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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sensacionalismo Jornalístico gera Dano Moral

Não são raros os programas de televisão apresentados por jornalistas que se excedem verbalmente quando da exposição das notícias. Todavia, recentíssima decisão oriunda do STJ confirmou o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em ação proposta contra José Luiz Datena, condenando-o a indenizar um homem chamado de "bandido" e outros adjetivos pejorativos em rede nacional, sem qualquer prova que sustentasse tal acusação.

Como é de praxe no jornalismo sensacionalista, cuja intenção primordial não é apresentar os fatos com isenção e parcialidade (com base em dados concretos), mas sim com fortes elementos de suspense na busca de maior audiência (leia-se: IBOPE), referido apresentador faltou com os deveres de cautela e razoabilidade ao imputar a prática de crimes a um homem, com descabido excesso de linguagem.

Segue trecho bastante esclarecedor recortado da decisão exarada pelo TJSP:


Acompanha-se integralmente o MM. Juiz quando assinala que: "(...) a reportagem, marcada pela falta de prudência e de cautela, despida de um mínimo de provas sobre as práticas criminosas atribuídas ao autor, é típico exemplo de mau jornalismo, que, afastando-se de sua missão institucional de informação e desvirtuando suas finalidades, descamba para o sensacionalismo, sendo exercido, assim, com o único propósito de aumentar a audiência, elevar os lucros da empresa e, no caso vertente - pior – para resolver assuntos de natureza pessoal. Daí a ilicitude das condutas dos réus, que, à luz dos interesses do autor - e, inclusive, da coletividade para quem dirigida a reportagem -, exerceram ilícita e abusivamente a liberdade de informação jornalística. Na verdade, os réus ofenderam, despropositada, desproporcional e injustificadamente, o nome, a imagem, a reputação e o sentimento de auto-estima do autor, cujos sacrifícios não se impunham em prol da tutela de bem jurídico superior, ainda mais se demonstrado que a matéria veiculada se caracterizou pela informação açodada, despreocupada e despida de seu conteúdo ético, pela leviandade, pelo descuido censurável e pelo sensacionalismo (...)." Restou evidente o dano moral, indiscutível. O autor foi apresentado em público como elemento de extrema periculosidade. O apelo de ambos os réus neste aspecto é absolutamente inócuo, nada tem de jurídico, tem o aspecto de mera literatura. É irreal. Por outro lado, pouco importa a condição do autor, apontado como possuidor de maus antecedentes e por isso de duvidosa honra, até porque estava preso à época em presídio militar (por porte ilegal de arma). Mesmo fossem muito sérios seus antecedentes, que nem de longe revelam o delinqüente apresentado na televisão, haveria ainda assim de ser poupado dos achaques. Mesmo naquela condição permaneceria senhor de direitos. Não há como defender-se a longa tese da corre sobre ausência de dolo ou de nexo causal. Seu apelo revela-se ainda mais fantasioso e irreal, nada se aproveita. É abominável, ademais, o motivo da elaboração da matéria, que não foi conseqüência de erro jornalístico, mas feita para, através do autor, atingir terceira pessoa.


Sempre bom lembrar que todos, sem exceção, são titulares de direitos fundamentais, nos termos da Constituição Federal de 1988, e o direito à reparação civil nasce sempre que a honra, o nome e a imagem forem maculados, especialmente em casos de abuso jornalístico como o acima relatado, em que o direito de informar a população foi completamente desvirtuado.

AREsp 302557/SP

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

STF decide: O prazo para a Revisão de Benefícios do INSS é de 10 (dez) anos

Na semana que passou, os Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiram, por unanimidade, que o prazo para segurados do INSS requererem a revisão judicial de seus benefícios é de 10 (dez anos). Tal limitação temporal não apenas confirma decisões anteriores proferidas acerca do tema, que acolheram o prazo decadencial, como também será aplicada a todas as demandas semelhantes que atualmente tramitam contra a Previdência Social nas instâncias inferiores, em face do reconhecimento da repercussão geral da matéria. 

Importante dizer que, antes do ingresso da Medida Provisória n.º 1.523-9/1997 no ordenamento jurídico brasileiro, a qual instituiu o prazo decadencial (MP posteriormente convertida na Lei n.º 9.528/97), inexistia prazo para que os segurados postulassem a revisão do ato de concessão de seus benefícios. Com a entrada em vigor da norma, o prazo de 10 (dez) anos passou a ser aplicado somente para os benefícios concedidos após 1997, não cabendo aos anteriores, já que a Lei da Previdência (Lei n.º 8.213/91) nada dispunha acerca do tópico. Logo, para os benefícios anteriores a 1997, não havia prazo para propor ação de revisão, inclusive porque a norma de direito material não poderia surtir efeitos retroativos.

