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terça-feira, 26 de abril de 2011

Apropriação Indébita por Empregado = Justa Causa Trabalhista


Na atualidade, quando do surgimento de vagas no quadro de funcionários, as grandes empresas não estão buscando apenas profissionais competentes e qualificados para assumir o cargo ou função ofertados no mercado. O requisito que mais vem sendo observado, quando das contratações, é o da honestidade. Não basta ser um funcionário/ colaborador com vasta cultura e currículo extraordinário: é imprescindível possuir qualidades éticas e morais.

Para o preenchimento das vagas nos empreendimentos de porte, é interessante que se faça uma averiguação acerca do passado funcional do candidato. Na medida do possível, checar com os antigos empregadores os motivos que ensejaram sua saída daquela empresa. Isto se mostra de fundamental importância para as vagas de departamento financeiro, as quais são dotadas de uma responsabilidade especialmente peculiar: lidar com o caixa da empresa.
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Infelizmente, não são raras as situações em que se verifica certa “confusão patrimonial” envolvendo o dinheiro da empresa e o do funcionário. Pequenos desvios de numerário, ou desfalques financeiros de grande monta, a questão do valor não importa. Trata-se de ato de improbidade caracterizador da justa causa para rescisão do contrato de trabalho, conforme cominado no artigo 482, alínea "a", da CLT.

Além disso, a prática do ato também configura ilícito criminal – apropriação indébita com a majorante da confiança, crime punível com pena de reclusão, conforme previsão legal contida no artigo 168  § 1.º, inciso III, do Código Penal, a saber:

Apropriação indébita
Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:
I - em depósito necessário;
II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;
III - em razão de ofício, emprego ou profissão.


Quando o empregador se deparar com uma situação destas, o primeiro passo é iniciar uma varredura nos documentos contábeis e fiscais do empreendimento, com o fito de localizar possíveis indícios e/ou provas do desvio de valores pelo funcionário. Em se constatando, com absoluta certeza, a ocorrência de apropriação indébita, deve-se registrar ocorrência na delegacia (o denominado “BO”), a qual acompanhará o comunicado de justa causa a ser encaminhado ao funcionário faltoso. Inclusive, em eventual ajuizamento de reclamatória trabalhista, será mais um meio de prova em prol do empregador.

A questão mais tormentosa será a da retomada, na seara civil, dos valores indevidamente retirados da empresa pelo funcionário. É um procedimento que demanda tempo e muitas vezes se mostra ineficaz, eis que é bastante comum que o antigo colaborador simplesmente “desapareça do mapa” sem deixar vestígios, e o dinheiro desviado seja dissipado na aquisição de bens ou abertura de contas bancárias em nome de terceiros, o que torna o rastreamento do dinheiro praticamente impossível de ser realizado.

Para evitar (ou pelo menos minorar sensivelmente) a hipótese do empregador vir a sofrer um revés financeiro em razão da contratação de um funcionário desonesto e desleal, principalmente quando a vaga for para o setor financeiro do empreendimento, buscar referências pessoais e profissionais ainda é o meio mais eficiente para uma contratação segura. Muito embora não se possa atestar a veracidade das informações com 100% de certeza, a busca de impressões junto a terceiros é uma forma de melhor conhecer o candidato a empregado, tornando mais fácil a decisão do empresário em contratá-lo ou não.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Testemunhas de Jeová x Transfusão de Sangue

Consoante já explanado neste blog anteriormente (vide http://cintiadv.blogspot.com/2010/10/os-direitos-fundamentais.html), os Direitos e Garantias Fundamentais, presentes no artigo 5.º da Constituição Federal de 1988, têm como finalidade principal assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana. Não raro ocorre uma colidência entre os direitos fundamentais, sendo que ao Julgador caberá decidir, caso a caso, qual deles preponderará em relação ao outro.

Questão das mais complexas envolvendo o choque entre direitos fundamentais é a das Testemunhas de Jeová com relação à transfusão sanguínea (direito à vida x direito à liberdade religiosa). Os seguidores desta religião acreditam que o sangue, uma vez removido do corpo, deve obrigatoriamente ser descartado. Isto porque, em seu entender, reutilizá-lo seria contrário à vontade de Deus, e equivaleria à perda da vida eterna.

