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sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A Geolocalização como Estratégia de Investigação

A geolocalização (do inglês geofencing) consiste na localização de determinado aparelho eletrônico (smartphone, computador, notebook ou outro aparato com tecnologia compatível) em qualquer lugar do mundo, através da leitura das suas coordenadas geográficas. A tecnologia envolvida para estabelecer um perímetro virtual pode utilizar o sistema de posicionamento global através de satélites na órbita da Terra (GPS), rede WiFi (leitura da distância do aparelho em relação à origem do sinal), identificação de radiofrequência (emissão de ondas de rádio) ou GPS assistido (informações de conexões de dados, como o 3G e 4G).

Essa ferramenta está presente em várias situações do nosso dia-a-dia: no Uber que chamamos, no Waze ou Google Maps que consultamos, no iFood ou Rappi que demandamos. Todos, sem exceção, utilizam do serviço de geolocalização para rastrear o motorista mais próximo para nos transportar; indicar a melhor rota para chegar a determinado local; eleger o restaurante mais habilitado a entregar nosso alimento.

Da mesma forma, podemos compartilhar com amores, familiares e amigos nossa localização atual nos aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram, para que nos acompanhem em tempo real. Há de se mencionar que, alguns anos atrás, o game Pokemón GO fez um sucesso estrondoso no ramo do entretenimento ao oferecer tecnologia de realidade aumentada: os jogadores "capturavam monstrinhos" que estavam nas imediações do local em que se encontravam. 

Em termos de rastreamento, o sistema operacional de alguns smartphones também dispõe do serviço de informar a última localização do aparelho, o que é extremamente útil nos casos de furto ou roubo do celular.

Mas e quando a geolocalização passa a ser utilizada em investigações policiais? É admissível o emprego dessa ferramenta para identificar potenciais suspeitos do cometimento de um crime? Se mostra possível obter e utilizar dados pessoais com o objetivo de saber quem esteve em certo local durante determinado horário?

A resposta para as perguntas acima é SIM: o Judiciário tem aceito o uso do geofencing como estratégia de investigação. Visando elucidar o homicídio da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou ao Google que entregasse ao Ministério Público os dados de um grupo não identificado de pessoas que aleatoriamente transitaram em determinadas coordenadas geográficas do Rio de Janeiro em certo lapso de tempo (janeiro/2017 a fevereiro/2019)

Por dados, leia-se: fornecimento de um conjunto extremamente amplo de dados sigilosos, que não se restringiriam aos dados de identificação do usuário, mas também ao conteúdo de e-mails, backups, fotos e vídeos, bem como históricos de pesquisa, de localização e de navegação.

O Google interpôs recurso em mandado de segurança (RMS 64.941) invocando como tese de defesa a "violação do regime constitucional e legal de privacidade e proteção de dados pessoais; do princípio da legalidade; da exigência de fundamentação específica da ordem que quebra de sigilo telemático; e do princípio da proporcionalidade, em todas as suas vertentes (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito)."

Por ocasião do julgamento, em decisão monocrática o Ministro Relator Rogerio Schietti Cruz  negou provimento à irresignação do mecanismo de buscas na Internet, com base na teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. 

Nas palavras do Julgador,

"Trazendo essa doutrina para o exame do caso concreto – em que o direito à segurança pública e à preservação e restauração da ordem pública tem algum resvalo no direito ao sigilo de dados –, nota-se a realização da proporcionalidade em suas três diretrizes essenciais. Ela é adequada, na medida em que serve como meio auxiliar na elucidação do delito. É necessária, diante da gravidade e complexidade do caso e da inexistência de outros meios menos gravosos para se alcançar os legítimos fins investigativos. E, por fim, é proporcional em sentido estrito, porque a restrição aos direitos fundamentais que dela redundam não enseja gravame às pessoas afetadas, as quais não terão seu sigilo de dados registrais publicizados, certo, ainda, que, se não constatada sua conexão com o fato investigado, serão tais registros descartados.

Portanto, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto não impõe risco desmedido à privacidade e intimidade de todos os usuários possivelmente atingidos. A existência dessa delimitação por parâmetros e por lapso de tempo serve inclusive como limitador do alcance da medida."

Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre a hipótese de conflito entre 02 (dois) direitos fundamentais - Os Direitos Fundamentais – II (clique no link para ler).

A questão posta poderá ser vista sob dois aspectos: o de que a medida é arbitrária e viola a intimidade/ privacidade de indivíduos que não possuem nenhuma conexão com a investigação criminal que originou a decisão; ou de que a medida possui ares de legalidade e constitucionalidade, uma vez que utiliza a tecnologia a favor do descobrimento da verdade, permanecendo os dados dos usuários em sigilo.

O tema é objeto de Recurso Extraordinário interposto pelo Google perante o Supremo Tribunal Federal (STF) - referente ao Caso Marielle - e atualmente aguarda julgamento em sede de repercussão geral - RE 1.301.250. 


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