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terça-feira, 1 de abril de 2025

Vício em Jogos e Superendividamento

O mundo das apostas em ambientes refinados sempre foi capaz de gerar fascínio: em Hollywood, não são raros os filmes ambientados em cassinos situados em Las Vegas. No Brasil, estes são considerados ilegais (contravenção penal) desde 1946; da mesma forma o jogo do bicho. Já os bingos e caça-níqueis não podem operar no país desde 01/01/2002. Todavia, em que pesem as proibições legais de algumas modalidades, os jogos de azar (apostas) não apenas existem (na clandestinidade) como movimentam valores vultosos em território nacional. 

A sensação do momento (legalizada) são as BETS - apostas esportivas online (principalmente jogos de futebol) extremamente acessíveis e veiculadas de forma massiva por influenciadores digitais nas redes sociais e através do patrocínio de grandes eventos. Embora seja permitido, nem todas as plataformas que oferecem o serviço estão devidamente regulamentadas/ autorizadas a funcionar no país. Recentemente, inclusive, centenas foram bloqueadas pelo governo, por meio da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações).

Para além das apostas recreativas, eventuais e conscientes, temos o outro lado da moeda: a ludopatia - condição médica que se caracteriza pela compulsão de uma pessoa por jogos de azar  - é uma doença que pode causar a ruína financeira, emocional, física e social de quem a detém, uma vez que também atinge a família, os amigos e a comunidade em que está inserido o indivíduo. 

Na classificação internacional de doenças (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), o vício em jogos de azar se enquadra em Z72.6 (mania de jogo e apostas) e F630 (jogo patológico).

A conduta de praticar apostas começa a se mostrar problemática quando aumenta de frequência, intensidade e prejuízo. Ademais, já se sabe que o jogo patológico ativa a mesma área do cérebro que a dependência química (álcool e drogas), que são os circuitos de recompensa (a aposta libera dopamina e gera uma sensação de prazer, o que torna o jogador dependente da emoção que o jogo proporciona). 

Por outro lado, traz consigo transtornos de humor, ansiedade, isolamento, endividamento, risco de suicídio e violência - além dos prejuízos sociais, familiares, laborais e financeiros. O viciado em jogos continua apostando mesmo após sofrer perdas significativas, esgotando seus recursos e de pessoas próximas, comprometendo relações pessoais e profissionais em razão das mentiras contadas e dívidas realizadas, além da possibilidade de cometer atos ilegais/ criminosos para financiar o jogo.

Alguns fatores de risco agravam a situação: transtornos psiquiátricos prévios ou caso em família; vulnerabilidade econômica e social (busca pelo dinheiro fácil e rápido);  exposição precoce de crianças e adolescentes, publicidade massiva (no caso das bets), facilidade em apostar. O tratamento da ludopatia pode incluir acompanhamento psicológico e psiquiátrico, grupos de autoajuda e terapia em grupo. 

A legislação brasileira possui alguns mecanismos de proteção à propaganda enganosa, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90). Vejamos:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Já a Lei de Apostas de Quota Fixa (Lei n.º 14.790/23) que regulamentou os jogos online (relacionados a eventos esportivos), teve como objetivo proteger os apostadores, as empresas do setor e toda a sociedade, estabelecendo regras com o objetivo de prevenir problemas com o jogo ou apostas:

Art. 16. As ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa observarão a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação.

Parágrafo único. A regulamentação de que trata o caput deste artigo disporá, pelo menos, sobre:

I - os avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios que deverão ser veiculados pelos agentes operadores;

II - outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 (dezoito) anos, especialmente por meio da elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas; e

III - a destinação da publicidade e da propaganda das apostas ao público adulto, de modo a não ter crianças e adolescentes como público-alvo.

Art. 17. Sem prejuízo do disposto na regulamentação do Ministério da Fazenda, é vedado ao agente operador de apostas de quota fixa veicular publicidade ou propaganda comercial que:

I - tenha por objeto ou finalidade a divulgação de marca, de símbolo ou de denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados, que não possuam a prévia autorização exigida por esta Lei;

II - veiculem afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou os possíveis ganhos que os apostadores podem esperar;

III - apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social;

IV - sugiram ou deem margem para que se entenda que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro;

V - contribuam, de algum modo, para ofender crenças culturais ou tradições do País, especialmente aquelas contrárias à aposta;

VI - promovam o marketing em escolas e universidades ou promovam apostas esportivas dirigidas a menores de idade.

