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sábado, 20 de junho de 2015

Revista Íntima em Funcionários Gera Dano Moral

Dentre as prerrogativas inerentes ao poder diretivo do empregador, encontra-se a possibilidade de revistar os pertences de seus funcionários, visando à proteção de seu patrimônio. Assim, a análise e fiscalização de bolsas, mochilas e sacolas no decorrer ou ao final do expediente, desde que realizada de forma discreta e reservada, ou seja, longe dos olhos dos clientes e público em geral, se mostra perfeitamente normal e aceitável.

Ocorre que nem sempre o empresário observa os direitos e garantias fundamentais constitucionais de seus empregados quando do procedimento, oportunidade em que se caracteriza o abuso, passível inclusive de indenização por danos morais. É o caso da revista íntima, prática que, em face de seu caráter degradante e constrangedor, mostra-se evidentemente ilícita.

Neste sentido são os recentes acórdãos exarados do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho (TST) acerca do tema:

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXPOSIÇÃO DO CORPO DO TRABALHADOR DESNUDO. MAJORAÇÃO DO VALOR. Configurada a divergência jurisprudencial, em face do valor arbitrado à indenização por danos morais, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II – RECURSO DE REVISTA. 1. (…) 2. RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXPOSIÇÃO DO CORPO DO TRABALHADOR DESNUDO. MAJORAÇÃO DO VALOR. Consta da decisão regional que os trabalhadores eram expostos diariamente em trajes mínimos e sujeitos a revista íntima para verificar se portavam algum objeto. Nesse caso, a constatação de ofensa à intimidade não pressupõe o contato físico entre o empregado vistoriado e o vigilante, sendo suficiente a realização do procedimento abusivo atinente à revista visual, em que o trabalhador é constrangido a exibir suas roupas íntimas, dia após dia, não sendo atenuante o fato de o vistoriador ser do mesmo sexo do empregado, pois, ainda que parcial, existe a exposição do corpo do empregado, caracterizando, portanto, invasão à sua intimidade. Nesse sentido, o valor fixado pela Corte regional a título de indenização por danos morais mostra-se desproporcional ao quadro fático delineado, senão excessivamente módico e irrisório. Na espécie, justifica-se a excepcional intervenção desta Corte a fim de revisar o quantum indenizatório estipulado pelo Regional, majorando-se de R$ 2.000,00 (dois mil) para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a quantia arbitrada. Recurso de revista provido. ( RR – 3031-40.2011.5.03.0032 , Relator Ministro: Arnaldo Boson Paes, Data de Julgamento: 15/10/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/10/2014).


RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA. A revista pessoal – íntima ou não -, viola a dignidade da pessoa humana e a intimidade do trabalhador, direitos fundamentais de primeira geração que, numa ponderação de valores, têm maior intensidade sobre os direitos de propriedade e de autonomia da vontade empresarial. Além disso, é evidente a opção axiológica adotada pelo constituinte de 1988 da primazia do SER sobre o TER; da pessoa sobre o patrimônio; do homem sobre a coisa. No caso, o Tribunal Regional registrou que havia na reclamada a prática de revista íntima de seus empregados, consignando, expressamente, que -a revista consistia em verificar as bolsas das funcionárias, bem como levantar a blusa para verificar o sutiã, bem como verificar a marca da calcinha que a funcionária estava usando- (fl. 518). Configurado, portanto, o direito à indenização por dano moral, decorrente da realização de revista íntima. Recurso de revista de que não se conhece. DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. Esta Corte Superior vem firmando entendimento no sentido de que é possível, em tese, a verificação de ofensa ao artigo 5º, V, da Constituição Federal, em hipótese em que não foi observada a proporcionalidade da indenização fixada em relação ao dano sofrido. Precedentes. Não obstante, no caso concreto não se verifica ofensa ao referido dispositivo constitucional, tendo em vista que a Corte Regional, ao fixar o valor da indenização por danos morais (R$ 27.283,20), considerou a gravidade da conduta praticada pela ré, as circunstâncias pessoais da vítima e o caráter pedagógico-preventivo, motivo pelo qual foi observada a proporcionalidade a que alude o mencionado artigo. Recurso de revista de que não se conhece. (…) ( RR – 991-40.2012.5.07.0032 , Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 12/02/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/02/2014).

O fato de ter seu corpo exposto ou tocado por terceiros ao final de cada jornada ou turno de serviço, e ter suas peças de roupa chacoalhadas/ remexidas para fins de “provar” que não procedeu ao furto de dinheiro/ objetos/ peças de roupa, trata-se de verdadeira violação do direito à intimidade, à honra, à dignidade do funcionário. Isso porque existem outros meios não invasivos de aferir a existência de eventuais desvios, tendo em vista toda a tecnologia disponível nos dias de hoje (como as etiquetas com sensores e scanners).

