Dentre as prerrogativas inerentes ao poder diretivo do empregador, encontra-se a possibilidade de revistar os pertences de seus funcionários, visando à proteção de seu patrimônio. Assim, a análise e fiscalização de bolsas, mochilas e sacolas no decorrer ou ao final do expediente, desde que realizada de forma discreta e reservada, ou seja, longe dos olhos dos clientes e público em geral, se mostra perfeitamente normal e aceitável.
Ocorre que nem sempre o empresário observa os direitos e garantias fundamentais constitucionais de seus empregados quando do procedimento, oportunidade em que se caracteriza o abuso, passível inclusive de indenização por danos morais. É o caso da revista íntima, prática que, em face de seu caráter degradante e constrangedor, mostra-se evidentemente ilícita.
Neste sentido são os recentes acórdãos exarados do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho (TST) acerca do tema:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXPOSIÇÃO DO CORPO DO TRABALHADOR DESNUDO. MAJORAÇÃO DO VALOR. Configurada a divergência jurisprudencial, em face do valor arbitrado à indenização por danos morais, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II – RECURSO DE REVISTA. 1. (…) 2. RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXPOSIÇÃO DO CORPO DO TRABALHADOR DESNUDO. MAJORAÇÃO DO VALOR. Consta da decisão regional que os trabalhadores eram expostos diariamente em trajes mínimos e sujeitos a revista íntima para verificar se portavam algum objeto. Nesse caso, a constatação de ofensa à intimidade não pressupõe o contato físico entre o empregado vistoriado e o vigilante, sendo suficiente a realização do procedimento abusivo atinente à revista visual, em que o trabalhador é constrangido a exibir suas roupas íntimas, dia após dia, não sendo atenuante o fato de o vistoriador ser do mesmo sexo do empregado, pois, ainda que parcial, existe a exposição do corpo do empregado, caracterizando, portanto, invasão à sua intimidade. Nesse sentido, o valor fixado pela Corte regional a título de indenização por danos morais mostra-se desproporcional ao quadro fático delineado, senão excessivamente módico e irrisório. Na espécie, justifica-se a excepcional intervenção desta Corte a fim de revisar o quantum indenizatório estipulado pelo Regional, majorando-se de R$ 2.000,00 (dois mil) para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a quantia arbitrada. Recurso de revista provido. ( RR – 3031-40.2011.5.03.0032 , Relator Ministro: Arnaldo Boson Paes, Data de Julgamento: 15/10/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/10/2014).
RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA. A revista pessoal – íntima ou não -, viola a dignidade da pessoa humana e a intimidade do trabalhador, direitos fundamentais de primeira geração que, numa ponderação de valores, têm maior intensidade sobre os direitos de propriedade e de autonomia da vontade empresarial. Além disso, é evidente a opção axiológica adotada pelo constituinte de 1988 da primazia do SER sobre o TER; da pessoa sobre o patrimônio; do homem sobre a coisa. No caso, o Tribunal Regional registrou que havia na reclamada a prática de revista íntima de seus empregados, consignando, expressamente, que -a revista consistia em verificar as bolsas das funcionárias, bem como levantar a blusa para verificar o sutiã, bem como verificar a marca da calcinha que a funcionária estava usando- (fl. 518). Configurado, portanto, o direito à indenização por dano moral, decorrente da realização de revista íntima. Recurso de revista de que não se conhece. DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. Esta Corte Superior vem firmando entendimento no sentido de que é possível, em tese, a verificação de ofensa ao artigo 5º, V, da Constituição Federal, em hipótese em que não foi observada a proporcionalidade da indenização fixada em relação ao dano sofrido. Precedentes. Não obstante, no caso concreto não se verifica ofensa ao referido dispositivo constitucional, tendo em vista que a Corte Regional, ao fixar o valor da indenização por danos morais (R$ 27.283,20), considerou a gravidade da conduta praticada pela ré, as circunstâncias pessoais da vítima e o caráter pedagógico-preventivo, motivo pelo qual foi observada a proporcionalidade a que alude o mencionado artigo. Recurso de revista de que não se conhece. (…) ( RR – 991-40.2012.5.07.0032 , Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 12/02/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/02/2014).
O fato de ter seu corpo exposto ou tocado por terceiros ao final de cada jornada ou turno de serviço, e ter suas peças de roupa chacoalhadas/ remexidas para fins de “provar” que não procedeu ao furto de dinheiro/ objetos/ peças de roupa, trata-se de verdadeira violação do direito à intimidade, à honra, à dignidade do funcionário. Isso porque existem outros meios não invasivos de aferir a existência de eventuais desvios, tendo em vista toda a tecnologia disponível nos dias de hoje (como as etiquetas com sensores e scanners).
Assim, em se realizando uma ponderação entre o direito de propriedade do empregador e os direitos de personalidade do empregado, estes últimos sempre irão preponderar, uma vez que a dignidade humana é o cerne de todo nosso ordenamento jurídico.
Não obstante, há de se ressaltar que o princípio da boa-fé (probidade) que rege os contratos – bem como seus deveres anexos -, deverá ser observado também nas relações de trabalho, e sua violação por parte do empregador enseja a reparação civil, a ser arbitrada em valor condizente à intensidade do sofrimento da vítima, a gravidade da lesão, o grau de culpa do ofensor e a sua condição econômica, o não enriquecimento indevido do ofendido e o caráter pedagógico da medida.
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