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quinta-feira, 27 de julho de 2023

PETS: Alimentos, Guarda e Convivência

Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre o tema Pet Shop e o Dever de Reparação, em casos de danos causados a cães e gatos deixados sob seus cuidados; Companhias Aéreas e Transporte de Pets, em relação a obrigação das empresas em proporcionar comodidade e segurança aos bichos de estimação nas viagens; e sobre a possibilidade (ou não) de Cães e Gatos, Sujeitos de Direito, serem parte legítima a ajuizar ação que verse sobre questões que lhes digam respeito (clique no link para ler o artigo).

É indiscutível que a mãe e o pai de pet estabeleçam uma relação de amor incondicional com o filho peludo, e os cuidados com alimentação, saúde, higiene e bem-estar dos animais demanda custos. Razão pela qual tem sido crescente o número de demandas judiciais que tratam sobre o dever de alimentos aos pets, além da regulamentação da guarda e convivência (tal qual ocorre com os filhos humanos).

A lei brasileira nada dispõe especificamente acerca do assunto, sendo aplicado o disposto no artigo 4.º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, ao dispor que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

Assim, em razão da afetividade que permeia a relação entre tutores e seus pets, os tribunais pátrios têm aplicado, por analogia, as mesmas regras de solidariedade no cuidado com os animais, relativamente à alimentação, guarda e convivência/ visitação, a depender do arranjo familiar estabelecido.

Importa dizer que o Código Civil dispõe sobre pessoas e bens, sendo que o artigo 82 determina que "são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social". Assim, do ponto de vista estritamente legal, por serem semoventes, no Brasil os animais são tidos como coisa/ propriedade.

Inovando em termos de legislação, o Parlamento Francês, no ano de 2015, reconheceu os animais como SERES SENCIENTES - possuidores de sensibilidade e consciência, capazes de sentir prazer e dor - e, portanto, sujeitos de direito, alterando substancialmente o Código Civil Napoleônico (1804) quanto ao tópico, o qual previa que os animais eram bens de consumo.

No mesmo sentido, o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul (Lei  n.º 15.434/2020) informa, em seu artigo 216, que "é instituído regime jurídico especial para os animais domésticos de estimação e reconhecida a sua natureza biológica e emocional como seres sencientes, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente."

Por certo que todos aqueles que são tutores (mães/ pais/ irmãos/ avós) de pets sabem bem dos estamos tratando aqui - os animais de companhia, que vivem sob o mesmo teto, recebem cuidados e afeto, e são tratados como verdadeiros integrantes da família possuem sentimentos e, do seu jeito particular, demonstram emoções.

Recentíssimo julgado do Superior Tribunal de Justiça - REsp n. 1.944.228/SP -, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, trouxe à baila importante debate sobre o assunto: após o término de uma união estável, a ex-companheira promoveu ação ("de pensão alimentícia") visando o pagamento/ indenização, pelo ex-parceiro, de metade das despesas havidas com o custeio da subsistência dos animais de estimação adquiridos/ adotados no decorrer do relacionamento. 

Ao discorrer sobre o tema, o relator assevera que "a solução de questões que envolvem a ruptura da entidade familiar e o seu animal de estimação não pode, de modo algum, desconsiderar o ordenamento jurídico posto - o qual, sem prejuízo de vindouro e oportuno aperfeiçoamento legislativo, não apresenta lacuna e dá respostas aceitáveis a tais demandas -, devendo, todavia, o julgador, ao aplicá-lo, tomar como indispensável balizamento o aspecto afetivo que envolve a relação das pessoas com o seu animal de estimação, bem como a proteção à incolumidade física e à segurança do pet, concebido como ser dotado de sensibilidade e protegido de qualquer forma de crueldade."

Por ocasião da análise do caso concreto, foi verificado que, com o término da relação, a ex-companheira ficou com a guarda exclusiva dos cães e, portanto, deveria arcar sozinha com as correlatas despesas. Todavia, há muitas situações em que os casais, após o divórcio/ dissolução da união estável, seguem sendo correponsáveis pelos pets, o que enseja o reconhecimento da guarda compartilhada, do direito à convivência/visitação, bem como do estabelecimento de uma contribuição financeira correspondente aos alimentos (no caso, ração e sachê).

Nesse sentido também é o pioneiro julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, cuja elucidativa ementa do acórdão segue transcrita:


RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.

1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 

2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 

3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 

4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar.

5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.

6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 

7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 

8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido.

9. Recurso especial não provido.

(REsp n. 1.713.167/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/6/2018, DJe de 9/10/2018.)


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