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sábado, 21 de julho de 2012

Crime Passional

Há exatos dez anos, ainda estudante de Direito, iniciei os estudos e coleta de material para a elaboração de meu trabalho de conclusão de curso. Fascinada pelas nuances e particularidades do Direito Penal, decidi escrever sobre um assunto deveras instigante: crime passional. Em minhas pesquisas, verifiquei que a grande maioria dos crimes ditos "por amor" (o que é uma expressão incoerente, posto que quem ama não mata o objeto de sua afeição) eram cometidos por homens (uxoricídio), seres mais afeitos à violência física.

Embora em pequeno número, há mulheres que matam seus maridos, namorados, companheiros e amantes, como recentemente ocorreu com Elize Araújo Kitano Matsunaga, que em 19 de maio assassionou violentamente o esposo, Marcos Kitano Matsunaga, diretor da Yoki, uma das maiores empresas do ramo alimentício no Brasil. O caso ganhou as manchetes de telejornais e periódicos nacionais e trouxe perplexidade pelo sangue-frio demonstrado pela assassina confessa.

Movida pelo ciúme doentio nutrido pelo parceiro, Elize executou o homicídio com requintes de crueldade e sadismo. Segundo seu relato, após uma discussão, disparou um tiro na cabeça de Marcos e, horas depois, segmentou o corpo já sem vida com uma faca de cozinha. Entretanto, laudo pericial realizado para consubstanciar o inquérito policial dá conta de que a vítima foi decapitada ainda viva (podendo ter perdido a consciência por ocasião do tiro), falecendo em virtude de choque traumático causado pela bala, e asfixia respiratória pelo sangue aspirado com a degola. Após o esquartejamento, Elize limpou o local e acondicionou a cabeça e as partes do corpo em sacos plásticos distribuídos em três malas, para facilitar o transporte. Em seguida, viajou para uma cidade do interior do estado de São Paulo e foi jogando os pedaços do corpo aleatoriamente pela estrada.

Estudiosos do tema acreditam que raramente um crime passional é cometido em um ímpeto repentino: pelo contrário, trata-se de uma atitude pensada e repensada diversas vezes antes de seu cometimento. Assim, via de regra, os homicídios entre parceiros ou ex-parceiros é frio e calculadamente premeditado. Isso denota a plena consciência e voluntariedade com que o ato é praticado, pois ainda que os sentimentos de raiva e desejo de vingança tenham dominado por completo a pessoa e corrompido a sua vontade, houve um momento inicial em que o criminoso tinha a possibilidade de resistir, mas não o fez.

No aguçado dizer de Sêneca,

A alma, uma vez aluída, lançada fora de sua sede, a nada mais obedece além do impulso que recebeu. Há coisas que, no seu início, dependem de nós, mas que, deixadas a si mesmas, nos arrastam por sua própria força e não mais permitem recuo. O homem que se lança no fundo de um abismo não é mais senhor de si, não pode deter-se, nem diminuir sua queda: um despenhamento inelutável cortou cerce toda a prudência, todo o arrependimento, e é lhe impossível retornar ao momento ou posição em que podia ter deixado de cair. Assim, a alma que se entrega à cólera, ao amor, a uma paixão qualquer, perde os meios de conter-lhe o ímpeto. O melhor é dominarmos a primeira irritação, matando-a em seu germe, resguardando-nos do menor desvario, pois se ela consegue arredar nossos sentidos, já não há mais evitar-lhe o império: agirá segundo o próprio capricho, não segundo nossa permissão.
SÊNECA apud HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. V.5. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 136-137. 


Por vezes, em alguns casos - como o do executivo da Yoki - o homicida acaba entrando em um surto obsessivo e, cego de ódio, acaba por repetir os golpes inúmeras vezes, como forma de penalização, quase como uma vingança para além da morte. Não raro os tiros ou as facadas são lançados sobre a vítima já sem vida, em uma espécie de automatismo ou perda dos chamados "freios inibitórios". Seu pensamento se baseia no seguinte critério: não basta matar, a vítima deve sofrer.


Neste aspecto, expõe Hungria magistralmente:


Os matadores chamados passionais, para os quais se invoca o amor como escusa, não passam, na sua grande maioria, de autênticos celerados: não os inspira o amor, mas o ódio inexorável dos maus. Impiedosos, covardes, sedentos de sangue, porejando vingança, mas só agindo diante da impossibilidade de resistência das vítimas, estarrecem pela bruteza do crime, apavoram pela estupidez do gesto homicida. Para eles não basta a punhalada certeira em pleno coração da vítima indefesa: na volúpia da destruição e da sangueira, multiplicam os golpes até que a lâmine sobre si mesma se encurve. Não basta que, ao primeiro tiro, a vítima tombe numa poça de sangue: despejam sobre o cadáver até a última bala do revólver. Dir-se-ia que eles desejam que a vítima tivesse não só uma, mas cem vidas, para que pudessem dar-lhe cem mortes!

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. V.5. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p.150-151.
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NOTA: Elize Araújo Kitano Matsunaga foi denunciada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por homicídio doloso triplamente qualificado (motivo torpe, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e por meio cruel), além de destruição e ocultação do cadáver. O Juiz da 5.ª Vara do Tribunal do Júri recebeu a denúncia e determinou a conversão da prisão temporária de Elize em prisão preventiva, que aguardará seu julgamento presa na penitenciária feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, localizada na cidade de Tremembé, interior de São Paulo.

NOTA 2: Em dezembro de 2016, Elize Araújo Kitano Matsunaga foi condenada a 19 anos e 11 meses de prisão em regime inicialmente fechado. Por ocasião do julgamento, os jurados não reconheceram as agravantes de 1) motivo torpe e de 2) emprego de meio cruel, mas apenas em relação à utilização de 3) recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. Em março de 2019, o STJ reduziu a pena de Elize em 2 anos e 6 meses, em razão da atenuante de confissão. Em agosto do mesmo ano, a Vara de Execuções Criminais de Taubaté autorizou a progressão de regime, passando a detenta a cumprir o restante da pena em regime semiaberto.

sábado, 14 de julho de 2012

Suspensão das vendas de planos de saúde atinge 37 Operadoras no Brasil

A problemática da saúde em nosso país há tempos não se limita à rede pública (Sistema Único de Saúde - SUS). Também os planos de saúde têm trazido sérios transtornos a seus consumidores. Segundo dados do Ministério da Saúde, atualmente existem no Brasil 1.016 Operadoras em ação, as quais contam com 47,6 milhões de conveniados.

Nesta semana (13/07), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) expediu uma portadoria suspendendo a comercialização de 268 tipos diferentes de planos de saúde ofertados por 37 Operadoras atuantes no segmento, nas modalidades empresarial, individual e por adesão, sob pena de multa de R$ 250 mil em caso de desatendimento. Isso porque, segundo dados da ANS, essas empresas não cumpriram os prazos mínimos de atendimento aos conveniados (atrasos na marcação de consultas, exames e cirurgias), ocasionando assim diversas reclamações dos consumidores junto ao órgão.

Importante dizer que a medida não afeta aqueles que já fazem parte do rol de beneficiários dos planos, o que atualmente soma cerca de 3,5 milhões de pessoas, mas apenas e tão somente impede temporariamente que as Operadoras vendam novos planos enquanto não se adequarem às normas.

Consoante informação contida no site da ANS, as empresas que comercializam planos de saúde são acompanhadas permanentemente no que tange ao respeito aos prazos de atendimento, sendo que os resultados das avaliações são divulgados a cada período de 03 (três) meses.

Por determinação da Resolução Normativa n.º 259 da ANS (em vigor desde 17 de junho de 2011), o cliente deve aguardar no máximo 07 (sete) dias úteis para conseguir o atendimento nos casos de consultas básicas, 14 (quatorze) dias para outras especialidades e 21 (vinte e um) dias para procedimentos de alta complexidade.

No Rio Grande do Sul, três operadoras estão com a venda de planos suspensa desde ontem: Centro Clínico Gaúcho, Porto Alegre Clínicas e Social Saúde.

