Retomando um post publicado em setembro de 2010 (http://cintiadv.blogspot.com.br/2010/09/dos-deveres-das-partes-no-processo.html), trataremos hoje - a partir de uma visão jurisprudencial - acerca do instituto da litigância de má-fé. 
Os doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (Código Civil Comentado. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005) conceituam o litigante desleal como sendo
- "a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, como dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente, são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no art. 14 do CPC".
 
 
 
O
 artigo 17 do Código de Processo Civil especifica as situações que podem
 configurar o agir de má-fé da parte (autora ou ré) no processo, a 
saber:
  
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato
incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;  
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; 
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; 
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; 
VI - provocar incidentes manifestamente infundados; 
VII - interpuser recurso com
intuito manifestamente protelatório.
A seguir, algumas decisões judiciais em que houve condenação por má-fé: 
  
APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. DPVAT. RECURSO QUE NÃO APRESENTA OS FUNDAMENTOS
 PARA REFORMA DA SENTENÇA. PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA PARA 
VERIFICAR O GRAU DE INVALIDEZ DO MEMBRO AFETADO. SEGURADO FALECIDO NO 
CURSO DA DEMANDA. AUSÊNCIA DE REGULARIDADE FORMAL. FATO IMPEDITIVO DO 
DIREITO DE RECORRER. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. CONDUTA REITERADA. 
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. (...) 4.Condenação ao pagamento de indenização por litigância de 
má-fé. Reiteração de conduta processual com pedido de realização de 
perícia médica para a verificação do grau de invalidez do membro afetado
 em pessoa morta pela mesma parte e advogado em feitos distintos, a qual
 atenta ao dever de lealdade e boa fé ao interpor recurso com o intuito 
manifestamente protelatório, diante a impossibilidade da efetivação da 
prova técnica pretendida, a qual tinha ciência inequívoca deste fato 
impeditivo do direito de recorrer. Recurso não conhecido e, de ofício, 
condenação ao pagamento de indenização por litigância de má-fé. 
(Apelação Cível Nº 70050048461, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 29/08/2012).
  
APELAÇÃO CÍVEL. HONORÁRIOS DE PROFISSIONAL LIBERAL. INOVAÇÃO RECURSAL. LITIGÂNCIA
 DE MÁ-FÉ. OCORRÊNCIA. (...) Tentativa de alterar a verdade dos fatos, mediante alegação que fatos que não condizem com a prova vinda aos autos. Caracterização de litigância
 de má-fé nos termos do art. 17, II, do Código de Processo Civil. 
Honorários sucumbenciais mantidos. APELO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE 
CONHECIDA, DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70050617604, Décima Sexta 
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo,
 Julgado em 13/09/2012).
  
 APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. SENTENÇA PROFERIDA EM FAVOR DOS
 EMBARGANTES, EM PARTE. APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. 
CONHECIMENTO, EM PARTE, DO RECURSO. LITIGÂNCIA 
DE MÁ-FÉ CARACTERIZADA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. Nulidade da 
arrematação. Procedência do pedido. Não se conhece da apelação, 
referente a pedido que foi decidido de acordo com o pretendido pela 
parte, restando ausente o interesse recursal. Inconteste o agir 
malicioso da parte executada que pretendeu usar do processo para conseguir objetivo ilegal, qual seja, escusar-se do adimplemento da obrigação imposta. De rigor a manutenção da condenação às penas de litigância
 de má-fé. APELO CONHECIDO, EM PARTE E DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 
70033375015, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, 
Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 28/10/2010).  
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA APRESENTADO POR QUEM NÃO É CREDOR. LITIGÂNCIA
 DE MÁ-FÉ. RECONHECIMENTO. INDENIZAÇÕES. MANUTENÇÃO. Ao apresentar 
cumprimento de sentença quando não se é credor, mesmo que por mero 
equívoco, gerando a movimentação da máquina judiciária, configura três 
hipóteses de litigância de má-fé (artigo 17 do Código de Processo Civil), que são: a) deduzir pretensão ou defesa contra fato incontroverso
 (inciso I); b) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato 
do processo (inciso V); c) provocar incidentes manifestamente infundados
 (inciso Vl). Manutenção das indenizações impostas no julgado recorrido.
 RECURSO DESPROVIDO À UNANMIDADE. (Apelação Cível Nº 70048013627, Décima
 Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege 
Puricelli Pires, Julgado em 26/04/2012).
EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. LITIGÂNCIA DE 
MÁ-FÉ. COMPROVADO POR PROVA TÉCNICA A FALSIDADE DA ASSINATURA LANÇADA NO
 DOCUMENTO APRESENTADO PELO DEVEDOR COMO PAGAMENTO DA DÍVIDA, IMPROCEDE 
OS EMBARGOS. AGE COM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ TODO AQUELE DE ALTERAR A VERDADE DOS FATOS E OPUSER RESISTÊNCIA INJUSTIFICADA AO ANDAMENTO DO PROCESSO.
 APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 598130185, Décima Quinta Câmara 
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, 
Julgado em 02/06/1999).   
  
No que diz respeito à cominação de multa por litigância de má-fé à parte que litiga ao abrigo da AJG (assistência judiciária gratuita), importante dizer que há entendimento que vem sendo aplicado no sentido de que "aquele que obra com má-fé não tem direito ao benefício da gratuidade judiciária, cabendo a revogação do benefício anteriormente deferido". 
Neste sentido, recente acórdão do Tribunal de Justiça do RS que segue transcrito:
  
APELAÇÕES CÍVEIS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA 5,4%. SERVIDOR INATIVO. 
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO MÉRITO CARACTERIZADA COISA JULGADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REVOGAÇÃO ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
 Coisa Julgada - Verificado o ajuizamento de ação anterior com mesmas 
partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, impõe-se a extinção do 
presente feito. Observância das disposições do artigo 267, V, do Código 
de Processo Civil. Litigância de Má-fé - A litigância
 de má-fé resta caracterizada quando a parte intenta duas ações 
idênticas através do mesmo procurador. Situação agravada pelo fato de a 
parte ter silenciado, continuando a requer a procedência do pedido até a
 juntada de documentos que comprovaram de forma inconteste o ajuizamento
 de ação anterior. Revogação Assistência Judiciária Gratuita
 - O benefício da gratuidade processual tem como objetivo proporcionar o
 acesso dos necessitados à justiça, e não abrigar condutas temerárias. 
DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO IPERGS, 
PREJUDICADO O RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. UNÂNIME.
 (Apelação Cível Nº 70049025000, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal 
de Justiça do RS, Relator: Helena Marta Suarez Maciel, Julgado em 
18/09/2012).