Anteriormente, já tratamos aqui no ::BLoG:: acerca do Direito Médico e o Consentimento Informado, Assistência à Saúde: Humanização das Relações, Testemunhas de Jeová x Transfusão de Sangue (clique para ler os artigos).
Nas questões relacionadas à saúde, o dever de informação se mostra imprescindível, tendo em vista que, conforme já aduzido em prévio artigo, o profissional médico deve prestar todas as informações necessárias ao paciente, de forma clara, objetiva, verdadeira e precisa, de modo a que este tenha plana ciência de todos os benefícios e riscos/ implicações que poderão advir da terapêutica recomendada (tanto no presente quanto no futuro) bem como de alternativas viáveis (e disponíveis) àquele procedimento.
Além disso, o princípio da autonomia da vontade (oriundo do Direito Civil) diz respeito à possibilidade do indivíduo estipular livremente, e decidir de acordo com seus interesses. E para que seja exercido de forma plena pelo paciente, há de ser cumprido o dever de informação pelo médico, de modo mais completo possível. Assim, o termo de consentimento do paciente somente terá validade quando este receber todas as informações necessárias (de forma compreensível, sem termos técnicos) para que possa expressar - com convicção, segurança e consciência - a sua vontade.
Sobre o tema, recentemente a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o descumprimento do dever de informação tem implicações distintas, conforme o procedimento cirúrgico seja eletivo (não urgente, programada pelo paciente) ou não eletivo (caso de urgência ou emergência).
Conforme entendimento da Corte Superior, nas situações que denotem gravidade, a prestação de informações prévias ao paciente terá menos influência na decisão a ser tomada pela própria pessoa ou por seus familiares do que naquela que poderá ser objeto de reflexão e ponderação (não urgente).
No caso concreto que foi a julgamento, a paciente foi a óbito depois de sofrer um choque anafilático decorrente de anestesia geral, quando estava sendo submetida a uma cirurgia para retirada das amígdalas e tratamento de adenoide.
O STJ confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que entendeu não ter sido caso de imprudência, imperícia ou negligência dos médicos que realizaram a cirurgia, sob o fundamento de que o risco existiria de qualquer maneira, independentemente da ciência e anuência prévia da paciente.
Para a Ministra Relatora Isabel Gallotti, no caso de cirurgias fundamentais para o restabelecimento da saúde, com necessidade premente face aos riscos envolvidos, é menos provável que o dever de informação acerca dos riscos da anestesia influencie na decisão acerca de submeter-se ao procedimento, uma vez que a preocupação maior é em salvar a vida do paciente. E no caso em tela, não havia como os médicos saberem de antemão sobre possibilidade de risco agravado em sendo aplicada a anestesia - portanto, não se poderia reconhecer a negligência. Logo, na visão da Corte, não há fundamento para a a condenação dos profissionais por falha no dever de informação.
Segue abaixo a ementa do julgado na íntegra:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO. CIRURGIA NECESSÁRIA PARA TRATAMENTO DE DOENÇA. REAÇÃO ADVERSA À ANESTESIA GERAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO, NA INICIAL, DE FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO POR PARTE DOS MÉDICOS. RISCOS DA ANESTESIA. FATO NOTÓRIO. DISSÍDIO. DISTINGUISHING NECESSÁRIO.
1. Em observância ao princípio da congruência, o julgador deve se limitar a julgar o que lhe foi demandado (artigos 128 e 460 antigo CPC e artigos 141 e art. 492 novo CPC), devendo haver correlação entre a causa de pedir e o julgado. A atribuição de culpa aos médicos, por motivos diversos daqueles alegados pela parte autora, acarretaria cerceamento de defesa dos réus e julgamento extra petita.
2. Em se tratando de cirurgias necessárias à cura de doenças, a informação a respeito dos riscos da anestesia não é o fator determinante para a decisão do paciente de se submeter ao procedimento ou não, sendo certo que, muitas das vezes, não realizá-lo não é opção.
3. É fato notório que a anestesia geral envolve riscos.
4. Considerando (i) que a autora não alegou falta de cumprimento de dever de informação na inicial; (ii) que a cirurgia da sua filha era necessária à cura da doença que a acometia; (iii) que não se alega prévio conhecimento de alergia a remédios ou outras substâncias que pudesse ter sido relatado aos médicos (IV) que o problema com a menor decorreu de reações adversas à anestesia; (iv) que não é possível prever, com exames prévios, choque anafilático em decorrência de anestesia; e (v) que a perícia judicial "não encontrou no procedimento anestésico qualquer fato que desabone a conduta dos profissionais", não há como responsabilizar os réus neste caso.
5. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp n. 2.097.450/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 6/11/2023.)
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