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segunda-feira, 13 de junho de 2022

Taxatividade do Rol de Coberturas da ANS

 Há exatos 12 anos, iniciamos as postagens do ::BLoG:: com uma notícia acerca do mesmo tema objeto do artigo de hoje - Novas regras para os Planos de Saúde (clique no link para ler). Na ocasião, informamos que as Operadoras estavam sendo obrigadas a ampliar a cobertura básica dos planos individuais e coletivos, com a inclusão de 70 procedimentos inéditos à época, tanto médicos quanto odontológicos (dentre eles o transplante de medula óssea e a colocação de coroas dentárias), bem como o aumento do limite de consultas em algumas especialidades médicas.

Nesta data, iremos tratar sobre o julgamento ocorrido na semana passada, em que o Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos dos seus Ministros, entendeu pela taxatividade do rol de procedimentos com cobertura obrigatória pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). O debate girava em torno dos seguintes aspectos: considerar o rol como exemplificativo (o que estaria mais próximo da concretização das políticas públicas na área da saúde, conforme idealizado pela Constituição Federal de 1988) ou determiná-lo como taxativo (visando manter o equilíbrio econômico-financeiro do mercado de planos de saúde).

Importante dizer que, nos últimos anos, houve uma hiperjudicialização das questões envolvendo saúde, em razão das negativas, por parte das Operadoras, em fornecer determinados serviços/ procedimentos/ tratamentos aos seus conveniados. Levadas à apreciação do Poder Judiciário, muitas vezes as demandas são julgadas procedentes pelos Magistrados, e não raro os pedidos são deferidos já em sede de liminar.

Embora a Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/98) estabeleça que as Operadoras devem promover a cobertura obrigatória de todas as doenças listadas na CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), a qual emana da Organização Mundial da Saúde (OMS) e prevê exceções, não nos parece adequado que a ANS - órgão criado pela Lei n.º  9.961/2000, cuja competência é a de regulamentar as exigências mínimas e elaborar o rol de procedimentos de cobertura obrigatória - tenha poderes para restringir e excluir ainda mais coberturas assistenciais, além daquelas constantes da própria norma legal. 

SITE DA ANS - Verificar cobertura de plano

Essa prática, conforme entendimento explanado pela Ministra Nancy Andrighi em seu voto divergente, configuraria uma atuação abusiva e ilegal da ANS (que exara normas infralegais), colocando o consumidor conveniado - hipossuficiente e vulnerável - em desvantagem exagerada na relação de consumo, uma vez que a taxatividade lhe retira o direito de se beneficiar de todos os possíveis procedimentos e eventos em saúde que se façam necessários para o seu tratamento médico. Por certo que a ANS atualiza, de tempos em tempos, seu rol de coberturas mínimas; porém, não com a velocidade das inovações que a tecnologia apresenta frequentemente na área da saúde.

Um dos aspectos mencionados para a fixação do entendimento vencedor é a de que a estipulação de um rol tem por objetivo proteger os conveniados - tanto de evitar a sua submissão a procedimentos e tratamentos que não tenham respaldo científico, quanto no sentido financeiro, evitando aumentos excessivos. Isso porque o valor da mensalidade do plano de saúde leva em consideração o conceito de mutualidade e equilíbrio atuarial, sendo arbitrado após a realização de cálculos estatísticos e de probabilidade para fins de aferição da cobertura do risco. Em sendo o rol meramente exemplificativo (podendo ser interpretado de forma ampla e irrestrita), na visão dos Ministros que aderiram a esta tese, se tornaria bastante difícil a precificação, o que elevaria (e muito) o valor das parcelas mensais, inviabilizando a manutenção de muitos planos de saúde, especialmente os firmados pela população mais carente - o que também comprometeria a solvência das Operadoras privadas.

Aspecto que vinha sendo muito debatido no Judiciário até então diz respeito à seguinte questão: embora o plano de saúde possa estipular quais as doenças terão cobertura, é o profissional médico que está atendendo o paciente quem pode (e deve) indicar a melhor terapêutica a ser ministrada na busca de sua cura. Neste momento, impera a incógnita: como decidirão os Juízes diante dessa nova ideia? Há alguns meses escrevemos sobre os Planos de Saúde e Tratamento para Autismo. Como ficarão essas crianças que necessitam de tratamento multiprofissional para seu pleno desenvolvimento, o qual é desde sempre negado pelas Operadoras sob alegação de ausência de previsão das terapias complementares no rol da ANS?

O tema é complexo e muito provavelmente será analisado pelo Supremo Tribunal Federal, face a questão constitucional envolvida (direito à saúde). A nosso ver, ao tornar taxativo o rol da ANS - que prevê as coberturas mínimas - a decisão do STJ representa retrocesso na jurisprudência pátria, a qual, em sua maioria, reconhecia os direitos dos consumidores no que tange ao alcance dos tratamentos e terapêuticas mais adequados à sua condição particular, devidamente recomendados por seus médicos. É possível que aumente o número de demandas judiciais buscando a cobertura de exames, medicamentos, terapias. Mas como se portarão os Magistrados diante das futuras negativas dos planos fundadas no acórdão exarado da Corte Superior? Só nos resta aguardar as cenas dos próximos (e eletrizantes) capítulos. 

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Teses fixadas pela decisão do STJ:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2.  A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.


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