Confesso que por um bom tempo acreditei que, em uma situação envolvendo risco de morte, o médico responsável deveria lutar pela manutenção da vida do paciente, independentemente de suas crenças. Todavia, o relato de um professor Promotor de Justiça acerca de um caso concreto me fez analisar a questão sob outro prisma, e acabei mudando de ideia.

Recentemente li um parecer elaborado pelo grandioso Nelson Nery Júnior acerca do tema, o qual é riquíssimo em detalhes e expõe o assunto de forma bastante didática e objetiva. Em síntese, seu entendimento se baseia na seguinte premissa: para que exista um conflito entre dois direitos, um deles deveria causar dano ao direito fundamental de outrem. E a negativa de recebimento de sangue por parte de uma Testemunha de Jeová não prejudica a terceiros. Trata-se unicamente do exercício de um direito público subjetivo, uma manifestação de vontade livre e consciente.

Impor a uma Testemunha de Jeová a prática de uma conduta que fere seu íntimo é atentar contra sua dignidade, intimidade, inviolabilidade e liberdade de escolha, à autodeterminação do próprio corpo, bem como vai de encontro ao princípio da legalidade (artigo 5.º, inciso II, da CF/88).

Em uma situação delicada como esta, o médico tem o dever de informar claramente o paciente acerca de todas as circunstâncias que envolvem seu estado de saúde, dando-lhe a possibilidade de escolher o tratamento que melhor lhe aprouver, respeitando suas convicções. Trata-se do denominado consentimento informado – o médico deve orientar o paciente e esclarecer todos os métodos que podem ser usados, opções de diagnóstico e os tratamentos disponíveis e mais adequados ao caso.

Importante ressaltar que a negativa de submeter-se à transfusão sanguínea não torna o seguidor desta religião uma pessoa que desistiu da vida ou queira se entregar à morte, tampouco que acredita na cura exclusivamente pela fé. Pelo contrário: a resistência limita-se ao recebimento de sangue, o que não dispensa as demais formas de tratamento alternativo, que não tenha este elemento tão invasivo do ponto de vista religioso e espiritual.

Retomando o caso narrado pelo professor, este em uma situação concreta opinou pela realização do procedimento mesmo contra a vontade do paciente, o que acabou sendo efetivado. Algum tempo depois, esta pessoa moveu-se a seu gabinete e informou que aquele ato – que na visão do Promotor iria resguardar sua vida – em realidade havia acabado com ela. Renegado por sua família e afastado de seu círculo social, por ser considerado por seus pares como impuro e maculado, sua “vida” limitava-se a sobreviver, dia após dia, sem qualquer esperança de retomar os laços perdidos.

Assim, temos que não é lícito e legítimo ao Estado tentar obrigar, através do deferimento judicial de medidas liminares ilegais, uma Testemunha de Jeová a receber transfusão de sangue, o que pode ser caracterizado como constrangimento ilegal (nos casos em que o paciente mal consegue se mover, ou encontra-se acamado, sendo visivelmente ameaçada sua integridade), tendo como remédio constitucional o habeas corpus preventivo (artigo 5.º, inciso LXVIII, da Carta Magna).

A questão que fica a ser respondida é se o paciente menor, que ainda não tem sua crença religiosa formada, tampouco consciência acerca do que está lhe acontecendo, deve ser tratado da maneira que seus pais decidirem (por serem os detentores do poder familiar) ou deverá ser promovida a transfusão de sangue para preservar sua vida? Em caso de morte, poderá o médico ser responsabilizado?

Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença (...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (...)
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;


Código Civil de 2002:
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Lei n.º 9.434/97 (Lei de Transplantes):
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento.
§ 1.º Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais.

Testemunhas de Jeová, quem são e o que pensam:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Testemunhas_de_Jeov%C3%A1

http://www.watchtower.org/t/200608/article_03.htm