que restou proibido o aumento das mensalidades quando da mudança de faixa etária dos segurados para 60 (sessenta) anos, norma esta que vem sendo aplicada inclusive aos planos firmados antes da entrada em vigor do Estatuto. Na prática, porém, esta alteração somente "antecipou" os reajustes para quando o conveniado completa 59 (cinquenta e nove) anos de idade, por exemplo. Assim, o "espírito da lei" não vem sendo verdadeiramente observado.

Outro ponto a ser observado é a dificuldade que os idosos possuem de contratar plano de saúde quando já se encontram em idade avançada, eis que não é do interesse das Operadoras entabular avença com este público específico, por presumirem as empresas que terão muitos gastos e despesas imediatas, dada a provável alta sinistralidade.
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Leitura complementar:

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/51981/o+reajuste+por+faixa+etaria+nos+planos+de+saude+e+o+estatuto+do+idoso.shtml

terça-feira, 13 de março de 2012

E se uma tragédia ocorrer?

Transcrevo aqui uma carta por mim escrita e enviada ao saite jurídico Espaço Vital (a qual foi publicada no dia 07/03), visando chamar a atenção do Poder Judiciário para uma situação bastante grave que está sendo vivida por uma família na cidade de Novo Hamburgo, RS. A demanda atualmente aguarda decisão junto ao Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4).

 http://www.espacovital.com.br/noticia-26759-e-se-uma-tragedia-ocorrer

E se uma tragédia ocorrer?
(07.03.12)


Porto Alegre, 7 de março de 2012.

Ao
Espaço Vital
Ref: Situação desesperadora à espera de sensibilidade na percepção do drama vivido por uma família.



Código de Processo Civil - Seção I

Dos Poderes, dos Deveres e da responsabilidade do Juiz

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
(...)


Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
(...)
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

O Espaço Vital é um importante canal de comunicação entre advogados e servidores da Justiça; por isso, vimos compartilhar uma situação bastante crítica que está acontecendo em uma demanda que atualmente encontra-se com recurso de agravo de instrumento pendente de julgamento perante o egrégio TRF da 4ª Região. Objetivo desta carta: chamar a atenção para a gravidade do caso àqueles que são responsáveis por apreciar e decidir a lide imposta (AI n.º 0017004-18.2011.404.0000).

Tendo em vista a gravidade da situação que segue narrada, solicitamos seja nosso desabafo publicado com brevidade no Espaço Vital, cuja visibilidade e alcance junto aos operadores do Direito nos faz crer que a justiça finalmente possa ser feita.

A questão pode ser resumida assim: os autores, por meio de um financiamento junto à CEF - o qual foi compulsoriamente segurado pela Caixa Seguradora - adquiriram um terreno e começaram a construir sua casa em regime de mutirão; a construção foi fiscalizada pelos engenheiros credenciados ao agente financeiro (que atestam a higidez da obra a cada etapa finalizada), bem como por um profissional contratado à parte pelos demandantes.

Tal profissional não apenas elaborou o projeto e a execução como também acompanhou todas as fases da obra (consoante os recibos acostados aos autos). Passados alguns meses, apareceram pequenas fissuras e rachaduras nas paredes, além do afundamento no piso da cozinha. Deflagrado o vício construtivo, os consumidores ajuizaram a competente ação de reparação de danos.

Embora a demanda tenha sido distribuída em 22/12/2009, a citação das partes rés somente foi determinada em 16/09/2011, em decorrência de uma discussão acerca da legitimidade da Caixa Econômica Federal para responder a este tipo de ação. Restou decidida, pelo STJ, a permanência da CEF no pólo passivo do feito.

Ocorre que, no decorrer deste período, os problemas estruturais no imóvel aumentaram consideravelmente (tais como o afundamento de 40 cm no chão da cozinha, o que deixou a casa sem sustentação), sendo que um laudo elaborado por engenheiro e assistente técnico independente concluiu que a residência tornara-se inabitável. Por isso, o casal deveria retirar-se imediatamente do lar, dada a possibilidade real e iminente de desabamento, o que colocava em risco a vida e integridade física dos moradores.

Diante das circunstâncias, os autores postularam ao Juízo, em sede de antecipação de tutela, a condenação dos réus ao pagamento de um aluguel mensal em outro imóvel até final julgamento da lide, eis que a soma de suas rendas não se mostra suficiente para arcar com os custos do financiamento, despesas pessoais e ainda locação de outro imóvel.

Em decisão interlocutória, a magistrada ´a quo´ indeferiu o pedido por entender que não estavam configurados os requisitos do ´fumus boni juris e do ´periculum in mora´ para sua concessão. Além disso, fundamentou seu ´decisum na necessidade de dilação probatória, por se tratar de responsabilidade civil, especialmente porque “não restou suficientemente estabelecida a responsabilidade dos réus pelos eventos narrados na petição inicial.” ´

E pior: da leitura das contestações, a juíza firmou entendimento de que “o autor pode ter contribuído decisivamente para o ocorrido”!