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Veja também: Portaria SPA/MF n.º 1231/2024 (Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda)

Estabelece regras e diretrizes para o jogo responsável e para as ações de comunicação, de publicidade e propaganda e de marketing, e regulamenta os direitos e deveres de apostadores e de agentes operadores, a serem observados na exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Plano de Saúde e Medicamento de Uso Domiciliar

A Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/98) estabelece, em seu artigo 10, acerca do plano- referência de assistência à saúde, que prevê a cobertura assistencial médico- ambulatorial e hospitalar obrigatórias. Em seguida, apresenta uma lista de exceções à regra geral, dentre elas o VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12. 

Importa dizer que medicamentos para câncer já estão sendo disponibilizados para uso domiciliar, conforme a ressalva do inciso VI informada acima. 

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido o dever de custeio de  remédio de uso domiciliar, quando este for recomendado ao paciente, ser mais barato (para o plano de saúde) e mais eficiente no tratamento da doença. Ou seja: nas situações em que é possível ao paciente fazer uso do medicamento em sua própria residência, não há razão para submetê-lo ao ambiente hospitalar.

Nesse sentido, recentemente, a 4.ª Turma do STJ obrigou uma Operadora de plano de saúde a custear o tratamento domiciliar a uma conveniada portadora de esclerose múltipla, ao entender que o remédio fingolimode (imprescindível para evitar que a paciente tenha surtos da doença, com degeneração neurológica progressiva) poderia ser ministrado na casa da paciente.

Ainda, em atenção à prescrição médica, os Ministros verificaram que o tratamento a que a paciente está sendo submetida é escalonado, e que este medicamento de uso oral (mais prático, indolor, sem necessidade de deslocamento e gasto de tempo) é o necessário e indicado pelo seu médico para a fase inicial, sendo que na próxima seria o uso de injetáveis no hospital (que possuem cobertura obrigatória pela Operadora e custam mais caro). 

Assim, por uma questão de razoabilidade, e observando as etapas de tratamento recomendadas pelo profissional médico que acompanha o tratamento da paciente, foi determinada a entrega, pelo plano de saúde, do medicamento de uso domiciliar - reconhecendo-se o excepcional dever de cobertura face a particularidade do caso.

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AgInt no AREsp 2.251.773 / DF 

(...) 3.1. Consoante entendimento desta Corte Superior, é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no Rol da ANS para esse fim.

3.2. Todavia, o caso concreto apresenta peculiaridades que justificam a aplicação de entendimento diverso, quais sejam: (i) o medicamento solicitado é registrado pela Anvisa e expressamente indicado para o tratamento de esclerose múltipla; (ii) embora o fingolimode não esteja previsto como de cobertura obrigatória no anexo II da RN 465/2021, as diretrizes técnicas da ANS orientam o seu uso como segunda ou terceira linha de tratamento, que, inclusive, deve ser necessariamente utilizada pelo paciente como requisito para a cobertura obrigatória do medicamento previsto para a linha de tratamento subsequente; (iii) demonstrou-se a imprescindibilidade do fingolimode para evitar que a recorrente tenha surtos da doença, com degeneração neurológica progressiva e desenvolvimento de sequelas incapacitantes irreversíveis; (iv) a insurgente já utilizou, sem sucesso, os outros medicamentos injetáveis previstos, como primeira linha de tratamento, sendo necessário, segundo a orientação da médica assistente, condizente com as diretrizes técnicas da ANS e o PCDT do Ministério da Saúde, seguir o escalonamento do tratamento; (v) o custo do fingolimode é inferior ao de outras opções de tratamento injetáveis.

(...) 4. Nesse cenário, não é razoável exigir que a recorrente passe, de plano, para a etapa subsequente de tratamento, na contramão das recomendações dos órgãos técnicos e da médica assistente, e que seja submetida a tratamento injetável, realizado em ambiente hospitalar, quando pode fazer uso de tratamento via oral, mais prático, indolor e sem gastos com deslocamento e dispêndio de tempo, além de representar custo inferior para a operadora do plano de saúde, não afetando o equilíbrio contratual.