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O rol completo das operadoras impedidas de comercializar planos, bem como maiores informações poderão ser obtidas no site da ANS na Internet:
http://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/contratacao-e-troca-de-plano/1629-planos-de-saude-suspensos

Íntegra da Resolução Normativa n.º 259, de 17 de junho de 2011:

http://www.ans.gov.br/texto_lei_pdf.php?id=1758/

sábado, 7 de julho de 2012

Responsabilidade do Provedor de Internet

Assunto dos mais debatidos nos tribunais pátrios diz respeito à obrigação imposta ao provedor da Internet em retirar do ar conteúdos impróprios/ indevidos/ ofensivos postados em sites, blogs e redes sociais, que possam atingir a honra e a dignidade dos que frequentam o ambiente World Wide Web (www).

Importante esclarecer que aos provedores, tais como o Google, é aplicada a teoria do risco, prevista no parágrafo único do artigo 927 do CPC, a saber:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Da mesma forma é aplicável o Código de Defesa do Consumidor, eis que os serviços de Internet caracterizam evidente relação de consumo:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Assim, ao disponibilizar espaço para sites na rede mundial de computadores, sem controle e monitoramente prévio de seu conteúdo (o que é impossível dado o fluxo e quantidade de informações, diga-se de passagem), o provedor assume o risco de sua atividade e deve responder pelos danos independentemente de culpa. Mas isso somente ocorre se, após tomar conhecimento da existência de ilegalidades/ ilicitudes na rede, o provedor se omitir na indisponibilização do conteúdo. Em outras palavras, ele não responde pelo conteúdo postado, mas sim por sua inércia em retirá-lo do ar após ser cientificado.

Na prática ocorre o seguinte: quando uma pessoa verifica a impropriedade de algum conteúdo postado na rede, notifica imediatamente o Google para que tome as medidas necessárias para retirá-lo do ar. Tal providência, no entanto, tem caráter meramente provisório (ou seja, trata-se de uma suspensão temporária), eis que a denúncia será objeto de criteriosa análise por parte do servidor. Em sendo confirmada a veracidade das alegações do delator, o conteúdo deverá ser excluído definitivamente; de outro lado, se não ficar comprovada a prática de ilícito, o conteúdo será plenamente restabelecido.

A questão que fica a ser respondida é: qual o prazo para retirada desse conteúdo da rede?

No julgamento do Recurso Especial 1.323.754/RJ, a Ministra relatora Nancy Andrighi assim se pronunciou: “Se, por um lado, há notória impossibilidade prática de controle, pelo provedor de conteúdo, de toda a informação que transita em seu site; por outro lado, deve ele, ciente da existência de publicação de texto ilícito, removê-lo sem delongas”.

No referido caso, o entendimento manifestado pela Corte foi no sentido de que, em atenção ao princípio da razoabilidade, o provedor deve retirar o material do ar no prazo de 24 horas após a notificação do prejudicado, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano (aquele que postou o conteúdo). Todavia, muitas vezes a retirada do conteúdo somente se dá por meio de ordem judicial, após o ajuizamento da competente ação de reparação de danos com pedido de antecipação de tutela.

Em outro julgado oriundo do Superior Tribunal de Justiça (REsp 997.993), o Ministro Luis Felipe Salomão explicitou que existem 5 categorias de provedores:  backbone ou espinha dorsal (no Brasil, a Embratel); de conteúdo (intermediação); de acesso (que conectam à rede); de hospedagem (que alojam páginas de terceiros); e de correio eletrônico (que fornecem caixa postal). 

O PL n.º 2.126/2011, que trata do Marco Civil da Internet no Brasil, possui em seu texto original (o qual certamente será objeto de alterações, eis que ainda pende de análise pela Comissão Especial da Câmara), os seguintes artigos acerca da exclusão de conteúdo por parte do provedor:

Art. 15. Salvo disposição legal em contrário, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.

§ 1.º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

Art. 16. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 15, caberá ao provedor de aplicações de Internet informar-lhe sobre o cumprimento da ordem judicial.

Espera-se que, com o advento de norma que regulamente a Internet no Brasil, estabelecendo os princípio que devem reger o uso da rede, bem como os direitos e deveres dos usuários, prestadores de serviços e provedores, sejam efetivamente premiados os princípios constitucionais da segurança, privacidade, direito à imagem e à liberdade de expressão.