Apresentado recurso ao TRF-4, os autores foram novamente surpreendidos pela decisão do desembargador relator da 3ª Turma que, ao apreciar o pedido de liminar, reiterou os argumentos expendidos pela magistrada a quo. Em face de um erro material contido na decisão, foram opostos embargos de declaração em 02/02/2012, os quais aguardam julgamento.

E lá se foi mais um mês de angustiante espera e processo parado...

Causa espanto que, apesar de toda a prova documental carreada aos autos – especialmente laudos e fotos do imóvel – que denotam de forma plena a situação desesperadora dos autores, nenhum dos julgadores que analisaram o feito até o momento teve a sensibilidade de perceber o verdadeiro drama vivido por esta família.

É sabido que a mitigação de conceitos deve ser realizada sempre que se mostrar fundamental assegurar um bem maior, sob pena de se perpetrar uma iniquidade. No caso telado, a vida e integridade física dos autores é valor que não pode ser sacrificado em virtude de questões meramente pecuniárias, especialmente diante do imenso poder econômico dos réus.

Diante de tudo quanto foi narrado, a questão que fica a ser respondida é a seguinte: caso uma tragédia venha a se abater sobre a família dos autores, e dela advirem vítimas fatais, quem arcará com as consequências nefastas?

Os demandados, que tentam se eximir da evidente responsabilidade que lhes cabe?

Ou o Poder Judiciário, que fecha os olhos para uma realidade tão clarividente e não aplica o direito necessário, afastando os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988 – especialmente o da dignidade da pessoa humana – para ater-se a preciosismos que, data vênia, se mostram dispensáveis e completamente injustos no caso concreto?

Atenciosamente,

Cíntia Helena Zwetsch e
Kátia Jaqueline Rech Medeiros Rodrigues,
advogadas (OAB/RS nºs 60.544 e 52.490).

terça-feira, 6 de março de 2012

Impenhorabilidade do Bem de Família

Inicialmente, gostaria de agradecer a todos aqueles amigos leitores que, no dia 29 de fevereiro último, nos ajudaram a alcançar a marca de 10.000 ACESSOS AO BLOG :: Direito Sem Mistérios ::



A Lei 8.009/90, que rege a matéria, informa, em seu artigo 1.º, que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.” Já o parágrafo único nos diz que "a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados."

Referidas ressalvas – as quais retiram do imóvel o seu manto de impenhorabilidade – estão expressamente previstas no artigo 3.º da norma, e se referem ao não pagamento de:

1) Salário de trabalhador doméstico e respectivas contribuições previdenciárias;
2) Financiamento para a construção ou aquisição do imóvel (limitando-se aos créditos);
3) Pensão alimentícia;
4) Impostos (como o IPTU), taxas (como a de incêndio) e contribuições (como o condomínio) devidos em razão do imóvel familiar;
5) Hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia;
6) Obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Soma-se a estes as situações decorrentes de ato ilícito, ou seja: 7) quando o bem de família foi adquirido com produto de crime, ou quando servirá para ressarcir/ indenizar vítimas em virtude de execução de sentença penal condenatória (exemplo: alimentos em acidente de trânsito).

Já o Código de Processo Civil informa, em seu artigo 649, os bens que não podem ser objeto de constrição judicial, ou seja, não podem ser expropriados do patrimônio do devedor, a saber:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.


§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem.
§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.


Importante destacar que o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é de que é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Em outras palavras, desde que sirva como residência da família, o valor do bem não importa  (REsp 1.178.469/SP). Em certa oportunidade, o STJ se manifestou no sentido de que é possível a penhora de fração de imóvel caracterizado como bem de família, quando este puder ser desmembrado sem se descaracterizar (AgRg no Ag 1117446/RS).

Outra questão bastante interessante é o alcance do inciso II do artigo 649, quando refere que são impenhoráveis “os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida.” A jurisprudência mais abalizada do STJ nos diz que são utilitários da vida moderna necessários para garantir o funcionamento da casa e assegurar a dignidade da pessoa humana – e, portanto, insuscetíveis de penhora –, os aparelhos de televisão e de som, microondas e videocassete, bem como o computador e a impressora, que, hoje em dia, são largamente adquiridos como veículos de informação, trabalho, pesquisa e lazer (REsp 198370/MG), bem como o aparelho de ar condicionado (REsp 836576/MS).


Por outro lado, a vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeitos de penhora (AgRg no Ag 1395432/RS), bem como uma esteira elétrica e um piano de parede não estão abrigados pela impenhorabilidade, este último por se enquadrar no conceito de bem suntuoso (REsp 371344/SC).