Neste momento, todavia, até mesmo os benefícios concedidos antes de 1997 serão atingidos pela norma do artigo 103 (salienta-se que o prazo decenal de revisão é contado a partir da vigência da Medida Provisória, e não da data da concessão do benefício). Nos termos do mencionado artigo:

Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Segundo o Relator do recurso no STF, Ministro Luiz Roberto Barroso, não há que se falar em direito adquirido dos segurados que tiveram seus benefícios concedidos antes de 1997 a um futuro pedido de revisão do benefício, que poderá nunca ocorrer. No tocante ao benefício em si, aduziu que este constitui direito fundamental do cidadão, razão pela qual inexiste prazo para o seu requerimento. Assim, em seu voto asseverou que o prazo previsto na Lei n.º 9.528/97 não é inconstitucional, e somente atinge a pretensão de discutir o valor do benefício já concedido, tendo como fundamento a segurança jurídica e a "manutenção do equilíbrio atuarial do sistema previdenciário".

Recurso Extraordinário 626.489/SE
 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Responsabilidade do Blogueiro

Ao tratarmos acerca do tema "direitos fundamentais" em posts anteriores do blog, vimos que, a rigor, não existe supremacia de uns sobre outros, eis que todos eles encontram-se em um mesmo patamar de importância. Todavia, sempre que ocorrer uma colisão entre dois ou mais direitos, deverá ser realizada uma análise ponderada do caso concreto pelo Magistrado para fins de averiguar qual prevalecerá.

Recentemente, um blogueiro foi condenado judicialmente em razão de comentário escrito por um de seus leitores em artigo publicado na internet. No ocasião, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que, no conflito liberdade de imprensa x honra do ofendido, esta se sobrepõe, pelo que o blogueiro foi condenado a indenizar um servidor público na quantia de R$ 10 mil por danos morais.

Interessante referir que a origem da demanda não foi a matéria em si, mas o comentário publicado por terceiro, com intuito claramente ofensivo à pessoa do trabalhador (em sua vida privada, honra, moral e imagem), o que evidentemente extrapola o direito à livre manifestação de pensamento, assegurada constitucionalmente. Não é demais lembrar que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do estado democrático de direito, representando a base do nosso ordenamento jurídico.

Diante dessa decisão, é preciso termos muita atenção com o conteúdo postado em nossas páginas. Cabe a nós, blogueiros, controlar/moderar os comentários que são enviados pelos leitores (tentar evitar os anônimos), sob pena de respondermos civilmente por eventuais excessos de linguagem cometidos, em face da negligência quanto à necessária prévia análise do teor submetido à publicação.







sábado, 5 de outubro de 2013

Constituição Federal - 25 anos

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."

Estas palavras correspondem ao preâmbulo da nossa Carta Magna. O topo do ordenamento jurídico pátrio. A Lei Fundamental. 

Em 05 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães, então Presidente do Congresso Nacional, declarou promulgada aquela que seria a Lei das Leis: depois de longos anos de ditadura militar, surge no país a Constituição Cidadã, comprometida com os valores democráticos.

25 anos se passaram desde então e a nossa CF/88 passou por várias transformações, mormente originárias das emendas constitucionais apresentadas, e que hoje somam 74 (a mais recente data de 06/08/2013, e versa sobre a alteração do artigo 134, inserindo um § 3.º à sua redação original).

Da mesma forma, a partir da promulgação da Carta Magna de 1988 um fenômeno se estabeleceu: as normas oriundas dos demais ramos do Direito passaram a ser interpretadas sob um viés constitucional, levando em conta especialmente os Direitos Fundamentais.

Estes, que já foram objeto de 03 post's no blog - "Os Direitos Fundamentais" ( http://cintiadv.blogspot.com.br/2010/10/os-direitos-fundamentais.html ), "Os Direitos Fundamentais - II" ( http://cintiadv.blogspot.com.br/2010/10/os-direitos-fundamentais-ii.html ) e "Os Direitos Fundamentais - III" ( http://cintiadv.blogspot.com.br/2010/10/os-direitos-fundamentais-iii.html ), configuram o coração da CF/88, dada a sua importância. São direitos e garantias inerentes a todos do povo, sem distinção, e cuja principal função é assegurar o respeito ao princípio da dignidade humana.

