Um tema que vem ganhando espaço no Direito do Trabalho se refere ao dano existencial. Assim como o dano moral, instituto importado do Direito Civil que vem sendo amplamente invocado pelos funcionários que se tornam vítimas de condutas abusivas por parte de seus superiores, as quais acarretam danos à sua dignidade, honra e personalidade, também esta espécie de dano imaterial (extrapatrimonial) tem sido objeto de pedido em reclamações trabalhistas na atualidade.
Conforme a melhor doutrina sobre a matéria, a qual consubstancia o entendimento que vem sendo adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) quando do julgamento de demandas que versam sobre o assunto, o dano existencial decorre de uma grave violação de direitos fundamentais e/ou grande frustração que impeça a realização pessoal do obreiro, posto que a relação vida pessoal e vida profissional encontram-se em pleno desequilíbrio.
Como bem definido em acórdão oriundo da 2.ª Turma do TRT-4, “todo ser humano tem direito de projetar seu futuro e de realizar escolhas com vistas à sua autorrealização, bem como a fruir da vida de relações (isto é, de desfrutar de relações interpessoais). O dano existencial caracteriza-se justamente pelo tolhimento da autodeterminação do indivíduo, inviabilizando a convivência social e frustrando seu projeto de vida.” (RO 0000491-82.2012.5.04.0023).
A título exemplificativo, uma conduta lesiva apta a causar referido dano ao funcionário é o excesso de labor imposto por seu empregador. Ou seja, ocorre sempre que a grande quantidade de horas extras realizadas não apenas retira o direito a folgas e descansos como também prejudica as atividades cotidianas e de lazer do trabalhador, além de diminuir sua convivência familiar e social, inviabilizando a manutenção de seus relacionamentos fora do ambiente laboral.
Ora, não obstante a lei disponha sobre a possibilidade de trabalho extraordinário além da jornada diária normal, importante dizer que as horas extras se limitam ao número de 02 (duas) diárias – parâmetro tolerável, visando exatamente coibir a estafa física, mental e emocional do funcionário. A proibição de extensas jornadas de trabalho de forma habitual objetiva também a não-privação do desenvolvimento pessoal do obreiro e possibilitar a fruição de sua vida afetiva, social e familiar.
Para melhor elucidar a questão, segue recente decisão emanada do Colendo TST, cuja ementa segue colacionada na íntegra:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. Caracteriza a violação do art. 11, § 1.º, da Lei n.º 1.060/1950, merece ser processado o Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL. JORNADA LABORAL EXTENUANTE POR LONGO PERÍODO. Não é qualquer conduta isolada e de curta duração, por parte do empregador, que pode ser considerada como um dano existencial. Para isso, a conduta deve perdurar no tempo, sendo capaz de alterar o objetivo de vida do trabalhador, trazendo-lhe um prejuízo à sua dignidade humana ou à sua personalidade, e no âmbito de suas relações sociais. Verifica-se que, em especial, o trabalho prestado em jornadas que excedem habitualmente o limite legal de duas horas extras diárias, tido como parâmetro tolerável, representa afronta aos direitos fundamentais do trabalhador, por prejudicar o seu desenvolvimento pessoal e as relações sociais. Na hipótese dos autos, o Regional registrou que foi reconhecido em outra ação judicial que o empregado foi submetido, por mais de 5 anos, a uma jornada extenuante de mais de 13 horas (das 7h às 21h, com 1 hora de intervalo intrajornada, de segunda-feira a sábado, e das 7h às 16h, também com uma hora de intervalo intrajornada, em três domingos por mês e em metade dos feriados), o que importava em privações de suas atividades existenciais (na família, instrução, esporte, lazer, etc), motivo pelo qual concluiu que houve efetivo dano existencial, pois no período o Autor tinha a vida limitada a alimentar-se, dormir e trabalhar. O único aresto transcrito para configurar a divergência jurisprudencial é inespecífico, nos termos da Súmula n.º 296, I, do TST, pois não se identifica com a hipótese fática delineada pelo Regional. Decisão mantida. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. APLICAÇÃO DA OJ N.º 348 DA SBDI-1 DO TST. A base de cálculo dos honorários advocatícios é o valor liquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários. Esse é o posicionamento pacificado nesta Corte por meio da OJ n.º 348 da sua SBDI-1. Decisão regional tomada em sentido contrário deve ser reformada para que se adeque à atual jurisprudência desta Corte. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.( RR - 78-64.2012.5.04.0251 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 20/08/2014, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/11/2014). GRIFO NOSSO.
Da mesma forma, a não concessão de férias por um longo período de tempo também pode caracterizar o dano existencial, sendo devida uma indenização em virtude da supressão de um direito fundamental constitucionalmente previsto (sem prejuízo da reparação patrimonial prevista na CLT pela não concessão das férias nas épocas corretas). Nesse sentido:
DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 3. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilícito, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial. (RR - 727- 76.2011.5.24.0002 Data de Julgamento: 19/06/2013, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2013). GRIFO NOSSO.
Desse modo, temos que tanto a sujeição habitual do obreiro a uma jornada de trabalho extenuante quanto a supressão de seu direito a férias, são condutas abusivas do empregador aptas a ensejar a sua condenação ao pagamento de uma reparação a título de dano existencial, por interferirem diretamente na vida íntima do funcionário, violando sua dignidade e direitos fundamentais (direito ao lazer, à saúde, à limitação de jornada), entre outros que visam o bem-estar e a concretização do tão almejado ideal da “qualidade de vida”.
Vale dizer ainda que, com base na inobservância do empregador em oferecer a seu funcionário condições dignas de trabalho, é possível o ajuizamento de reclamatória trabalhista requerendo a declaração judicial de rescisão indireta do contrato, ou seja, por justa causa do empregador, modalidade de rompimento da relação empregatícia que assegura ao obreiro o recebimento das verbas rescisórias como se despedida sem justa causa fosse.
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