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domingo, 9 de julho de 2023

Conversas de WhatsApp e Dever de Sigilo

Nos dias atuais, é inegável que os aplicativos de troca de mensagens/ chamadas por voz e vídeo como o WhatsApp e o Telegram suplantaram as ligações telefônicas convencionais, as mensagens por SMS e os e-mails. A dinamização da vida em sociedade e a necessidade de interações cada vez mais ágeis/ instantâneas (e o fato de quase todas as pessoas terem celular) faz com que os apps acima citados sejam extremamente populares e utilizados como meio de comunicação preferido.

Em que pese a modernidade desses aplicativos, as conversas ali mantidas também são resguardadas pelo dever de sigilo das comunicações, consoante determina a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5.º, ao tratar dos direitos fundamentais:

Art. 5.º (...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;   

Nesse contexto, o conteúdo de conversas privadas mantidas entre duas ou mais pessoas (pertencentes a grupos) não podem ser divulgadas publicamente e, aquele que as revelar sem a autorização do(s) outro(s) interlocutor(es), comete ilícito apto a ensejar uma condenação em reparar os eventuais danos causados.

No caso, a responsabilidade civil decorre da quebra do dever de confidencialidade e violação da intimidade e privacidade do emissor das mensagens, que possui uma legítima expectativa de que a conversa não saia da esfera de conhecimento de ambos (ou do grupo fechado) - até mesmo porque "o WhatsApp usa a criptografia de ponta a ponta para garantir que todas as suas mensagens e chamadas fiquem somente entre você e a pessoa com quem você está conversando."

Assim, há de se pensar duas vezes (ou mais) antes de postar prints de conversas e compartilhar áudios e imagens de terceiros nas redes sociais ou envia-las a outras pessoas, estranhas àquele bate-papo, sob pena de responder civilmente por isto.

A exceção à regra ocorre quando: 1) o receptor/ expositor das mensagens estiver resguardando um direito próprio; 2) houver autorização judicial para divulgar; 3) o(s) participante(s) da conversa consentirem com a propagação.

Já tratamos aqui no ::BLoG:: sobre o conflito de direitos/ choque de princípios, em que são utilizados os critérios da PONDERAÇÃO e da RAZOABILIDADE para a busca da solução - Os Direitos Fundamentais – II (clique no link para ler o artigo).

Segue trecho da ementa do julgado paradigma sobre o tema, Recurso Especial n.º 1.903.273/PR, Relatora Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça:


CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. ÔNUS DA PROVA. PUBLICIZAÇÃO DE MENSAGENS ENVIADAS VIA WHATSAPP. ILICITUDE. QUEBRA DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA E VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE. JULGAMENTO: CPC/2015.

(...) 7. O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/88) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/02). No passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp, o qual permite a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo. Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Em consequência, terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.

8. Nas hipóteses que em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação. Nesse aspecto, há que se considerar que as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores. Ademais, é certo que ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano. A ilicitude da exposição pública de mensagens privadas poderá ser descaracterizada, todavia, quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio do receptor.

9. Na espécie, o recorrente divulgou mensagens enviadas pelo recorrido em grupo do WhatsApp sem o objetivo de defender direito próprio, mas com a finalidade de expor as opiniões manifestadas pelo emissor. Segundo constataram as instâncias ordinárias, essa exposição causou danos ao recorrido, restando caracterizado o nexo de causalidade entre o ato ilícito perpetrado pelo recorrente e o prejuízo experimentado pela vítima. (...)


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