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terça-feira, 26 de julho de 2022

Cultivo de Cannabis para fins Medicinais

Em julgamento inédito sobre o tema, recentemente a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu salvo-condutos, através de habeas corpus preventivo, permitindo o plantio de cannabis sativa para fins de extração de seu princípio ativo (óleo de maconha) para uso próprio medicinal, sendo que os beneficiados pela decisão necessitam portar laudo e receituário (prescrição médica) para fazer uso do óleo de canabidiol, de modo a que não sofram persecução penal.

O referido salvo-conduto tem por finalidade evitar que as pessoas que cultivam e transportem a cannabis para fins medicinais corram o risco de sofrerem constrangimento ilegal/ serem tolhidas de sua liberdade de locomoção, bem como de serem investigadas, denunciadas, presas, julgadas e condenadas pelo crime de tráfico previsto no artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 (Antidrogas), eis que a finalidade do cultivo da planta psicotrópica visa assegurar o DIREITO À SAÚDE, constitucionalmente previsto no artigo 196 da Carta Magna: 

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Os casos julgados pelo STJ (REsp n.º 1.972.092 e RHC n. 147.169) se referem a pessoa portadora de transtorno de ansiedade e insônia; pessoa com sequelas do tratamento de câncer; e pessoa com insônia, ansiedade generalizada e outras enfermidades. Em que pese a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tenha deferido autorizações em caráter excepcional para importação do canabidiol, o custo elevado do produto faz com que os pacientes que dele necessitam acabem buscando a cultivo caseiro e produção artesanal do óleo da planta medicinal para manter/ prosseguir com o tratamento de suas doenças.  

Importante ressaltar que o cultivo de maconha unicamente para fins recreativos é crime previsto na Lei de Drogas, por entender o legislador tratar-se de substância entorpecente que representa risco de lesão à saúde pública, seja para consumo pessoal, seja para entrega a terceiros com o objetivo de lucro.

Em que pese o preconceito religioso-moralista que ainda circunda o tema, os benefícios do óleo de maconha são inegáveis e inequivocamente demonstrados para o tratamento das mais diversas doenças, representando expressivas melhoras na condição de saúde dos pacientes, inclusive dos portadores de Alzheimer.

Segue ementa de um dos julgados, de Relatoria do Ministro Sebastião Reis:


RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SALVO-CONDUTO. CULTIVO ARTESANAL DE CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. OMISSÃO REGULAMENTAR. DIREITO À SAÚDE.

1. O Direito Penal é conformado pelo princípio da intervenção mínima e seus consectários, a fragmentariedade e a subsidiariedade.

Passando pelo legislador e chegando ao aplicador, o Direito Penal, por ser o ramo do direito de mais gravosa sanção pelo descumprimento de suas normas, deve ser ultima ratio. Somente em caso de ineficiência de outros ramos do direito em tutelar os bens jurídicos é que o legislador deve lançar mão do aparato penal. Não é qualquer lesão a um determinado bem jurídico que deve ser objeto de criminalização, mas apenas as lesões relevantes, gravosas, de impacto para a sociedade.

2. A previsão legal acerca da possibilidade de regulamentação do plantio para fins medicinais, art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, permite concluir tratamento legal díspar acerca do tema: enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma penal incriminadora, o uso medicinal, científico ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares.

3. A omissão legislativa em não regulamentar o plantio para fins medicinais não representa "mera opção do Poder Legislativo" (ou órgão estatal competente) em não regulamentar a matéria, que passa ao largo de consequências jurídicas. O Estado possui o dever de observar as prescrições constitucionais e legais, sendo exigível atuações concretas na sociedade.

4. O cultivo de planta psicotrópica para extração de princípio ativo é conduta típica apenas se desconsiderada a motivação e a finalidade. A norma penal incriminadora mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o lucro, visto que, nesse caso, coloca-se em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não vai encontrar guarida na conduta de cultivar planta psicotrópica para extração de canabidiol para uso próprio, visto que a finalidade, aqui, é a realização do direito à saúde, conforme prescrito pela medicina.

5. Vislumbro flagrante ilegalidade na instauração de persecução penal de quem, possuindo prescrição médica devidamente circunstanciada, autorização de importação da ANVISA e expertise para produção, comprovada por certificado de curso ministrado por associação, cultiva cannabis sativa para extração de canabidiol para uso próprio.

6. Recurso em habeas corpus provido para conceder salvo-conduto a Guilherme Martins Panayotou, para impedir que qualquer órgão de persecução penal, como polícias civil, militar e federal, Ministério Público estadual ou Ministério Público Federal, turbe ou embarace o cultivo de 15 mudas de cannabis sativa a cada 3 meses, totalizando 60 por ano, para uso exclusivo próprio, enquanto durar o tratamento, nos termos de autorização médica, a ser atualizada anualmente, que integra a presente ordem, até a regulamentação do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006.

(RHC n. 147.169/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 20/6/2022.)

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