O mundo das apostas em ambientes refinados sempre foi capaz de gerar fascínio: em Hollywood, não são raros os filmes ambientados em cassinos situados em Las Vegas. No Brasil, estes são considerados ilegais (contravenção penal) desde 1946; da mesma forma o jogo do bicho. Já os bingos e caça-níqueis não podem operar no país desde 01/01/2002. Todavia, em que pesem as proibições legais de algumas modalidades, os jogos de azar (apostas) não apenas existem (na clandestinidade) como movimentam valores vultosos em território nacional.
A sensação do momento (legalizada) são as BETS - apostas esportivas online (principalmente jogos de futebol) extremamente acessíveis e veiculadas de forma massiva por influenciadores digitais nas redes sociais e através do patrocínio de grandes eventos. Embora seja permitido, nem todas as plataformas que oferecem o serviço estão devidamente regulamentadas/ autorizadas a funcionar no país. Recentemente, inclusive, centenas foram bloqueadas pelo governo, por meio da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações).
Para além das apostas recreativas, eventuais e conscientes, temos o outro lado da moeda: a ludopatia - condição médica que se caracteriza pela compulsão de uma pessoa por jogos de azar - é uma doença que pode causar a ruína financeira, emocional, física e social de quem a detém, uma vez que também atinge a família, os amigos e a comunidade em que está inserido o indivíduo.
Na classificação internacional de doenças (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), o vício em jogos de azar se enquadra em Z72.6 (mania de jogo e apostas) e F630 (jogo patológico).
A conduta de praticar apostas começa a se mostrar problemática quando aumenta de frequência, intensidade e prejuízo. Ademais, já se sabe que o jogo patológico ativa a mesma área do cérebro que a dependência química (álcool e drogas), que são os circuitos de recompensa (a aposta libera dopamina e gera uma sensação de prazer, o que torna o jogador dependente da emoção que o jogo proporciona).
Por outro lado, traz consigo transtornos de humor, ansiedade, isolamento, endividamento, risco de suicídio e violência - além dos prejuízos sociais, familiares, laborais e financeiros. O viciado em jogos continua apostando mesmo após sofrer perdas significativas, esgotando seus recursos e de pessoas próximas, comprometendo relações pessoais e profissionais em razão das mentiras contadas e dívidas realizadas, além da possibilidade de cometer atos ilegais/ criminosos para financiar o jogo.
Alguns fatores de risco agravam a situação: transtornos psiquiátricos prévios ou caso em família; vulnerabilidade econômica e social (busca pelo dinheiro fácil e rápido); exposição precoce de crianças e adolescentes, publicidade massiva (no caso das bets), facilidade em apostar. O tratamento da ludopatia pode incluir acompanhamento psicológico e psiquiátrico, grupos de autoajuda e terapia em grupo.
A legislação brasileira possui alguns mecanismos de proteção à propaganda enganosa, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90). Vejamos:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
Já a Lei de Apostas de Quota Fixa (Lei n.º 14.790/23) que regulamentou os jogos online (relacionados a eventos esportivos), teve como objetivo proteger os apostadores, as empresas do setor e toda a sociedade, estabelecendo regras com o objetivo de prevenir problemas com o jogo ou apostas:
Art. 16. As ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa observarão a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação.
Parágrafo único. A regulamentação de que trata o caput deste artigo disporá, pelo menos, sobre:
I - os avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios que deverão ser veiculados pelos agentes operadores;
II - outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 (dezoito) anos, especialmente por meio da elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas; e
III - a destinação da publicidade e da propaganda das apostas ao público adulto, de modo a não ter crianças e adolescentes como público-alvo.
Art. 17. Sem prejuízo do disposto na regulamentação do Ministério da Fazenda, é vedado ao agente operador de apostas de quota fixa veicular publicidade ou propaganda comercial que:
I - tenha por objeto ou finalidade a divulgação de marca, de símbolo ou de denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados, que não possuam a prévia autorização exigida por esta Lei;
II - veiculem afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou os possíveis ganhos que os apostadores podem esperar;
III - apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social;
IV - sugiram ou deem margem para que se entenda que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro;
V - contribuam, de algum modo, para ofender crenças culturais ou tradições do País, especialmente aquelas contrárias à aposta;
VI - promovam o marketing em escolas e universidades ou promovam apostas esportivas dirigidas a menores de idade.
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Veja também: Portaria SPA/MF n.º 1231/2024 (Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda)
Estabelece regras e diretrizes para o jogo responsável e para as ações de comunicação, de publicidade e propaganda e de marketing, e regulamenta os direitos e deveres de apostadores e de agentes operadores, a serem observados na exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa.