A Medicina é a arte do cuidado, a qual foi muito reverenciada e admirada no decorrer da História. Até bem pouco tempo atrás, os diagnósticos, prognósticos e as possibilidades de tratamento informadas pelos médicos aos pacientes sequer eram objeto de maiores questionamentos – eis que os doutores eram estudiosos e detentores absolutos desse saber. Ocorre que, em tempos de Google, onde se encontram online as mais variadas noções sobre praticamente todos os assuntos, as pessoas passaram a efetuar pesquisas (por curiosidade) que vão desde os sintomas que lhes acometem (para descobrir se estão doentes para poderem se automedicar) até técnicas e tipos de procedimentos médicos. Todo esse conhecimento ao alcance de um click fez com que os pacientes (bem como familiares) passassem a realizar uma infinidade de perguntas nas consultas e até mesmo promover verdadeiros debates com os médicos acerca de terapêuticas e/ou medicamentos ministrados.
Desse modo, a sociedade como um todo passou a exigir maior atenção e cuidado por parte dos profissionais da saúde em seu agir, tendo aumentado de forma exponencial as demandas judiciais que versam acerca da responsabilidade civil em casos de erro médico. Importa consignar que os médicos podem responder ainda nas esferas administrativa (perante o Conselho Regional de Medicina) e penal.
Como seres humanos falhos que somos, estamos todos sujeitos a cometer erros – e não seria diferente com os médicos e demais profissionais que atuam na área da saúde (odontólogos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, psicólogos, fisioterapeutas, farmacêuticos, etc.). Todavia, em sendo adotada a melhor técnica (prescrita pela literatura médica) e desde que observadas as devidas diligências e tomadas as necessárias precauções, se ainda assim sobrevier resultado adverso ao paciente, o risco de enquadramento na prática de crime diminui consideravelmente.
Na seara penal, há de ser observado o disposto no artigo 5.º, inciso XXXIX da Constituição Federal de 1988, o qual determina textualmente que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Dito isso, temos que o profissional da saúde somente será responsabilizado por delitos previstos na legislação ao tempo em que praticados (seja no Código Penal, na Lei de Contravenções Penais ou outra lei esparsa). Mostra-se necessária ainda a existência de um fato típico, ilícito e culpável, além do nexo causal entre a ação/ omissão e o dano causado. O crime pode ser cometido na modalidade dolosa (com intenção de produzir o resultado ou quando o agente assume o risco de alcança-lo – dolo eventual) ou culposa (quando o dano é causado por imperícia, imprudência ou negligência no agir do profissional da saúde).
É de salientar que dificilmente haverá dolo direto ou dolo eventual no agir do profissional da saúde, podendo este ser responsabilizado pela morte do paciente, por exemplo, numa situação de completo descaso diante de um quadro grave, ou quando realizar tratamento evidentemente inadequado ao caso. Ainda em caso de aborto (salvo quando praticado para salvar a vida da gestante ou em caso de estupro), o auxílio ao suicídio, a omissão de socorro, a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo direto e iminente, bem como o constrangimento ilegal a tratamento ou cirurgia contra a vontade do paciente.
Por outro lado, a ocorrência de uma conduta culposa (homicídio ou lesão corporal) é mais plausível. Sendo assim, o ponto crucial para aferição da responsabilidade penal do profissional da saúde diz respeito à observância do dever de cuidado objetivo exigível, ou seja, a conduta há de ser adequada às normas de zelo, atenção, cuidado e diligência. Nestes casos, os médicos poderão sofrer a incidência de agravante e ter a pena aumentada em 1/3 se o delito resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Importante mencionar que, nos casos de crimes materiais (que deixam vestígios) a responsabilidade penal dos profissionais da saúde será apurada com base na realização de perícia técnica (exame de corpo de delito na própria vítima ou indiretamente via prova documental, como o prontuário médico).
Como exemplos de medidas de cautela a serem tomadas pelos profissionais que atuam na área da saúde, visando proteger-se de eventual futura responsabilização na seara criminal, podemos citar a escuta ativa do paciente (e de seus familiares) por ocasião da anamnese, de modo a colher o maior número de informações possíveis sobre o indivíduo em questão, o que irá auxiliar tanto no diagnóstico e prognóstico da enfermidade quanto embasar as futuras decisões em relação ao tratamento (medicamentoso ou cirúrgico); o correto preenchimento do prontuário médico do paciente (histórico), devendo ser incluídos todos os dados possíveis e necessários, de forma detalhada, clara, precisa e completa; buscar atualização constante em sua área de atuação/ especialização, diante dos avanços científicos e tecnológicos constantes, de modo a que possa, dentro das técnicas, tratamentos e drogas disponíveis no mercado, escolher o que efetivamente melhor se amoldará naquele caso específico.
É de suma importância a elaboração de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), documento formal (com linguagem acessível) utilizado tanto em pesquisas com seres humanos quanto na prática clínica, no qual constarão informações claras sobre os riscos e implicações presentes e futuras para o paciente, além dos benefícios que poderão advir, além de alternativas viáveis, de modo a que este possa decidir, com integral autonomia, acerca de sua intenção em consentir ou não, sempre respeitada a sua privacidade e o sigilo médico.
Desse modo, a observância do cuidado necessário no agir do profissional da saúde certamente diminuirá a possibilidade de uma eventual futura responsabilização na seara penal – especialmente nos casos de imperícia, imprudência e negligência, que podem ocasionar desde lesões a sequelas graves, até mesmo acarretar o óbito do paciente.
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