Assim, em se realizando uma ponderação entre o direito de propriedade do empregador e os direitos de personalidade do empregado, estes últimos sempre irão preponderar, uma vez que a dignidade humana é o cerne de todo nosso ordenamento jurídico.

Não obstante, há de se ressaltar que o princípio da boa-fé (probidade) que rege os contratos – bem como seus deveres anexos -, deverá ser observado também nas relações de trabalho, e sua violação por parte do empregador enseja a reparação civil, a ser arbitrada em valor condizente à intensidade do sofrimento da vítima, a gravidade da lesão, o grau de culpa do ofensor e a sua condição econômica, o não enriquecimento indevido do ofendido e o caráter pedagógico da medida.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

5 anos de ::BLoG::

E no último sábado, dia 13/06, o blog comemorou 5 anos de existência. Ao todo são 170 postagens dos mais variados assuntos relacionados ao Direito. Atualmente, contamos com mais de 1.700 cliques por mês, num total que supera os 72.000 acessos do público em geral desde a criação do blog lá no inverno de 2010. Isso muito nos alegra e motiva a seguir adiante com esse projeto originalmente criado com o intuito de desvendar o mundo jurídico em breves e esclarecedores tópicos.

No ranking de mais acessados em cada área de atuação, seguem os líderes:


O blog possui um espaço para que os leitores manifestem suas opiniões/ dúvidas/ impressões sobre os artigos, bem como enviem sugestões de pauta (as quais são atendidas à medida do possível, e assim que o tempo permite), além de possibilitar a realização de cadastro de e-mail para recebimento dos posts assim que publicados.

Por fim, é preciso exaltar os amigos, colegas e nobres desconhecidos que nos honram com o prestígio de sua leitura, e especialmente aos que de tempos em tempos nos passam um feedback através de e-mail ou comentários no próprio blog ou pelo facebook, além de compartilhar e indicar o ::Direito sem Mistérios:: para seus contatos. Obrigada, obrigada, obrigada! :)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Dano Existencial nas Relações de Trabalho

Um tema que vem ganhando espaço no Direito do Trabalho se refere ao dano existencial. Assim como o dano moral, instituto importado do Direito Civil que vem sendo amplamente invocado pelos funcionários que se tornam vítimas de condutas abusivas por parte de seus superiores, as quais acarretam danos à sua dignidade, honra e personalidade, também esta espécie de dano imaterial (extrapatrimonial) tem sido objeto de pedido em reclamações trabalhistas na atualidade.

 Conforme a melhor doutrina sobre a matéria, a qual consubstancia o entendimento que vem sendo adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) quando do julgamento de demandas que versam sobre o assunto, o dano existencial decorre de uma grave violação de direitos fundamentais e/ou grande frustração que impeça a realização pessoal do obreiro, posto que a relação vida pessoal e vida profissional encontram-se em pleno desequilíbrio.

Como bem definido em acórdão oriundo da 2.ª Turma do TRT-4, “todo ser humano tem direito de projetar seu futuro e de realizar escolhas com vistas à sua autorrealização, bem como a fruir da vida de relações (isto é, de desfrutar de relações interpessoais). O dano existencial caracteriza-se justamente pelo tolhimento da autodeterminação do indivíduo, inviabilizando a convivência social e frustrando seu projeto de vida.” (RO 0000491-82.2012.5.04.0023).

A título exemplificativo, uma conduta lesiva apta a causar referido dano ao funcionário é o excesso de labor imposto por seu empregador. Ou seja, ocorre sempre que a grande quantidade de horas extras realizadas não apenas retira o direito a folgas e descansos como também prejudica as atividades cotidianas e de lazer do trabalhador, além de diminuir sua convivência familiar e social, inviabilizando a manutenção de seus relacionamentos fora do ambiente laboral.

Ora, não obstante a lei disponha sobre a possibilidade de trabalho extraordinário além da jornada diária normal, importante dizer que as horas extras se limitam ao número de 02 (duas) diárias – parâmetro tolerável, visando exatamente coibir a estafa física, mental e emocional do funcionário. A proibição de extensas jornadas de trabalho de forma habitual objetiva também a não-privação do desenvolvimento pessoal do obreiro e possibilitar a fruição de sua vida afetiva, social e familiar.

