A Constituição Federal de 1988 dispõe, no caput de seu artigo 5.º, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...)" Ademais, prevê expressamente em seu artigo 1.º, inciso III, tratar-se de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil "a dignidade da pessoa humana."
Por outro lado, o Código Civil de 2002, em seu artigo 15, dispõe que "ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
médico ou a intervenção cirúrgica."
Da leitura dos dispositivos legais acima transcritos, temos que o direito à vida e à dignidade humana, embora protegidos pelo nosso ordenamento pátrio, pode ser relativizado quando o indivíduo titular desses direitos assim o quiser.
Nesse sentido é a novel decisão oriunda da 1.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que negou provimento a recurso manejado pelo Ministério Público Estadual, o qual visava obter uma autorização judicial para suprir a vontade de um cidadão idoso que se recusou a realizar uma cirurgia para amputação de um dos pés que se encontrava necrosado, o que poderia acarretar em uma infecção generalizada e por consequência seu óbito.
No caso concreto, o TJRS confirmou a sentença prolatada pelo Magistrado de primeira instância, no sentido de que não pode o Estado interferir na vontade expressamente manifestada por um paciente - de morrer com dignidade - obrigando-o a submeter-se a procedimento cirúrgico sem a sua vontade e consentimento, ainda que tal providência seja fundamental para a manutenção de sua vida.
Nesse sentido é a ementa do julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013).
Importante dizer que o idoso de 79 anos de idade estava completamente lúcido e consciente de sua decisão, em pleno gozo de suas faculdades mentais, conforme laudo médico psiquiátrico realizado. Assim, em sendo escolha do paciente submeter-se à ortotanásia (não prolongação da vida por meios artificiais), cabe aos médicos respeitar a opção desejada. Referido tema, inclusive, já foi objeto de artigo publicado no blog em dezembro de 2010 (http://cintiadv.blogspot.com.br/2010/12/ortotanasia-x-eutanasia.html)
Aplicável, assim, o quanto contido na Resolução n.º 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina, no que tange ao denominado "testamento vital", cujos pressupostos para a validade do ato extraímos de trecho da decisão do TJRS:
Tal manifestação de vontade, que vem sendo chamada de TESTAMENTO VITAL, figura na Resolução nº 1995/2012, do
Conselho Federal de Medicina, na qual consta que “Não se justifica
prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser
humano” e prevê, então, a possibilidade de a pessoa se manifestar a
respeito, mediante três requisitos: (1)
a decisão do paciente deve ser feita antecipadamente, isto é, antes da fase
crítica; (2) o paciente deve estar
plenamente consciente; e (3) deve
constar que a sua manifestação de vontade deve prevalecer sobre a vontade dos
parentes e dos médicos que o assistem.
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Resolução n.º 1995/2012 em sua íntegra:
http://www.bioetica.ufrgs.br/1995_2012.pdf
Show vou cita-la no meu artigo.apresentação em julho 2018.
ResponderExcluirGrata pela leitura do blog, Marielton. Me sinto honrada. Abraços :)
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