Embora em pequeno número, há mulheres que matam seus maridos, namorados, companheiros e amantes, como recentemente ocorreu com Elize Araújo Kitano Matsunaga, que em 19 de maio assassionou violentamente o esposo, Marcos Kitano Matsunaga, diretor da Yoki, uma das maiores empresas do ramo alimentício no Brasil. O caso ganhou as manchetes de telejornais e periódicos nacionais e trouxe perplexidade pelo sangue-frio demonstrado pela assassina confessa.
Movida pelo ciúme doentio nutrido pelo parceiro, Elize executou o homicídio com requintes de crueldade e sadismo. Segundo seu relato, após uma discussão, disparou um tiro na cabeça de Marcos e, horas depois, segmentou o corpo já sem vida com uma faca de cozinha. Entretanto, laudo pericial realizado para consubstanciar o inquérito policial dá conta de que a vítima foi decapitada ainda viva (podendo ter perdido a consciência por ocasião do tiro), falecendo em virtude de choque traumático causado pela bala, e asfixia respiratória pelo sangue aspirado com a degola. Após o esquartejamento, Elize limpou o local e acondicionou a cabeça e as partes do corpo em sacos plásticos distribuídos em três malas, para facilitar o transporte. Em seguida, viajou para uma cidade do interior do estado de São Paulo e foi jogando os pedaços do corpo aleatoriamente pela estrada.
Estudiosos do tema acreditam que raramente um crime passional é cometido em um ímpeto repentino: pelo contrário, trata-se de uma atitude pensada e repensada diversas vezes antes de seu cometimento. Assim, via de regra, os homicídios entre parceiros ou ex-parceiros é frio e calculadamente premeditado. Isso denota a plena consciência e voluntariedade com que o ato é praticado, pois ainda que os sentimentos de raiva e desejo de vingança tenham dominado por completo a pessoa e corrompido a sua vontade, houve um momento inicial em que o criminoso tinha a possibilidade de resistir, mas não o fez.
No aguçado dizer de Sêneca,
A alma, uma vez aluída, lançada fora de sua sede, a nada mais obedece além do impulso que recebeu. Há coisas que, no seu início, dependem de nós, mas que, deixadas a si mesmas, nos arrastam por sua própria força e não mais permitem recuo. O homem que se lança no fundo de um abismo não é mais senhor de si, não pode deter-se, nem diminuir sua queda: um despenhamento inelutável cortou cerce toda a prudência, todo o arrependimento, e é lhe impossível retornar ao momento ou posição em que podia ter deixado de cair. Assim, a alma que se entrega à cólera, ao amor, a uma paixão qualquer, perde os meios de conter-lhe o ímpeto. O melhor é dominarmos a primeira irritação, matando-a em seu germe, resguardando-nos do menor desvario, pois se ela consegue arredar nossos sentidos, já não há mais evitar-lhe o império: agirá segundo o próprio capricho, não segundo nossa permissão.
SÊNECA apud HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. V.5. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 136-137.
Por vezes, em alguns casos - como o do executivo da Yoki - o homicida acaba entrando em um surto obsessivo e, cego de ódio, acaba por repetir os golpes inúmeras vezes, como forma de penalização, quase como uma vingança para além da morte. Não raro os tiros ou as facadas são lançados sobre a vítima já sem vida, em uma espécie de automatismo ou perda dos chamados "freios inibitórios". Seu pensamento se baseia no seguinte critério: não basta matar, a vítima deve sofrer.
Neste aspecto, expõe Hungria magistralmente:
Os matadores chamados passionais, para os quais se invoca o amor como escusa, não passam, na sua grande maioria, de autênticos celerados: não os inspira o amor, mas o ódio inexorável dos maus. Impiedosos, covardes, sedentos de sangue, porejando vingança, mas só agindo diante da impossibilidade de resistência das vítimas, estarrecem pela bruteza do crime, apavoram pela estupidez do gesto homicida. Para eles não basta a punhalada certeira em pleno coração da vítima indefesa: na volúpia da destruição e da sangueira, multiplicam os golpes até que a lâmine sobre si mesma se encurve. Não basta que, ao primeiro tiro, a vítima tombe numa poça de sangue: despejam sobre o cadáver até a última bala do revólver. Dir-se-ia que eles desejam que a vítima tivesse não só uma, mas cem vidas, para que pudessem dar-lhe cem mortes!
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. V.5. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p.150-151.
NOTA 2: Em dezembro de 2016, Elize Araújo Kitano Matsunaga foi condenada a 19 anos e 11 meses de prisão em regime inicialmente fechado. Por ocasião do julgamento, os jurados não reconheceram as agravantes de 1) motivo torpe e de 2) emprego de meio cruel, mas apenas em relação à utilização de 3) recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. Em março de 2019, o STJ reduziu a pena de Elize em 2 anos e 6 meses, em razão da atenuante de confissão. Em agosto do mesmo ano, a Vara de Execuções Criminais de Taubaté autorizou a progressão de regime, passando a detenta a cumprir o restante da pena em regime semiaberto.