Para melhor elucidar a questão, segue recente decisão emanada do Colendo TST, cuja ementa segue colacionada na íntegra:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. Caracteriza a violação do art. 11, § 1.º, da Lei n.º 1.060/1950, merece ser processado o Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL. JORNADA LABORAL EXTENUANTE POR LONGO PERÍODO. Não é qualquer conduta isolada e de curta duração, por parte do empregador, que pode ser considerada como um dano existencial. Para isso, a conduta deve perdurar no tempo, sendo capaz de alterar o objetivo de vida do trabalhador, trazendo-lhe um prejuízo à sua dignidade humana ou à sua personalidade, e no âmbito de suas relações sociais. Verifica-se que, em especial, o trabalho prestado em jornadas que excedem habitualmente o limite legal de duas horas extras diárias, tido como parâmetro tolerável, representa afronta aos direitos fundamentais do trabalhador, por prejudicar o seu desenvolvimento pessoal e as relações sociais. Na hipótese dos autos, o Regional registrou que foi reconhecido em outra ação judicial que o empregado foi submetido, por mais de 5 anos, a uma jornada extenuante de mais de 13 horas (das 7h às 21h, com 1 hora de intervalo intrajornada, de segunda-feira a sábado, e das 7h às 16h, também com uma hora de intervalo intrajornada, em três domingos por mês e em metade dos feriados), o que importava em privações de suas atividades existenciais (na família, instrução, esporte, lazer, etc), motivo pelo qual concluiu que houve efetivo dano existencial, pois no período o Autor tinha a vida limitada a alimentar-se, dormir e trabalhar. O único aresto transcrito para configurar a divergência jurisprudencial é inespecífico, nos termos da Súmula n.º 296, I, do TST, pois não se identifica com a hipótese fática delineada pelo Regional. Decisão mantida. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. APLICAÇÃO DA OJ N.º 348 DA SBDI-1 DO TST. A base de cálculo dos honorários advocatícios é o valor liquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários. Esse é o posicionamento pacificado nesta Corte por meio da OJ n.º 348 da sua SBDI-1. Decisão regional tomada em sentido contrário deve ser reformada para que se adeque à atual jurisprudência desta Corte. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.( RR - 78-64.2012.5.04.0251 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 20/08/2014, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/11/2014). GRIFO NOSSO.

Da mesma forma, a não concessão de férias por um longo período de tempo também pode caracterizar o dano existencial, sendo devida uma indenização em virtude da supressão de um direito fundamental constitucionalmente previsto (sem prejuízo da reparação patrimonial prevista na CLT pela não concessão das férias nas épocas corretas). Nesse sentido:

DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 3. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilícito, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial. (RR - 727- 76.2011.5.24.0002 Data de Julgamento: 19/06/2013, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2013). GRIFO NOSSO.

Desse modo, temos que tanto a sujeição habitual do obreiro a uma jornada de trabalho extenuante quanto a supressão de seu direito a férias, são condutas abusivas do empregador aptas a ensejar a sua condenação ao pagamento de uma reparação a título de dano existencial, por interferirem diretamente na vida íntima do funcionário, violando sua dignidade e direitos fundamentais (direito ao lazer, à saúde, à limitação de jornada), entre outros que visam o bem-estar e a concretização do tão almejado ideal da “qualidade de vida”.

Vale dizer ainda que, com base na inobservância do empregador em oferecer a seu funcionário condições dignas de trabalho, é possível o ajuizamento de reclamatória trabalhista requerendo a declaração judicial de rescisão indireta do contrato, ou seja, por justa causa do empregador, modalidade de rompimento da relação empregatícia que assegura ao obreiro o recebimento das verbas rescisórias como se despedida sem justa causa fosse.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Desconto salarial em virtude de infração de trânsito

Dentre os princípios inerentes ao Direito do Trabalho que visam proteger o empregado, temos aquele que diz respeito à intangibilidade (irredutibilidade) do salário. Nesse sentido é a redação do artigo 462 da CLT:

Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

No mesmo sentido dispõe a Constituição Federal de 1988, ao tratar dos direitos sociais:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Mas e nos casos em que a conduta do funcionário causar danos à empresa, como a prática de uma infração punida com multa ou quando o obreiro for responsável pela ocorrência de um acidente de trânsito? Poderá o empregador se ressarcir através do desconto em folha? O § 1.º do artigo 462 supramencionado traz a resposta à questão:

§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

Disso depreendemos que nos sinistros causados com DOLO (intenção) do empregado – o que, diga-se de passagem, é de difícil comprovação – e naquelas em que o contrato de trabalho e/ou convenção coletiva da categoria expressamente autorizem, é legalmente possível que a empresa proceda ao desconto do valor do prejuízo financeiro diretamente no salário do obreiro.

Embora existam controvérsias acerca do tema, tem-se entendido que esta segunda opção também se aplica aos casos em que o funcionário agiu com CULPA quando das infrações de trânsito cometidas durante o expediente de trabalho. Por outro lado, se o empregado possui o hábito de ficar com a posse do automóvel da empresa à noite e aos finais de semana, o dever de reparar se torna certo, tendo em vista que o veículo estava sendo utilizado para fins diversos aos de trabalho.

De qualquer sorte, em não havendo previsão específica no contrato individual de trabalho em que o empregado concorde/ autorize o desconto, bem como em silenciando a convenção coletiva acerca do tema, a empresa não poderá se ressarcir de eventuais prejuízos causados pelo funcionário através de débito automático no salário, sob pena de configurar desconto ilegal unilateralmente imposto, o qual desrespeita frontalmente o princípio constitucional da irredutibilidade salarial.