Neste 05/10/2013, há muitos avanços a se comemorar e outros tantos a aguardar. Se alguns dispositivos legais ainda necessitam ser regulamentados, outros tantos precisam apenas ser efetivados. No que diz respeito aos direitos fundamentais, cabe a cada um de nós, operadores do Direito, buscar a sua integral implementação, sempre visando a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, conforme objetiva a nossa Carta Maior (art. 3.º, inciso I, da CF/88).

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Constituição da República Federativa do Brasil:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Direito de Vizinhança e Tolerância

Lendo recentes decisões sobre assuntos jurídicos, chamou-me a atenção um julgado que trata acerca do tema "direito de vizinhança". A discussão central diz respeito à extensão, a seu acompanhante, do direito de servidão de passagem concedido judicialmente (em demanda pretérita) a uma senhora com idade avançada e portadora de problemas de saúde.

Ao tratar sobre passagem forçada, o Código Civil de 2002 assim prevê:

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.

No caso em tela, a idosa ajuizou ação visando a passagem forçada no terreno do vizinho. Importante dizer que para a concessão da servidão, a lei determina que  o imóvel da pessoa que requer o benefício seja "encravado" (não possui saída para a via pública ou que para promover sua abertura seja necessário despender um valor bastante elevado).

Muito embora o terreno da Autora não se enquadrasse no conceito de encravado, o Judiciário deferiu a servidão de passagem gratuita à idosa por razões humanitárias, em face de seu delicado estado de saúde, eis que seu imóvel não oferecia as melhores condições para a sua locomoção e a melhor alternativa era a passagem pelo imóvel lindeiro, cujo acesso vinha sendo obstaculizado pelo vizinho.

Não obstante a decisão que lhe foi favorável tenha transitado em julgado (ou seja, não mais passível de recurso), tempos depois o vizinho passou a impedir o cônjuge da idosa a transitar em seu terreno. Uma vez que este não foi beneficiado pela primeira demanda (ajuizada apenas em nome da esposa), o mesmo teve que ingressar com nova ação para assegurar o direito de acompanhá-la, já que a idosa não podia mover-se sozinha.

Tal qual a demanda anterior, esta também obteve decisão favorável do Poder Judiciário, tendo o STJ proferido a decisão final acerca da controvérsia. Do acórdão de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, destacamos o seguinte trecho:


Ora, em situações excepcionais, o julgador deve mesmo se desgarrar das amarras estreitas do formalismo jurídico, não para se utilizar de arbitrariedade, mas para dar humanismo à letra fria da lei. Essa é tipicamente uma dessas situações, em que somos surpreendidos pela perplexidade de alcançar a Corte Superior um processo em que se discute essencialmente desentendimentos entre vizinhos, em especial quando se envolve questões humanitárias que deveriam despertar sentimentos de compaixão e solidariedade.

 

É mais que razoável, é esperado que uma pessoa adoentada, portadora de “hérnia de grandes proporções” , não transite desacompanhada. E é absolutamente irracional a pretensão de que ela transite pela passagem sozinha, judicialmente garantida para facilitar-lhe o acesso e a locomoção, enquanto seu cônjuge ou qualquer outra pessoa que a acompanhe deva utilizar o caminho regular.

Sob essa ótica, causa perplexidade a utilização do Estado-Juiz para a busca de vendeta pessoal, completamente desgarrada de proveito jurídico, ou quiçá econômico, pois a restrição de acesso aos acompanhantes da favorecida pela servidão de uso, não objetiva fim juridicamente sólido.

Questionável, inclusive, a própria resistência inicial da parte à utilização da passagem pela companheira do recorrido, pois demonstra inaceitável desconsideração com os mais comezinhos princípios que regem as relações sociais, dos quais se deveria extrair a sobriedade necessária para a composição e, porventura, para a mera aquiescência do pleito inicial de trânsito, por reconhecido motivo de doença, pela propriedade do recorrente.

Assim como em todas as relações existentes em sociedade, aquelas havidas entre vizinhos também devem ser permeadas pelos princípios da solidariedade e da dignidade humana. Tolerância, aceitação, cooperação, humanidade e compaixão são características que devem ser cultivadas e aperfeiçoadas para a melhor convivência entre as pessoas, especialmente quando a proximidade é tamanha.  

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Recurso Especial n.º 1.370.210 - RJ