4.1. Conclui-se, assim, que a negativa de cobertura do medicamento, na hipótese, revela-se abusiva. 

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Fornecimento de Bomba de Insulina pelos Planos de Saúde

Recentemente, por ocasião do julgamento de um recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as Operadoras de Planos de Saúde são obrigadas a fornecer bomba de insulina aos beneficiários portadores de diabetes melittus tipo 1 que a requisitam, desde que comprovada a necessidade de uso.

Esta decisão leva em conta a comprovação da eficácia médica do equipamento, que possui um sistema de infusão contínua de insulina, uma vez que torna o tratamento mais seguro, adequado e eficiente. Os benefícios aos pacientes são diversos: diminuição da necessidade de injeções, melhora do controle da glicemia, redução de casos de internações hospitalares em razão da doença, etc.

Questão rotineiramente debatida em demandas judiciais da saúde envolve a entrega de medicamentos de uso domiciliar pelos planos de saúde - já que, a princípio, a previsão legal vigente é a de possibilidade de exclusão contratual dessa cobertura. 

Ocorre que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não classificou as bombas de insulina nem como medicamento, nem como órtese (material permanente ou transitório que auxilia as funções de partes do corpo humano) - mas sim como produto para a saúde.

Assim, como a bomba de insulina é tratamento não elencado no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para seu fornecimento devem ser observados os parâmetros determinados pelo § 13 do artigo 10 da Lei n.º 9.656/98:

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: 

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou  

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.   

Inclusive, há diversas notas técnicas exaradas pelo NatJus do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)/ Ministério da Saúde (MS) confirmando a existência de evidências científicas, manifestando-se favoravelmente ao fornecimento das bombas de insulina. 

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NatJusNúcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário

Criados pela Resolução n.º 238/2016, são um banco nacional de pareceres destinados a subsidiar os Juízes com informações técnicas para a tomada de decisão com base em evidência científica nas ações relacionadas com a saúde, pública e suplementar. 

O objetivo do Sistema e-NatJus é aprimorar o conhecimento técnico dos Magistrados para solução das demandas, bem como conferir maior celeridade no julgamento das ações judiciais.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Fogos de Artifício e Danos a Pessoas e Animais

Embora comumente utilizados nas celebrações de Ano Novo e em eventos esportivos/ conquistas de títulos por times de futebol, há algum tempo tem-se debatido acerca dos danos causados pelos fogos de artifício e artefatos pirotécnicos.

Para além dos riscos à integridade física daquelas pessoas que estão manejando os rojões e/ou estão próximas (eis que os artefatos podem provocar queimaduras, problemas auditivos, ataque cardíaco e epilético), também podem ser vítimas pessoas com hipersensibilidade auditiva (crianças, idosos, pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista) e animais que se assustam com o barulho alto e repentino, gerando reações de estresse, ansiedade e até mesmo crise de pânico.

No caso dos animais (cavalos, pássaros, aves, domésticos), as consequências do sofrimento causado pela poluição sonora podem ser ainda mais graves, dada a possibilidade de desnorteamento, fuga para a rua e atropelamento, ataques de agressividade, além de convulsões, problemas cardíacos e de audição.

Notícia recentemente veiculada no site jurídico Migalhas (clique para ler a matéria) informa sobre a condenação de uma locatária de chácara no interior paulista ao pagamento de uma indenização por danos morais e materiais no montante de R$ 48 mil, em razão do óbito de dois cavalos da propriedade vizinha. Conforme demonstrado no processo, os animais faleceram em razão dos fogos de artifício soltos no Réveillon de 2019 no terreno ocupado pela Demandada. Assustados pelo alto ruído, os cavalos se feriram gravemente por traumatismos causados pelos choques (entre si ou em objetos). 

Por certo que os pets também sofrem com os rojões, razão pela qual os tutores devem adotar cuidados básicos visando a sua proteção, como ter um local de esconderijo caso eles sintam medo, fechar janelas e cortinas para que não vejam/ ouçam os fogos, aumentar o volume da televisão/ rádio, colocar brinquedos à vista para que se distraiam e, se possível, não deixá-los sozinhos em casa.

Em setembro de 2023, ao reconhecer os impactos negativos aos direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente, o STF julgou a constitucionalidade de lei municipal que proíbe a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido - RE 1.210.727 (em sede de repercussão geral). Assim, foi reconhecida a legitimidade dos Municípios brasileiros para aprovarem leis nesse sentido.