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segunda-feira, 17 de junho de 2024

Enchentes - Contratos de Locação

Em razão das enchentes que ocorreram no Rio Grande do Sul e o reconhecimento de estado de calamidade pública por decretos estaduais (Dec. n.º 57.596/24 e Dec. n.º 57.600/24) e nacional (DL n.º 36/24), também os contratos de locação dos imóveis atingidos pelos alagamentos estão sendo objeto de questionamentos.

Ao tratar sobre caso fortuito e força maior, o artigo 393 do Código Civil assim dispõe:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Em síntese, podemos dizer que caso fortuito ou força maior são aqueles fatos ou eventos imprevisíveis ou de difícil previsão, alheios ao comportamento e vontade das partes (e não podem ser evitados), que provocam consequências para outras pessoas, porém excluem a responsabilidade civil. Ou seja, ainda que impeçam o cumprimento de obrigação anteriormente pactuada, não dão direito a indenização.

Logo, pela redação da norma legal, nem locador, nem locatário, respondem pelos prejuízos, a não ser que tenham assumido os riscos contratualmente. Há de se ressaltar que a regra acima não se aplica indistintamente a todas as relações contratuais, devendo cada situação ser analisada de forma individual.

Mas e no caso dos imóveis alugados que sofreram danos estruturais? Quem tem a responsabilidade pelos consertos?

A Lei de Locações (Lei n.º 8.245/91) assim prevê em seu artigo 22:

Art. 22. O locador é obrigado a:

(...) III - manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;

Assim, temos que, por lei o locador/ proprietário tem o dever de realizar os reparos necessários - exceto se o locatário contribuiu para a ocorrência dos danos ou se algo em sentido diverso foi convencionado no contrato de locação.

Relativamente ao pagamento (ou não) de alugueis e possibilidade de extinção do contrato de locação, vejamos o que dispõe o artigo 26 da Lei de Locações:

Art. 26. Necessitando o imóvel de reparos urgentes, cuja realização incumba ao locador, o locatário é obrigado a consenti-los.

Parágrafo único. Se os reparos durarem mais de dez dias, o locatário terá direito ao abatimento do aluguel, proporcional ao período excedente; se mais de trinta dias, poderá resilir o contrato.

Por seu turno, o artigo 567 do CC/02, aplicado de forma supletiva, assim determina:

Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.

Logo, há de se verificar a possibilidade de realização de reparos no imóvel afetado pelas enchentes, ou seja, se é possível resgatar suas condições de habitabilidade. A depender da resposta, se aplica ou a redução do aluguel, ou a resolução do contrato. Caso seja viável o conserto, é devido o pagamento de aluguel pelo locatário nos primeiros 10 (dez) dias de reparos, sendo que os demais (excedentes) serão suportados pelo locador. Em ultrapassando os 30 (trinta) dias, é possível postular a rescisão do contrato de locação.

A princípio, esses prazos devem ser contados da data em que se verificou a existência e a extensão dos danos, além da necessidade de promover os reparos - exceto na situação de perda do imóvel (caso de desmoronamento, ou quando a água levou a casa na enchente), em que se conta do dia do evento danoso, data a partir do qual não seriam devidos alugueis.

Mas e nas situações em que, embora o imóvel não tenha tido perda total, as inundações não permitiram o seu uso? Caso, por exemplo, de residências e lojas situadas em áreas alagadas, em que foi necessário aguardar a água baixar para se ter acesso. Nesses casos em que houve a impossibilidade temporária de uso do imóvel, é de bom tom que o valor do aluguel seja readequado/ reduzido, proporcionalmente ao tempo em que não pode ser utilizado.

Por fim, quanto à ocorrência de pequenos danos no imóvel, cabe ao locatário promover a limpeza e conservação do bem, nos termos do artigo 23 da Lei:

Art. 23. O locatário é obrigado a: (...)

II - servir - se do imóvel para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado como se fosse seu;

III - restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal;

(...) XII - pagar as despesas ordinárias de condomínio.

§ 1º Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as necessárias à administração respectiva, especialmente: (...)

c) limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum;

Cumpre reiterar que, para além do disposto em lei (regra geral), há de se analisar o o contrato de locação firmado entre as partes, para fins de verificar se há disposição específica quanto a situações de calamidade/ caso fortuito e força maior. 

Além disso, importante dizer que, ao versar sobre os contratos, o Código Civil determinou em seu artigo 113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração; já o artigo 422 que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé – esta que possui deveres inerentes como o de cuidado, transparência, confiança, informação, lealdade, segurança e cooperação, os quais devem ser observados em todos os contratos.


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