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quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Cães e Gatos, Sujeitos de Direito

Tese inovadora que vem causando polêmica no Judiciário gaúcho diz respeito à possibilidade de cães e gatos constarem como parte no pólo ativo de demandas que versem acerca de seus direitos. 

Nesta semana, em ação de destituição de tutela ajuizada por associação de proteção aos animais com sede em Porto Alegre, "em conjunto" com 2 cachorros e 8 gatos, vítimas de maus tratos por sua até então tutora (viviam acorrentados, em péssimas condições de bem-estar, sanitárias e ambientais),  foi proferida decisão que extinguiu o feito, sem julgamento de mérito, em relação aos animais, por ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. (art. 485, inciso IV do NCPC).

Invocando o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Estadual  n.º 15.434/2020) como base legal, o advogado que representou os autores aduziu que, nos termos da legislação em comento, os animais de estimação domésticos são sujeitos de direito despersonificados, não podendo ser tratados como coisa - inclusive, foram devidamente identificados com nome e sobrenome na inicial.

Fulcro na Constituição Federal de 1988, em especial o seu artigo 22, inciso I, que determina caber à União - e não aos Estados - legislar sobre Direito Processual, a Magistrada entendeu que, embora o Código Estadual do RS estabeleça a natureza sui generis dos animais, não prevê a capacidade processual dos mesmos, e tampouco poderia, sob pena de declaração de inconstitucionalidade, face a matéria.

Por outro lado, a Juíza ressaltou em sua decisão que, embora os "não humanos" não possam ser parte no processo, isso não retira seus direitos à efetiva proteção, a qual consta expressamente no texto da Carta Magna - artigo 225, § 1.º, inciso VII, além dos artigos 216 e 217 da Lei Estadual n.º 15.434/2020.

No início deste mês, outro caso envolvendo animal de estimação foi amplamente noticiado no Estado: um dos autores da ação se trata de um pet da raça shitzu. Em litisconsórcio ativo com seus tutores, o cão ajuizou ação de indenização por danos materiais, morais, físicos e psíquicos contra uma pet shop. Conforme narrado na petição inicial, o animal foi submetido a danos físicos e psicológicos decorrentes do mau atendimento prestado pelo estabelecimento, uma vez que, na sessão de banho, sofreu uma fratura no maxilar e necessitou de cirurgia.

Tendo sido determinada a exclusão do animal de estimação do feito, foi interposto recurso de agravo de instrumento, o qual foi recebido em seu efeito suspensivo, bem como foi ordenada a suspensão do processo na origem (Porto Alegre), até a deliberação do Colegiado. Nas palavras do relator, Desembargador Carlos Eduardo Richinitti, da 9.ª Câmara Cível do TJRS:

Já no que diz com a exclusão do cão Boss do polo ativo da lide, a matéria é deveras inédita neste Órgão Julgador e, até onde se tem conhecimento, no Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. Os argumentos trazidos pelos agravantes, de igual sorte, são novos no cenário jurídico nacional, havendo invocação de legislação estadual recentemente vigente (Lei Estadual n° 15.434/2020), além de questões envolvendo conflito de normas e de direito internacional que requerem uma análise meticulosa por este Colegiado. Ainda que simpático à efetiva proteção dos animais, sejam eles de estimação, domésticos ou selvagens, não posso descuidar da importância que um precedente como este possui e das delicadas questões que o envolvem, notoriamente no âmbito processual e de defesa dos animais.

De outro lado, o risco de dano reside na possibilidade de o feito ser extinto na origem pela falta de recolhimento das custas de distribuição, cerceando os autores do acesso à Justiça e, caso recolhidas as custas, na continuidade da tramitação do processo sem um litisconsorte - o cão Boss -, o que inclusive poderia trazer prejuízo a eventual defesa apresentada pela parte contrária se o presente recurso vier a ser provido por este Colegiado.

Desta forma, sem que isso representa vinculação à tese autoral, tenho que prudente, por ora, receber o presente recurso em seu efeito suspensivo, determinando a suspensão do processo na origem, a fim de que se escute previamente o Ministério Público e possa se manifestar o Colegiado a respeito das questões postas neste recurso.   

Aguardemos o pronunciamento do TJRS sobre o eventual reconhecimento da legitimidade ativa canina e felina, o que poderá vir a ser uma decisão pioneira e inovadora no Judiciário brasileiro, apta a alterar os rumos do Direito Animal.

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BASE LEGAL -

Constituição Federal de 1988  

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 


Lei Estadual  n.º 15.434/2020

Art. 216 - É instituído regime jurídico especial para os animais domésticos de estimação e reconhecida a sua natureza biológica e emocional como seres sencientes, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente.
Parágrafo único - Os animais domésticos de estimação, que não sejam utilizados em atividades agropecuárias e de manifestações culturais reconhecidas em lei como patrimônio cultural do Estado, possuem natureza jurídica "sui generis" e são sujeitos de direitos despersonificados, devendo gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.

Art. 217 - São proibidos o extermínio, os maus tratos, a mutilação e a manutenção de animais domésticos de estimação em cativeiros ou semicativeiro que se encontrem em condições degradantes, insalubres ou inóspitas, sob pena das sanções previstas nos arts. 92 e 93 desta Lei.
Parágrafo único - Incorre nas mesmas sanções a que se refere o "caput" deste artigo quem abandona animais domésticos de estimação em via ou praça pública, com intenção de pôr fim a sua guarda.


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